Rachel de Queiroz: semiárido literário

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“E a morna correnteza que ventava, passeava silenciosa como um sopro de morte; na terra desolada não havia sequer uma folha seca”, assim Rachel de Queiroz interpreta a seca no semiárido. Nas páginas que se seguem da bela obra O Quinze, as vidas se cruzam no campo e na cidade, anunciam as possibilidades dos (re) encontros. Deriva, então, uma narração obstinada da condição humana sertaneja num momento cinzento do semiárido, que de certa forma está presente nos enlaces e processos constituintes de um modo de vida específico, que contém sua própria poesia, sua própria concepção de mundo.

Autonomia relativa mergulhada em relações universais, mas que consegue ser um diferencial na trama global. O Quinze é um romance e, ao mesmo tempo, um manifesto. Um manifesto pela esperança anunciada, pelas superações sempre abertas da vida.

O gênero literário adotado é o romance, a história dramatiza um romance real entre dois mundos, dois corpos, que não se materializa até certo sentido, numa interação dialética nas e com as terras desoladas do Ceará.

A melodia literária canta a esperança, regozija a utopia cotidiana, demonstra que é possível o impossível tanto no campo como na cidade. Recupera com genialidade a cearensidade, a relação campo-cidade, a alma do vaqueiro, as “novidades da sensação” e a “reserva da resistência” do homem e seu lugar, as migrações sem rumo.

Os versos em prosa constroem o enredo da paisagem dos inselbergs de Quixadá, na medida em que dramatiza os “elementos” do deslumbrante cenário do Sertão Central. Hoje, no Ceará, e no Nordeste como um todo, o espectro da seca volta a desolar os sertanejos; o déficit pluviométrico e a escassez das reservas hídricas tornam, mais uma vez, o semiárido uma região hostil.

Esperamos que venham as chuvas, assim como contou Rachel, que possam banhar em festa as terras e horizontes dos moradores do Sertão. “Lá adiante, em plena estrada, o pasto se enramava, e uma pelúcia verde, verde e macia, se estendia no chão até perder de vista… O borralho cinzento do verão vestira-se todo de esperança” (Rachel de Queiroz).

Que a esperança de realização destas linhas ilumine a possibilidade real de humanização do semiárido, que está para além da abundância de água. Na contemporaneidade, políticas são implantadas, como a construção de açudes e multiplicação das cisternas, ainda assim, outras mais devem ser criadas para colaborar na construção de um novo semiárido, que reside tão-somente na realização plena do homem sertanejo.

*Geógrafo e pesquisador do Laboratório de Estudos Urbanos e da Cidade (Uece)

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