Ação capta água da chuva no semi-árido
O Brasil pode até concentrar 12% da água doce e líquida do mundo, mas não há fartura de recurso natural que resista à atividade humana degradante. No semi-árido mineiro, nos locais onde o desmatamento deu lugar a pastagens e plantações, a terra ficou seca e infértil.
Mas a implantação de um projeto de captação de água da chuva trouxe a esperança de reduzir o sofrimento e pobreza de agricultores de subsistência. Há dez anos, a Embrapa Milho e Sorgo, de Sete Lagoas, criou um sistema de barragens de contenção de enxurrada.
Ele impede a erosão do solo e o assoreamento de córregos e rios, além de evitar enchentes. A água é captada por pequenas barragens e depois absorvida pelo solo, fenômeno que pode se repetir várias vezes no ciclo das chuvas, abastecendo os lençóis freáticos.
Nas regiões semi-áridas como o Noroeste de Minas, Norte e Vale do Jequitinhonha, as pequenas barragens aumentaram a perenidade de córregos e rios. O terreno úmido favorece o plantio do milho, arroz, feijão, soja e sorgo, culturas que passam a resistir aos períodos da estiagem.
O projeto ganhou reconhecimento nacional e começou a ser implantado no ano passado no Piauí, um dos Estados mais pobres do Nordeste (ver texto abaixo).
De acordo com o responsável por desenvolver o projeto de Captação de Águas Superficiais de Chuvas da Embrapa, Luciano Cordoval, a iniciativa precisa de uma tecnologia de baixo custo e é considerada, segundo ele, uma necessidade social.
A construção de cada mini-açude tem um custo médio de R$ 160, gastos no aluguel do trator. As barragens possuem entre 16 m e 20 m de diâmetro, sendo 1,5 m a 2 m de profundidade. As barraginhas são cavadas geralmente em sequência, obedecendo os locais por onde correm as enxurradas.
Demanda
Em Minas Gerais já foram feitas cerca de 80 mil barraginhas em 300 municípios, mas a demanda ainda é grande. Os municípios que aderem ao programa normalmente bancam o aluguel das máquinas para atender às famílias carentes, sempre com o suporte técnico inicial da Embrapa.
Na região do Vale do Urucuia (no Noroeste), um convênio assinado no ano passado entre oito municípios e a Fundação Banco do Brasil garantiu a construção de 2.500 mini-açudes.
Segundo a presidente da Agência de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Vale do Rio Urucuia, Irene Gomes Guedes, os resultados já são evidentes, como o ressurgimento de nascentes.
Mas seria preciso instalar pelo menos mais 3.500. O simples acesso à água de melhor qualidade, diz o engenheiro agrônomo, estimula uma reação em cadeia.
“Algumas cidades dispensaram o abastecimento por meio de caminhões-pipa e aquela imagem da mulher carregando lata d”água na cabeça também não é vista em muitas comunidades”, afirma Cordoval.
Minas Novas foi um dos municípios onde as barraginhas apresentam os melhores resultados. Os lençóis freáticos da região são rasos e a água aflora com mais facilidade. Animais antes desaparecidos voltaram a ser vistos.
“As barraginhas se tornaram uma espécie de pequenos oásis, atraindo juritis, sabiás, capivaras e abelhas”, diz o agrônomo.
Segundo ele, as condições financeiras das famílias que se beneficiam das barraginhas melhoram em função do aumento da colheita. O excedente da produção, conta, gera mais renda e movimenta o comércio. Para Cordoval, até mesmo quem não adere ao projeto pode sair lucrando.
Em Minas Novas, conta, a maior floração das árvores e plantas devido à maior disponibilidade de água no solo refletiu diretamente na produção de mel das abelhas. Na área da saúde, afirma, as pessoas adoecem menos, os médicos ficam menos sobrecarregados e os leitos hospitalares são liberados.
“É uma solução simples, clara, óbvia, que reflete em muitos lugares.”
Para Cordoval, o “renascimento” da flora e da fauna nas regiões do entorno das barraginhas serve ainda para sensibilizar os agricultores quanto à influência da atividade humana sobre o meio ambiente. “Quando o bicho reaparece, eles passam a ter uma nova visão do mundo.”