Escola Rural de Massaroca: uma prática educativa contextualizada no sertão baiano
Educação contextualizada
Massaroca – Juazeiro – BA
Há quatorze anos, produtores da região de Massaroca, distrito de Juazeiro, em pleno sertão baiano, tiveram a ousadia de investir numa escola que de fato trouxesse para os seus filhos o aprendizado a partir de sua realidade local. Para isso, e com apoio de produtores franceses, buscaram parcerias para que o sonho se tornasse real. Com essa intenção, surge a ERUM – Escola Rural de Massaroca, em 1995.
Luiz de Senna, pedagogo brasileiro radicado na França, grande colaborador da ERUM nos primeiros anos, dizia que o compromisso da Escola era trabalhar para os interesses de uma comunidade camponesa. A comunidade de Massaroca vem se organizando há anos para sair de uma situação de carência e de ameaça de miséria, assim como se livrar do abandono em que foi deixada há muitas dezenas de anos.
A metodologia adotada pela Escola considera três momentos no processo educativo: observar a realidade, compreender a realidade e transformar a realidade. Dessa forma, a ERUM vem contribuindo para o desenvolvimento local das comunidades da região. Estudos de realidade são feitos anualmente, com os alunos do Fundamental I e II. Cada ano escolhe-se uma comunidade, para que os conteúdos da grade curricular sejam iniciados com base na realidade local.
A partir dos estudos de realidade, muitos projetos foram introduzidos, contribuindo, assim, com a qualidade de vida do povo da região. Projetos ligados a organização da juventude, saúde da mulher, organização comunitária, criação de galinhas, horta comunitária, manejo do rebanho, manejo da caatinga e muitos outros, hoje com grandes possibilidades de implementação de uma cooperativa de beneficiamento de produtos locais, tendo como ponto forte o umbu.
Ao longo desses anos, a trama sempre era montada em busca de benefícios diversos, tanto que a própria escolha do local de construção da escola foi ponto preponderante para atrair diversos benefícios para as comunidades, como a energia elétrica, água encanada, beneficiamento dos acessos comunitários, serviços ligados ao transporte estudantil, empregos no município, além de uma maior atenção por parte das instituições dos governos estadual e municipal no que diz respeito a capacitações e cursos de formações.
Uma grande preocupação da ERUM sempre foi trabalhar a questão do êxodo rural e formação de lideranças, discutindo possibilidades e potencialidades da região. Essas reflexões possibilitam um novo olhar sobre a área rural e, ao mesmo tempo, mostram a importância da implementação de novas tecnologias para o desenvolvimento local.
A ERUM sempre valorizou a cultura local e, por isso, introduz novos elementos, como as manifestações culturais, a exemplo do São Gonçalo, Corrida de Argolinha, Reizado, Dança da Jiboia, Espera de Jegue, entre outras, que são tratadas como conteúdos e conhecimentos atrelados aos blocos temáticos trabalhados no cotidiano da Escola e vivenciados nas comunidades. Da mesma forma trabalha modalidades desportivas universais, tanto é que o Atletismo e o Handebol são bem absorvidos pelos alunos e são referências para o município, devido às participações exitosas da ERUM em eventos esportivos oficiais em âmbito local e estadual.
A partir das modificações que surgem no território, aos poucos, os pais e alunos vão compreendendo o processo de modernização social e de mercado. Para a ex-aluna Marília Cíntia, da comunidade de Canoa, ao discutir essas modificações no seu lugar, diz que o meio social nem liberta e nem escraviza, as pessoas é que têm que se adaptar ao novo. Já Cosme Neres e Eduardo Nunes, também hoje ex-alunos, dizem que o mundo que eles veem é como ¬uma estrada, e nesta estrada tem vários caminhos, e cada pessoa tem o dever de escolher o caminho que vai seguir.
Para o professor e fundador da Escola, Antônio Martins, a experiência da ERUM é algo inusitado. Ele afirma que passou a compreender e a respeitar os sujeitos do processo educacional, com seus jeitos e modos, sem impor um conhecimento adquirido na Academia, mas aliado aos conhecimentos científico, filosófico e popular, no sentido de construir ou fazer emergir saberes.
Atrelado a isso, fica visível, quando Cosme, da comunidade de Caldeirão do Tibério, ex-aluno, diz que dentro da Escola os alunos vão perdendo a vergonha de falar e aprendem os conhecimentos de como viver melhor na terra em que nasceram. Isaias, da comunidade de Curral/Novo Jacaré, também ex-aluno, complementa que na ERUM aprendeu a arrumar outras maneiras de agir diante dos problemas
A professora da Educação de Jovens e Adultos (EJA), Waldete Pereira do Nascimento, ex-aluna da primeira turma, hoje parceira da ERUM, diz que o tempo que passou na ERUM foi como ter vivido a metade de sua vida, pois através da escola conseguiu se desenvolver, ficou a par de muita coisa real, um exemplo é a questão da chuva, que sempre pensou ser Deus quem a mandava.Nesse mesmo sentido, Isaias Flávio da Silva, aluno da primeira turma, em 1998, diz que as pessoas do lugar sempre tiveram muita fé em Deus e acreditavam que Deus iria melhorar a situação de seca no Sertão nordestino. Mas, ele acreditava que o que era preciso era organização para enfrentar este problema, fazendo muitas aguadas. O que precisavam era aprender a conviver com a seca e não trabalhar para acabar com ela, porque todo ano a seca acontece e que não é novidade para a região do Semiárido.
Para o ex-professor e fundador da ERUM, Edmerson dos Santos Reis, hoje professor da Universidade Estadual da Bahia (UNEB/Juazeiro), doutorando em Educação, diz que a ERUM foi, e continua sendo, uma grande escola de formação. As vivências, as trocas, as aprendizagens, os embates, as perdas, os ganhos, as mais fraternas relações foram significativas, tanto nos momentos em que por lá esteve como aprendiz e professor, quanto como pessoa, afirmando que ali de fato viveu uma experiência educativa.