Garantia de vida em cenário de desolação
Por volta das 16h do dia 19 de dezembro de 2012, uma quarta-feira, o sol ainda queimava o que já havia queimado na vegetação do município de Flores, no Sertão do Pajeú, distante 394 quilômetros do Recife. No Sítio São Bento, Sebastião de Sousa Diniz, 36 anos, e o pai, Nilton Neves Diniz, 70, alimentavam as 36 cabeças de gado e as 30 ovelhas de sua propriedade com um dos sacos de forragem que começaram a armazenar há mais de um ano. Não fosse a técnica aprendida, que permite manter o alimento em excelentes condições por até cinco anos, o cenário daquele celeiro, de vida e esperança, seria de morte. A mesma vista na beira da estrada que liga a zona urbana à zona rural da cidade, onde dezenas de esqueletos de animais entristeciam o caminho.
Como Seu Nino e Dona Josefa, de Carnaíba, cujas histórias foram contadas na edição de ontem do Diario de Pernambuco, Sebastião e Nilton também são produtores rurais que acreditam no trabalho e, não fossem as orientações que receberam da ONG Centro Sabiá, teriam perdido todo o rebanho. “Ovelhas, não perdemos nenhuma este ano. Das cabeças de gado, perdemos só quatro. A maioria dos produtores daqui estão libertando seu rebanho porteira afora para que os bichos sigam seu destino, porque eles não têm como alimentá-los. Seria bom que os outros produtores tivessem acesso às informações que eu tive”, disse o mais novo.
As informações a que Sebastião se referiu diz respeito a algumas técnicas de convivência com o Semiárido. Em especial o armazenamento de forragem. No ano passado, pai e filho ainda não sabiam que era possível aproveitar a época de chuva e guardar o alimento do rebanho por tanto tempo. Aprenderam. Escavaram um buraco no chão (silo), jogaram dentro capim, cana de açúcar, milho e sorgo ensilados, pilaram o conteúdo para que ficassem compactados, evitando a entrada de ar, cobriram com terra e, em seguida, com uma lona. A seca chegou e as forragens, que também servem como complemento alimentar de qualidade, vem salvando o rebanho, Sebastião, Seu Nilton e toda a família.
Para construir um silo com capacidade para 1,5 mil quilos do alimento (o mais comum), é necessário um investimento de R$ 140. Geralmente a orientação dada é a de que o produtor construa quantos silos forem necessários, dependendo do número de animais que produz. Cada animal grande consome, em média, 5 quilos por dia. “O objetivo do armazenamento é fazer com que o produtor tenha complemento alimentar de qualidade para o rebanho e alimento de emergência para períodos de seca”, informou o técnico do Centro Sabiá, Lucimário Almeida dos Santos.
Em Flores existem 22 produtores que já se beneficiam da técnica. Todos com o apoio da ONG. “Nós, que trabalhamos diariamente com esses produtores, percebemos que falta repasse de informações sobre tecnologias que garantam a produção independentemente da época. Se as prefeituras também difundissem essas tecnologias existentes, a maioria simples, estariam ajudando a capacitar produtores, preservar o meio ambiente e garantir qualidade de vida para os sertanejos e suas famílias”, observou Lucimário.
Ação do poder público ainda é tímida
A experiência bem sucedida de seu Nino e Dona Josefa não é regra geral na sertaneja Carnaíba. Nem nos muitos municípios que compõem o Semiárido brasileiro. São poucas as iniciativas que garantem a multiplicação das técnicas de convivência com períodos de estiagem, embora sejam inúmeras as tecnologias que permitam isso. Se multiplicadas, essas tecnologias permitirão produção, renda e qualidade de vida nas terras esturricadas do Sertão. Chova ou faça sol.
Em Carnaíba, organizações sociais e não governamentais, em parceria com organismos internacionais e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), repassam aos produtores técnicas para segurança alimentar e hídrica e prestam asssitência técnica e financeira. A prefeitura, por sua vez, dá seus primeiros passos, e tenta o diálogo com a sociedade por meio de ações pontuais: produção e distribuição de mudas em um terreno de 45 hectares, localizado na comunidade de Barreiro de Fabiano, construção de barreiros e perfuração de poços artesianos e amazonas.
O ex-prefeito Anchieta Patriota (PSB) garante que, durante seu governo, a prefeitura também comprou a produção agropecuária de Carnaíba para uso na merenda escolar das escolas da rede municipal. Ele disse ainda que no terreno citado, um técnico agrícola e um engenheiro agrônomo ficam à disposição dos produtores para orientações agroecológicas. “Temos algumas dificuldades, e entre elas está o acesso a crédito em alguns bancos para fazermos mais”, destacou.
O socialista citou como um dos maiores desafios da gestão pública municipal a manutenção do jovem no campo. “A rejeição que os jovens sertanejos vêm tendo para a atividade agropecuária, que é árdua, dificulta o crescimento dessa atividade na região semiárida. Há novas opções de emprego para eles, e isso torna ainda maior o nosso desafio”, disse.
Sugestões
Segundo o assessor político-pedagógico da Diaconia em Afogados da Ingazeira, Adilson Alves, a gestão passada fez muito pela educação e pela saúde, mas pecou no quesito agricultura e pecuária. “O terreno para produção de mudas não deixa de ser um indício de que a prefeitura despertou para a necessidade de reeducar o agricultor em sua convivência com o Semiárido, mas ainda é pouco. Esperamos que o espaço seja melhor utilizado pelo atual prefeito e que ele faça com a Secretaria de Agricultura o que seu antecessor fez com as demais secretarias do município”, concluiu.
Leia as demais reportagens da série:
O verde que resiste à seca(06.01)