O verde que resiste à seca
Terça-feira, 18 de dezembro do ano passado. Às 5h30, a equipe de reportagem do Diario de Pernambuco saía do Recife rumo ao Sertão pernambucano. Na pauta, nada de terra seca, rebanhos perdidos, fome, tristeza ou morte. Apesar de a região viver a maior estiagem dos últimos 40 anos, repórter, fotógrafo e motorista percorreram 2.070 quilômetros em busca de pequenos produtores rurais que, contrariando a seca, uma realidade desalentadora e pouco ou nenhum apoio do poder público municipal, adquiriram técnicas de produção, tiveram educação agroecológica, assistência técnica e transformaram seus quinhões de terra em pequenos oásis sertanejos. Todos os homens e mulheres que, mesmo sem chuva, fazem brotar do chão antes árido o fruto de sua sobrevivência, e do rosto, sorrisos que iluminam tanto quanto o sol de todo dia.
A primeira parada foi no Sítio Santo Antônio, zona rural de Carnaíba, município localizado no Sertão do Pajeú, a 400 quilômetros do Recife. A impressão que se tem ao se dirigir ao local é a de que os galhos secos que ladeiam a estrada de terra cinzenta não permitiriam jamais vida naquele destino. Mas Ednaldo Rodrigues Nascimento, 44 anos, e Josefa de Cássia Rodrigues, 40, aguardavam a equipe com expressão de alegria. Afinal, iriam mostrar a proeza de fazer brotar o verde de um pedaço de chão no Semiárido. O casal de agicultores comemorava 23 anos de casamento. Não com festas e convidados. Mas de uma forma que, segundo eles, é o segredo da felicidade em mais de duas décadas: arando, juntos, a terra umedecida pela água das chuvas que caíram há mais de um ano e foi armazenada nas duas cisternas de 52 mil e 16 mil litros que construíram na propriedade.
Num terreno de 1,5 hectare, Ednaldo e Josefa tinham para colher coentro, alface, couve, espinafre, rúcula, cebolinha e salsa. Em tempos mais “molhados”, acrescentam ao cardápio cenoura, beterraba, cebola e algumas espécies frutíferas (goiaba, acerola, caju e manga, por exemplo). Das oito horas de trabalho diário, cinco são na roça. Uma média de vinte canteiros são plantados por mês. Só de coentro tem sido colhidos cerca de 1,5 mil molhos por semana. Uma rotina aparentemente incompatível com a maior seca dos últimos tempos. Além de alimentar toda a família, formada por mais cinco filhos, a produção de Ednaldo, mais conhecido por Seu Nino, também vai parar duas vezes por semana nas feiras agroecológicas de Afogados da Ingazeira, a 27 quilômetros de Carnaíba, e de Tabira, a 191 quilômetros.
“Mantenho a minha horta com água de poço amazonas, que eu mesmo construí. Utilizo a água pra irrigar os canteiros, para os animais e para todo o consumo necessário. Foi um investimento meio alto pra nossa condição aqui, mas tem retorno. No mais novo (poço),que está com 20 dias (à época), já investi em torno de R$ 3 mil. E esse dinheiro foi todo tirado daqui de dentro, de nossa horta, do nosso trabalho”, afirmou, orgulhoso.
Além de armazenar e utilizar de forma equilibrada a água, Seu Nino também aprendeu técnicas de aragem e irrigação e a produzir e utilizar defensivos e adubos orgânicos. Em sua propridade foi construído, com a orientação da ONG Diaconia, um minhocário. Trata-se de um sistema de produção de adubo orgânico que consiste na construção de uma cisterna de cimento que deve ser preenchida com esterco animal. Em seguida são adicionadas minhocas. Estas se reproduzem e transformam o esterco em humus, que garante a qualidade de vida e a alegria daquela família.
