É no Semiárido que a vida pulsa!
Por um semiárido rico em vida
Indicadores Sociais
O Semiárido é um espaço com grande concentração de terra, de água e dos meios de comunicação, que historicamente sempre estiveram nas mãos de uma pequena elite.
Essa situação gera níveis altíssimos de exclusão social e de degradação ambiental e são fatores determinantes da crise socioambiental e econômica vivida na região.
Olhando para a divisão das terras propícias à agricultura na região, os últimos dados são os seguintes:
Cerca de 1,5 milhão de famílias agricultoras (28,82% de toda a agricultura familiar brasileira) ocupam apenas 4,2% das terras agricultáveis do Semiárido. Ao passo que 1,3% dos estabelecimentos rurais com mais de 1 mil hectares, conhecidos como latifúndios, detêm 38% das terras.
Segundo o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar 2023, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), a agricultura familiar é responsável por 23% do valor bruto da produção agropecuária e por 67% das ocupações no campo.
É a oitava maior produtora de alimentos do mundo.
A região Nordeste, em 2022, detinha 27% da população total do Brasil, mas concentrava 43,5% da população na pobreza e 54,6% da população em extrema pobreza.
Embora ainda apresente uma taxa duas vezes maior do que a nacional, a região foi a que apresentou a maior redução absoluta no número de pessoas em situação de pobreza entre 2012 e 2023, uma diminuição superior a 3,3 milhões de pessoas, segundo dados da PNAD Contínua.
Em 60,09% dos municípios do Semiárido, com mais de nove milhões de habitantes, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) varia de Muito Baixo a Baixo.
O IDH leva em consideração indicadores de longevidade, educação e renda. Todos os municípios do Semiárido apresentaram IDHM inferior ao do Brasil (0,727).
As contradições e injustiças sociais que historicamente permeiam a região eram claras inclusive no acesso à renda, que reflete também uma forte desigualdade de gênero, no início dos anos 2000.
Segundo dados do IBGE, na época metade da população no Semiárido, ou mais de oito milhões de pessoas, não possuíam renda monetária ou tinham como única fonte de rendimento os benefícios governamentais, a maioria (59,5%) eram mulheres.
Os que dispunham de até um salário mínimo mensal somavam mais de cinco milhões de pessoas (31,4%), sendo 47% mulheres. Enquanto isso, apenas 5,5% contavam uma renda entre dois a cinco salários mínimos, a maioria (67%) homens, e dos 0,15% com renda acima de 30 salários mínimos apenas 18% eram mulheres.
O índice de Gini, que mede o nível de desigualdade a partir da renda, estava acima de 0,60 para mais de 32% dos municípios do Semiárido, demonstrativo de uma elevada concentração da renda na região.
Nas últimas duas décadas, graças à constante mobilização social que provocou a implementação de políticas públicas estruturantes, o Semiárido experimentou uma redução inédita da desigualdade regional do PIB per capita.
Em 2002, a razão do PIB para cada indivíduo da região era 0,33, em 2020 esse índice subiu para 0,43.
Conforme o IBGE, contudo, em 2021 – após gestões federais contrárias a investimentos em ações para o bem-estar social – a razão PIB per capita oscilou para baixo (0,41).
Características
O atual clima do Semiárido se instalou entre 8.000 e 10.000 anos atrás e o comportamento das chuvas é documentado pelos viajantes desde a época do Império.
Comparado com outras regiões semiáridas do mundo, onde chove entre 80 a 250 milímetros (mm) por ano, o Semiárido brasileiro é o mais chuvoso do planeta.
As precipitações variam em média entre 200 a 800 mm anuais. Quanto à distribuição, observa-se uma concentração de ocorrências pluviométricas concentradas em poucos meses do ano e distribuída de forma irregular.
Como é natural das regiões semiáridas, esse volume de chuva é menor do que o índice de evaporação que, no Semiárido brasileiro, é de 3.000 mm por ano. Isso provoca um déficit hídrico desafiador para quem vive da agricultura e da criação de animais na região. Essa adversidade tem sido enfrentada pelas famílias agricultoras com o armazenamento de água da chuva em tecnologias sociais diversas. A água acumulada serve tanto para consumo humano, quanto para uso na produção de alimentos, contribuindo também para conter o processo de desertificação. Por isso, a primeira tecnologia implantada na região – a cisterna de placa de cimento – representa um marco na busca da soberania hídrica e alimentar no Semiárido brasileiro.
Tanto a ausência ou escassez das chuvas, quanto a sua alta variabilidade espacial e temporal são responsáveis pela ocorrência das secas – um fenômeno natural e cíclico nesta região. Outro fator de influência é a pequena profundidade do solo, que reduz a capacidade de absorção da água da chuva. A presença de solos cristalinos na maior parte da região limita o abastecimento dos aquíferos subterrâneos. Estima-se que mais de 90% das precipitações não são aproveitadas devido à sua evaporação e ao seu escoamento superficial.
