A gente não quer só comida
O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo. Esta frase é mais do que conhecida e, por mais que tenha gravidade, não conseguimos ainda descer nenhuma posição no ranking dos maiores consumidores de agrotóxicos. Devido a todo o processo que envolve essa primeira posição no ranking de consumo de agrotóxicos, que vai desde o incentivo fiscal aos produtos à falta de informação, milhares de pessoas foram às ruas em todo o país nesse dia 3 de dezembro, convocadas pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida para reivindicar um direito que deveria ser garantido pelo Estado: uma vida mais saudável. “É uma data em que a gente relembra e faz um apanhado histórico de todos os casos envolvendo o agrotóxico e todas as violações que já foram sofridas. Uma data que serve para debater e trazer à tona como o problema do agrotóxico vem sendo tratado. É para relembrar e fortalecer a luta”, explicou uma das coordenadoras da Campanha, Fran Castro.
Entre as principais pautas estavam o fim da pulverização aérea – que contamina plantas, solo e comunidades no entorno -; a proibição de agrotóxicos que já estão proibidos em diversos países, como o Abamectina, Acefato e Tiram; a questão das isenções de impostos, que, segundo dados da Campanha, os agrotóxicos já acumulam 60% de isenção do ICMS, além de 100% de isenção do IPI, PIS/PASEP e COFINS. “A Campanha traz para as ruas alguns pontos que envolvem, principalmente, o posicionamento do Estado brasileiro. O caso da liberação da pulverização aérea é emblemático da responsabilidade que o governo não quer assumir. É importante relembrar os casos recentes como o de Rio Verde , em Goiás, e Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, onde diversas pessoas, entre elas crianças, foram envenenadas com a pulverização”, lembrou Fran, que completou: “Além disso, queremos ainda trazer à tona os casos que impactam a saúde como os relatos de câncer nas populações expostas constantemente”, destacou.
Durante a manifestação na cidade do Rio de Janeiro, o coordenador de comunicação da Campanha, Alan Tygel, lembrou ainda da grande pressão que o negócio do agrotóxico faz e nos danos causados por conta do lucro. “O agronegócio se baseia em grandes extensões de terra e o Brasil é o país com a maior desigualdade de acesso a terra. Apenas 1% dos proprietários de terras brasileiros concentra quase a metade das terras agricultadas. Lutar por uma vida sem agrotóxico é também lutar pela reforma agrária”, lembrou. Somente no último ano, o mercado de agrotóxicos movimentou aproximadamente US$11,5 bilhões.
O professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Alexandre Pessoa, que proferiu uma aula pública durante a manifestação no Rio de Janeiro, afirmou que esse debate vai além dos ambientalistas e que também deve ser encarado pelos trabalhadores da saúde. “Quando uma pessoa é contaminada no seu trabalho, sua casa ou quando come um alimento envenenado, o problema acaba parando nas unidades de saúde. Precisamos entender que esse é um problema de todos nós. Temos que pressionar o governo para que pare com este modelo danoso à saúde e à vida, e lutar pelo fortalecimento da agricultura agroecológica e orgânica”, ressaltou.
O professor lembrou ainda que o modelo do agronegócio, que utiliza grandes extensões de terras para plantar uma mesma espécie de produtos, impacta o ambiente natural próximo. “Um tipo de agricultura como essa mata, adoece, provoca êxodo rural. E tanto dano serve para que? Para exportar ração de animais”, questionou Alexandre, que completou: “A Amazônia sofre com o avanço do boi pirata, da soja, desse modelo químico-dependente. Ele não dá certo em nenhum lugar do mundo. Por que ainda permitimos certos agrotóxicos aqui no Brasil, por exemplo? A saúde do europeu é mais importante do que a nossa?”, indagou o professor.
De que lado?
