Orgânicos ainda se restringem às classes A e B
Sulista, pertencente à classe A ou B e com mais de 56 anos. Este é o perfil do brasileiro que costuma encher o carrinho do supermercado (ou a sacola da feira) com produtos orgânicos, isto é, vegetais sem agrotóxicos e carnes sem hormônios ou antibióticos. Perfil, aliás, que surge quase como uma exceção, já que 42% dos brasileiros nunca compram esses itens. Os dados são de uma pesquisa da GfK, realizada em junho deste ano, com mil entrevistados de 12 metrópoles do país – entre elas, o Recife.
A região Sul é, de longe, a que mais consome orgânicos. Nada menos que 14% dos entrevistados de lá responderam que sempre incluem tais produtos na lista de compras, percentual bem superior aos do Sudeste (8%), Norte e Centro-Oeste (7%) e Nordeste (6%). Outros 16% disseram adquirir na maior parte das vezes, contra 7%, 7% e 8% das demais regiões (respectivamente). Os índices dos que nunca levam os orgânicos para casa são, segundo a mesma ordem, de 31%,43%, 44% e 48%.
A liderança dos sulistas é fruto de uma tradição regional de produção e do nível de escolaridade mais elevado. Pelo menos, é o que aponta o coordenador da Zona da Mata do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, Alexandre Henrique Pires. Segundo ele, a colonização de italianos e alemães implantou uma forma diferente de cultivo no Sul, com mais valorização ao agroecológico. Além disso, diz, o maior acesso a informações provoca a conscientização acerca do consumo de alimentos saudáveis.
Na divisão socioeconômica, vantagem para os integrantes das camadas mais altas. Os produtos orgânicos sempre estão na mesa de 11% das classes A e B e de, apenas, 5% das C e D. Em relação aos que nunca compram, os índices são, respectivamente, de 33% e 52%. Para Pires, esse quadro reflete um mito construído em torno dos preços dos itens agroecológicos. “Eles são caros nos supermercados, mas não nas feirinhas, sobretudo no interior. Em Pernambuco, há mais de 50 delas. Muitas vezes, os orgânicos têm um preçoigual ou menor do que os não-orgânicos”, afirma
Outra constatação da pesquisa é a relação direta entre o crescimento da presença dos orgânicos e o avanço da idade. O índice dos entrevistados que nunca compram tais produtos não varia muito entre as quatro primeiras faixas etárias analisadas (18 a 24, 25 a 34, 35 a 44 e 45 a 55), ficando entre 41% e 45%. O índice cai para 37% entre as pessoas com 56 anos ou mais. Neste grupo, o percentual dos que sempre adquirem é de 16%, superior aos 4%, 6% e 10% registrados nas outras “camadas”. Para Alexandre Pires, os resultados indicam apenas a preocupação natural dos mais velhos com a saúde.
Preocupação que nem sempre surge na terceira idade. A economista Milena Prado, por exemplo, optou por uma vida mais saudável em 2001, quando tinha 34 anos. O primeiro passo foi conhecer uma feirinha de produtos agroecológicos no bairro das Graças, Zona Norte do Recife. Conheceu e gostou. Desde então, não abre mão dos orgânicos nas suas refeições. “Fiquei apaixonada não apenas pelos alimentos, mas também pelas pessoas, pelos agricultores que estão vendendo sua produção ali. Além de tudo, os itens das feiras costumam ser mais baratos até do que os não-orgânicos dos supermercados”, diz.
Sem espaço no cardápio
O consumo de produtos orgânicos em Pernambuco acompanha a tendência nordestina. Apesar da atuação da sociedade civil organizada, esses itens ainda não têm muito espaço no cardápio da população. A aposta dos agroecologistas é na continuidade do trabalho dos movimentos sociais e na recente retomada de políticas oficiais.
Segundo o coordenador do Centro Sabiá na Zona da Mata, Alexandre Henrique Pires, organizações não-governamentais e pastorais têm atuado, desde a década de 1980, no sentido de ampliar a produção e o consumo de alimentos agroecológicos. O empecilho para a conquista deste objetivo, diz, foi a desestruturação do sistema governamental de assistência técnica e extensão rural nos anos 1990.
A situação, de acordo com Pires, só voltou a melhorar em 2004, com a aprovação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. A partir de 2006, o governo estadual rearticulou o sistema que fora desestruturado na última década e que, hoje, está sob responsabilidade do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA). “Com a preocupação no campo político, a expectativa é que, em alguns anos, tenhamos um aumento na produção e no consumo de produtos orgânicos. Por enquanto, dependemos, basicamente, da agricultura familiar e dos movimentos sociais”, diz.