Vazanteiros realizam autodemarcação de seu território

Comunidades Vazanteiras do São Francisco denunciam omissão do poder público na garantia dos direitos do Rio e de seus povos e iniciam a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Pau Preto
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Na manhã de domingo (24/07), os vazanteiros dos municípios de Matias Cardoso, Manga e Itacarambí, deram início a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Pau Preto, no município de Matias Cardoso. A comunidade argumenta que “o Rio São Francisco, suas lagoas, matas e ilhas, estão expostos à situação de extrema degradação, vitima da inoperância do poder público que não tem garantido a proteção das águas, nem a proteção dos direitos das comunidades ribeirinhas”, afirmam em manifesto distribuído na manhã do domingo. A criação da Reserva está sendo feita através do processo de auto-demarcação, onde a comunidade, ciente do limite de seu território tradicional, delimita e explicita a sua propriedade.

O grupo intitulado Vazanteiros em Movimento adverte que iniciam a ação no território da Ilha do Pau Preto, e darão sequência demarcando outras porções da vazante do São Francisco. “Vamos continuar, à nossa maneira, fazendo a proteção do rio. Vamos cuidar do rio, de suas lagoas, margens e ilhas, que são também o nosso território. Vamos cuidar da nossa maneira. E daqui não vamos sair”, explicita.

No dia 27 de maio de 2006, os vazanteiros lançaram a CARTA-MANIFESTO DAS MULHERES E HOMENS VAZANTEIROS: Povos das “águas e das terras crescentes”. No documento lançaram o primeiro alerta sobre a degradação social e ambiental que vinha sofrendo o rio e seus povos. A carta foi enviada ao então Presidente Lula, a todos os governadores dos estados onde o rio São Francisco percorre. “E até hoje a resposta que tivemos foi o silêncio”,  afirmam no manifesto. Desde então, deram sequência a uma série de manifestações políticas, que envolveram instâncias e autarquias estaduais como governo do Estado de Minas Gerais, Instituto Estadual de Florestas e Incra/MG e Secretaria do Patrimônio da União na esfera federal, dentre outros.

Os vazanteiros afirmam que conhecem os direitos que têm e vão lutar por eles. “Sabemos de nossos direitos, conferidos pela Convenção 169 da OIT, pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988 e artigo 68 do ADCT, pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação, pelo Decreto Federal 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que regulamenta a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais”, citam.

A Comissão Pastoral da Terra – CPT e o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA-NM já se deslocaram para o local a fim de manifestarem solidariedade e apoiarem os vazanteiros na luta em curso.

Abaixo, segue carta em que os vazanteiros denunciam a situação deles:
 
Ontem, domingo, 24 de julho, 105 famílias de três comunidades vazanteiras dos municípios de Matias Cardoso e Manga retomaram a ex sede da Fazenda Catelda. O propósito da retomada foi o  de darem início a autodemarcação de seus territórios tradicionais. Segundo D. Helena, da comunidade de Pau Preto, o gesto da ação iniciada no domingo pelo “Vazanteiros em Movimento: Povos das Águas e das Terras Crescentes” tem o objetivo principal de “zelar do que é nosso”. Ela aponta para as proximidades e diz que foi ali que ela viveu sua infância, terra dos avós, antes de perderem o direito de lá, e ficarem vivendo com a chegada das fazendas demarcadas pela Ruralminas. E ela é bem enfática com suas palavras: nós fomos obrigados a retomar nossa área começando pela Sede, pois estava tudo sendo distiorado. E ela aponta para o absurdo de fazerem uma criação de porcos em uma das casas da sede da fazenda, aponta para as casas cujas portas e janelas foram roubadas, pelo mato tomando conta até dos telhados.

E o movimento dos Vazanteiros mostrou que não veio para ficar parado. A primeira ação foi a de dar inicio à limpeza das cercas, do quintal e de uma das dez casas que estava abandonada. Dividiram-se depois em comissões: limpeza, alimentação, segurança, e a de negociação.

Leninha, liderança do Quilombo da Lapinha que integra a Comissão de Negociação, diz que esta comissão é a linha de frente para cuidar do interesse do movimento, resumindo as propostas que possuem para dar início ao poder público – IEF, Incra/MG e SPU:

– Reconhecimento e regularização pelo Governo de Minas Gerais da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Pau Preto que fica no entorno do Parque Estadual Verde Grande, município de Matias Cardoso;
– Reconhecimento e regularização da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Pau de Légua que fica no entorno do Parque Estadual da Mata Seca, município de Manga;
– Destinação das áreas da União do Rio São Francisco para as comunidades vazanteiras do São Francisco com o objetivo de possibilitar a ordenação e uso racional e sustentável dos recursos naturais mediante a outorga de Termo de Autorização de Uso Sustentável – TAUS, a ser conferido pela SPU de acordo com a Portaria 89 de 15 de abril de 2010;
– Realização pelo INCRA MG do RTID – Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território do Quilombo da Lapinha, município de Matias Cardoso;
– Destinação pelo IEF da Sede da Fazenda Casagrande para o Quilombo da Lapinha, reconhecendo o desrespeito realizado pelo órgão ao adquirir esta propriedade que estava em conflito com a comunidade e com uma ação na justiça

No final do dia, depois de receberem a “visita” de policiais da PM que lavrou o Boletim de Ocorrência, fizeram uma avaliação do primeiro dia da retomada e planejaram as próximas etapas. José Alagoano, liderança vazanteira de Pau Preto fala do que planejam fazer e dos apoios que estão recebendo: Na segunda feira vamos fazer uma oficina de formação aqui. Vamos aprender como fazer a autodemarcação usando o GPS com os técnicos do CAA. Já temos a CPT nos apoiando aqui na nossa organização, além de fazermos parte da Articulação Popular do São Francisco. O Braulino da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais esteve com a gente trazendo apoio à nossa luta. Na semana passada fizemos um trabalho com professores e estudantes da UFV com estudos das plantas, nós queremos tirar o sustento daqui, mas preservando também. Já temos o apoio da UniMontes que está estudando a nossa história, o nosso jeito de viver. Eles vão chegar aqui na terça e quarta-feira, de barco, estão descendo de barco desde Pirapora. Até do Rio de Janeiro e de Salvador estamos tendo apoio. Da Cese, da Fase, além dos repórteres do Observatório das Favelas que estão aqui filmando, fotografando, divulgando a nossa luta.

Com toda esta animação, o primeiro dia da retomada foi finalizado com uma oração e depois um jantar onde grupos de batuque e de sanfona festejaram com eles a esperança de dias melhores. Natalino, liderança da comunidade Ilha Pau de Légua é que fala. Antigamente nós éramos um L. Hoje já temos mais uma perna formando o U. Nós não vamos ficar parados, saindo daqui vamos para Pau de Légua, depois vamos para o Quilombo da Lapinha. Vamos movimentando. Como o rio, todo mundo junto, homem, mulher, até criança de colo está aqui com a gente. Vamos seguir lutando.

Matias Cardoso, aos 25 de julho de 2011.

Assinam esta carta: VAZANTEIROS EM MOVIMENTO: POVOS DAS ÁGUAS E DAS TERRAS CRESCENTES

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