Mesmo com esse cenário desanimador, depois de muita pressão dos movimentos sociais, algumas iniciativas estão sendo tocadas por parte do Governo Federal. Entre elas estão a Política Nacional de Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica , sancionada em 2012, e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) , sancionado há um ano, o Programa EcoForte, a Assistência Técnica e Extensão Rural com enfoque agroecológico e o apoio aos Núcleos de Agroecologia nas Universidades e Institutos Técnicos Federais . “A gente faz um balanço de um ano e vê algumas conquistas, como a do fortalecimento de recursos para a transição agroecológica e temos, por exemplo, a assistência técnica dentro da proposta de agroecologia, que estava prevista na política, mas temos a clareza que isso não dá conta. Temos que pressionar para que o governo assuma uma posição política e mostre, de fato, de que lado ele está”, avaliou Fran, que completou: “É um espaço bem contraditório porque estamos com uma liberação de transgênico e de agrotóxicos ao mesmo tempo em que estamos com um Plano como este. Reconhecemos que ele ajuda a pautar e pressionar o Estado para algumas mudanças. Sabemos que o poder público é um espaço sempre de disputa e que há algumas pessoas dentro dos ministérios que estão comprometidos com a pauta da agroecologia, que tem ajudado os movimentos sociais e contribuído para fazer este enfrentamento”.
Durante o evento de balanço do primeiro ano do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que aconteceu nessa última semana, em Brasília, o vice-presidente da ABA-Agroecologia e coordenador executivo da AS-PTA, Paulo Petersen informou, como publicou o site do Articulação Nacional de Agroecologia, que é preciso fazer um novo pacto de governabilidade. “As forças sociais que foram às ruas e asseguraram a vitória eleitoral de Dilma trabalham com a expectativa de permanecerem aliadas ao governo na luta por uma agenda progressista. Esperamos que a presidente coloque em prática o diálogo permanente com os movimentos sociais tal como anunciou no discurso da vitória. O governo precisa estar à altura dos desafios desse novo período histórico. Isso significa retomar o tripé que historicamente embasou a estratégia do PT: ação institucional, mobilização social e revolução cultural. O Planapo é um experimento embrionário na primeira perna desse tripé. Mas ele precisa se desdobrar nas outras duas pernas para que a ação institucional progressista não seja reduzida aos limitados espaços de negociação a frio que o governo vem fazendo no Congresso Nacional”, avaliou Paulo.
Os episódios recentes sobre quem assumiria o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) fazem parte desta definição da qual Paulo pede um posicionamento e também foram motivos de protestos durante essa data comemorativa. A senadora Katia Abreu (PMDB/TO), que faz parte da chamada Bancada Ruralista, ao lado de figuras como Ronaldo Caiado (DEM/GO) e Luis Carlos Heinze (PP/RS), é um dos nomes apontados para assumir o Mapa. Vale lembrar que grandes nomes da bancada ruralista, de acordo com a Campanha, foram eleitos com financiamento de campanha de grandes grupos do agronegócio como as JBS, BRF e Marfrig. Após o resultado das últimas eleições, essa bancada declarou ter 51% do Congresso Federal, considerado o mais conservador desde 1964. “A nível nacional a gente acha que pouca coisa vai mudar porque atualmente quem coordena o Mapa é a bancada ruralista, mas a Kátia assume historicamente o papel de porta-voz do agronegócio. Então, a gente vê um cenário de mais pressão da bancada ruralista por parte dos órgãos de fiscalização e monitoramento, principalmente, os relacionados à saúde e ao meio ambiente; e um aumento na flexibilização da liberação dos agrotóxicos pode aumentar também”, pondera a coordenadora da Campanha.
Sobre dia 3 de dezembro
Durante a madrugada do dia 3 de dezembro de 1984, em Bophal, na Índia, em uma fábrica de praguicida, houve um vazamento de cerca de 40 toneladas dos gases tóxicos como metil isocianato e hidrocianeto, o que causou a intoxicação de 30 mil pessoas. Na ocasião, morreram oito mil pessoas e a estimativa é de que 150 mil pessoas sofrem de doenças crônico-degenerativas causadas por esse acidente. O desastre químico foi considerado o pior da história e a data foi estabelecida pela Pesticide Action Network (PAN) como o Dia Internacional do Não Uso de Agrotóxicos. Atualmente, essa antiga fábrica pertence ao grupo DowChemical, uma das maiores empresas de agrotóxico do mundo.