Saiba mais: Convivência com o Semiárido
Ações da Ong Diaconia
•Construção de cisternas calçadão e de telhado, barragens subterrâneas, tanques de pedra, minhocários, silos e biodigestores
•Orientação agroecológica para agricultores, criadores de pequenos animais e apicultores
•Inserção dos produtores nos espaços políticos e econômicos
Ações do poder municipal
•Construção dos sistemas de abastecimento de água dos povoado de Roça de Dentro, Lagoa do Caroá, Serra Branca e Novo Pernambuco, dos Sítios Caiçara de Ibitiranga, Itã dos Leites, Alto dos Cachetes, Barreiros e Sítio Cabelo
•Perfuração de poços artesianos nas comunidades Matinha, Santo Antônio, Lagoa da Jurema, Serrinha, Curral Velho, Caiçara, Barreiros, Rodeador, Lagoa dos Campos, Goes, Travessão, Alto da Lagoa, Travessão do Caroá e Serra Branca
•Construção de poços amazonas para atender o projeto Água para plantar
•nas Comunidades Riacho do Peixe (24 poços) e Sítio Saco dos Queiroz (4 poços)
•Construção de 50 barragens de médio porte
•Construção de 550 barreiros de pequeno porte em propriedades de pequenos agricultores
•Implantação do centro experimental de mudas
Reivindicações de técnicos, Ongs e produtores
•Mais recursos para a Secretaria Municipal de Agricultura
•Orientação para preservação das fontes de água mineral
•(Carnaíba é a maior produtora de água mineral do Pajeú)
•Mais técnicos para orientação agroecológica nas propriedades
•Melhor utilização da fazenda-escola
•Difusão das tecnologias existentes para convivência com Semiárido
* O novo prefeito não encaminhou o plano de ação para a convivência com a seca.
Ação do poder público ainda é tímida
A experiência bem sucedida de seu Nino e Dona Josefa não é regra geral na sertaneja Carnaíba. Nem nos muitos municípios que compõem o Semiárido brasileiro. São poucas as iniciativas que garantem a multiplicação das técnicas de convivência com períodos de estiagem, embora sejam inúmeras as tecnologias que permitam isso. Se multiplicadas, essas tecnologias permitirão produção, renda e qualidade de vida nas terras esturricadas do Sertão. Chova ou faça sol.
Em Carnaíba, organizações sociais e não governamentais, em parceria com organismos internacionais e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), repassam aos produtores técnicas para segurança alimentar e hídrica e prestam asssitência técnica e financeira. A prefeitura, por sua vez, dá seus primeiros passos, e tenta o diálogo com a sociedade por meio de ações pontuais: produção e distribuição de mudas em um terreno de 45 hectares, localizado na comunidade de Barreiro de Fabiano, construção de barreiros e perfuração de poços artesianos e amazonas.
O ex-prefeito Anchieta Patriota (PSB) garante que, durante seu governo, a prefeitura também comprou a produção agropecuária de Carnaíba para uso na merenda escolar das escolas da rede municipal. Ele disse ainda que no terreno citado, um técnico agrícola e um engenheiro agrônomo ficam à disposição dos produtores para orientações agroecológicas. “Temos algumas dificuldades, e entre elas está o acesso a crédito em alguns bancos para fazermos mais”, destacou.
O socialista citou como um dos maiores desafios da gestão pública municipal a manutenção do jovem no campo. “A rejeição que os jovens sertanejos vêm tendo para a atividade agropecuária, que é árdua, dificulta o crescimento dessa atividade na região semiárida. Há novas opções de emprego para eles, e isso torna ainda maior o nosso desafio”, disse.
Sugestões
Segundo o assessor político-pedagógico da Diaconia em Afogados da Ingazeira, Adilson Alves, a gestão passada fez muito pela educação e pela saúde, mas pecou no quesito agricultura e pecuária. “O terreno para produção de mudas não deixa de ser um indício de que a prefeitura despertou para a necessidade de reeducar o agricultor em sua convivência com o Semiárido, mas ainda é pouco. Esperamos que o espaço seja melhor utilizado pelo atual prefeito e que ele faça com a Secretaria de Agricultura o que seu antecessor fez com as demais secretarias do município”, concluiu.
Leia também as outras matérias da série:
Garantia de vida em cenário de desolação (07.01)