Saiba mais…
As regiões semiáridas são caracterizadas, de modo geral, pela aridez do clima, pela deficiência hídrica com imprevisibilidade das precipitações pluviométricas e pela presença de solos pobres em matéria orgânica. O prolongado período seco anual eleva a temperatura local, caracterizando a aridez sazonal. Conforme essa definição, o grau de aridez de uma região depende da quantidade de água advinda da chuva (precipitação) e da temperatura que influencia a perda de água por meio da evapotranspiração potencial.
(trecho retirado do livro “Entre o Combate à Seca e a Convivência com o Semiárido – Transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento”, de Roberto Marinho Alves da Silva, 2008)
Biomas
No Semiárido ocorrem dois biomas: a Caatinga e o Cerrado. Eles estão presentes em 1/3 do nosso território nacional (54% dos estados brasileiros e 34% dos municípios), onde vivem 30% da população.
A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro e foi reconhecido como uma das 37 grandes regiões naturais do planeta, ao lado da Amazônia e do Pantanal.
Com 45% de sua área desmatada, é o terceiro bioma mais degradado do país, depois da Mata Atlântica e do Cerrado. A Caatinga tem uma importância fundamental para a biodiversidade do planeta pois 1/3 de suas plantas e 15% de seus animais são espécies exclusivas, que não existem em nenhuma outra parte do mundo.
Ao analisarmos os biomas na mesma latitude ao redor do mundo, constataremos que nos outros países só há desertos. Isso se deve ao fato de que a Caatinga recebe umidade de outros dois importantes biomas que os especialistas classificam como bombas bióticas: a Mata Atlântica e a Amazônia. Essa característica confere ao Brasil possuir o único semiárido do mundo que não é nômade.
O que torna a Caatinga ainda mais importante para o Brasil e para o mundo é a sua capacidade de sequestrar gás carbônico (CO₂), superando até mesmo as florestas da Amazônia. Pesquisadores do Grupo de Estudos Observacionais e de Modelagem da Interação Biosfera-Atmosfera (Geoma), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), observaram que durante dois anos monitorados, o bioma sequestrou mais de 3 toneladas de carbono por hectare.
Essa característica de sumidouro de carbono faz da Caatinga um depósito natural que absorve e captura o CO₂ da atmosfera, reduzindo sua presença no ar e beneficiando diretamente o clima local, regional e global.
Essa riqueza, contudo, está ameaçada. A Caatinga originalmente abrangia uma área de quase 1 milhão de km², mas atualmente sua área remanescente é de 844.453 km².
Essa área equivale a 9,9% do território nacional, sendo que menos de 1% está sob proteção de unidades de conservação.
A Caatinga foi o segundo bioma mais desmatado em 2022.
Foram registrados 18,4% de alertas de desmatamento e detectados 6,8% da área total devastada (140.637 hectares), ficando atrás apenas da Amazônia.
Fonte: Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, produzido pelo Mapbiomas,
O desmatamento para retirada de lenha é uma das principais atividades que contribuem para a desertificação, a seca e a perda da biodiversidade brasileira. Porém, não é a única causa de devastação da Caatinga. A implantação de megaempreendimentos, sobretudo, de energia eólica e solar têm contribuído para a supressão da vegetação, a morte da fauna e a degradação do solo.
O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro e um dos mais ameaçados do globo. Conhecido como berço das águas, possui as maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo, que alimentam as grandes bacias hidrográficas da América do Sul.
Nesse bioma, encontram-se três grandes aquíferos responsáveis pela formação e alimentação de rios continentais. Um deles, o mais conhecido, é o aquífero Guarani que abastece a bacia hidrográfica do Paraná além de alguns rios da Bacia Amazônica. Os outros dois aquíferos são o Bambuí e o Urucuia, responsáveis pela formação e alimentação dos rios que integram a bacia do São Francisco e as sub-bacias hidrográficas do Tocantins e do Araguaia, entre outras localizadas no próprio bioma.
A vegetação nativa do Cerrado é responsável pela alimentação dos lençóis profundos, contudo, com a introdução da monocultura e pecuária extensiva, parte da vegetação já foi extinta impactando diretamente no funcionamento dos corpos hídricos.
Embora imprescindível para o equilíbrio ecológico, o Cerrado vem sendo constantemente atacado, especialmente na região conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). O MapBiomas identificou pela primeira vez, em cinco anos de levantamento, que o desmatamento do bioma ultrapassou o da Amazônia.
A “savana” brasileira
O Cerrado abriga cerca de 5% de todas as espécies do planeta, sendo portanto um dos lugares mais biodiversos da Terra.
Quase metade, algo em torno de 40% são espécies endêmicas.
Desmatamento
Foram 1.110.326 milhão de hectares devastados, um aumento de 67,7% em relação ao ano anterior, sendo a maior parte das ocorrências de destruição dentro de áreas privadas causada pela expansão da agropecuária.
Tanto a Caatinga, quando o Cerrado são alvos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 504/2003 que altera o artigo 225 da Constituição Federal para tornar os biomas patrimônio nacional.
Desertificação x Deserto
A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD) estabelece que desertificação é o processo de degradação das terras nas zonas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas. No Brasil, “as áreas susceptíveis à desertificação no Brasil compreendem 1.340.863 km2, incluindo 1.488 municípios, localizados em dez estados da região semiárida do nordeste, municípios no Norte de Minas Gerais e do Espírito Santo”, de acordo com o Instituto Nacional do Semiárido (INSA).
As causas desse processo estão relacionadas às “práticas agropecuárias e antrópicas adotadas para o uso dos recursos naturais, especialmente da Caatinga, que levam à exaustão dos solos e, finalmente, da vida humana”.
Essas áreas mais degradadas geralmente apresentam solos com baixo teor de fósforo e nitrogênio. Além disso, o desmatamento acelera a mineralização do que resta de matéria orgânica contribuindo com o déficit hídrico.
O Ministério do Meio Ambiente identificou nos municípios de Seridó, (RN/PB), Cariris Velhos (PB), Inhamuns (CE), Gilbués (PI), Sertão Central (PE) e Sertão do São Francisco (BA) os chamados “Núcleos de Desertificação no Semiárido Brasileiro”.
Esses espaços se caracterizam pela ausência de práticas adequadas na interação entre ações produtivas e os recursos naturais disponíveis em um ambiente marcado por um equilíbrio ecológico frágil. “Em geral, esses núcleos são áreas com grandes manchas desnudas, presença ou não de cobertura vegetal rasteira e sinais claros de erosão do solo”.
As consequências da desertificação não ficam restritas à localidade onde acontece o fenômeno, elas se apresentam nos âmbitos regional, nacional e global. Esses impactos estão são o empobrecimento da população local e declínio da qualidade ambiental nesses ambientes, provocando processos migratórios intra-regionais, perda de biodiversidade, perda de território produtivo do país e na elevação do risco social. Também há os aspectos negativos referentes ao clima do planeta, com a elevação da temperatura, interferências em processos biogeoquímicos, particularmente, na ciclagem da água e do carbono.
Existem tecnologias sociais que auxiliem no combate à desertificação?
Sim, existem tecnologias sociais. Ao redor do mundo muitas famílias agricultoras experimentadoras em transição agroecológica, vêm respondendo às condições climáticas cambiantes, demonstrando inovação e resiliência frente às mudanças climáticas e desertificação. É o que se vê, por exemplo, na agricultura familiar agroecológica no Semiárido brasileiro, que vem promovendo processos de intensificação da produção baseados na valorização dos recursos locais, no emprego de tecnologias e práticas de manejo que diversificam os sistemas produtivos com atividades que se complementam e permitem a formação de estoques de riquezas (água, forragem, alimentos e sementes) e uma maior circulação de nutrientes dentro do agroecossistema, estratégias estas interligados com uma forte articulação social, organização e momentos sinérgicos de comunicação entre os diversos sujeitos com interesses em jogo nas comunidades ou territórios.
Estas observações foram sistematizadas por meio da pesquisa-articulação-ação, denominado Projeto ASA-INSA, que resgatou e mapeou sistemas agrícolas familiares camponeses em zonas áridas e semiáridas. A pesquisa mostrou que a adaptação às mudanças climáticas e desertificação nos agroecossistemas da região semiárida, passaram de um conceito a um fato, como consequência do conjunto de transformações estruturais, agroecológicas, sociais em combinação com o fortalecimento de mecanismos de reciprocidade comunitária, originados pela implementação de políticas públicas contextualizadas de convivência com a semiaridez adotadas.
A integração de Políticas Públicas ambientais, territoriais, patrimoniais e urbanísticas, é fundamental para que as ações possam se dar de forma concatenada, ao invés da dispersão de esforços verificadas em diversas áreas. Por último, destaco que um desafio chave, para a comunidade científica é definir marcos conceituais e metodológicos para decifrar os princípios e mecanismos chaves que explicam a resiliência dos sistemas diversificados, de tal forma que estes possam ser transmitidos a outras famílias camponesas e os formuladores de políticas públicas possam responder de maneira oportuna e eficaz.