Desenvolvimento só com redução das desigualdades regionais

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“Não acredito só em governo. As coisas mais importantes conseguimos quando a população se mobilizou.” A afirmação é da presidente do Conselho Deliberativo do Centro Internacional Celso Furtado, Tânia Bacelar. Em entrevista ao Monitor Mercantil, a economista lembrou que o Ministério da Reforma Agrária e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) foram criados, a contragosto, no governo Fernando Henrique: “FH não fez isto porque quis. Foi pressionado pelos movimentos sociais”, frisou.

Favorável ao programa de transposição das águas do Rio São Francisco, Tânia cobra, porém, um debate mais aprofundado sobre os beneficiários da água que chegará a lugares secos do semi-árido.

“A terra e a água vão para quem? Não vejo esse debate. Quero participar dele. Há lugares que têm terra boa mas falta água. O Vale do Jaguaribe é um exemplo. Aí a questão é definir para quem vai essa água, quem são os proprietários que terão as terras valorizadas pelo abastecimento, o padrão de agricultura”, cobrou, acrescentando, porém, que agricultura familiar e agronegócio podem conviver em harmonia, se houver planejamento adequado.

Fala-se muito que o Brasil está diante de uma janela de oportunidades. Quais são elas e quais o país deveria evitar?

Olhando de fora para dentro, vejo três oportunidades para o Brasil. A primeira é o fim da era do petróleo. O que não devemos fazer: exportar petróleo bruto. Temos de ter consciência de que é o fim de uma era e o Brasil tem de usar essa oportunidade para desenvolver sua indústria. Transformar petróleo estimulando a petroquímica, a cadeia de fornecimento. Ou seja, fazer do pré-sal um instrumento de desenvolvimento industrial, com uma leitura regional.

Por quê?

Sem leitura regional continuará vindo tudo de Belo Horizonte para baixo. O Nordeste já abriu uma porta para o setor de petróleo e gás. Queremos fazer parte desse desenvolvimento industrial que as próximas décadas oferece para o Brasil, inclusive no setor naval.

A nova legislação encaminhada pelo governo ao setor atende ao seu objetivo?

Sim. Há especialistas que criticam alguns pontos, mas, no geral, a nova legislação atende.

A segunda oportunidade está na era das energias renováveis e o Brasil tem muita chance de participar como protagonista. A energia da biomassa, do etanol, energia solar, eólica. O potencial em energias limpas é enorme.

Vale lembrar que já possuímos a matriz mais diversificada do mundo. Temos tudo para ser uma referência como país organizado em torno de energia limpa. O risco é ficarmos encantados com o petróleo do pré-sal e esquecer que temos essa outra grande janela de oportunidades.

E o Nordeste tem, exatamente no semi-árido, um enorme potencial em energia eólica. No semi-árido, estão os corredores do vento. Pernambuco tem menos potencial, mas o Porto de Suape sedia a indústria de equipamentos voltada para a produção de energia eólica.

E quanto às demais oportunidades?

Todos os estudos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) sobre esse mercado constatam demanda crescente nas próximas décadas e o Brasil é um dos países que têm tudo para responder a essa demanda. Há estudos da FAO mostrando também que, à medida que o nível de renda da população cresce em países muito populosos, como Índia, China, Rússia, América Latina ou África, as pessoas tendem a comer mais proteína e fruta.

E já somos competitivos na produção de proteína e frutas. Temos terra, água, tecnologia. É uma janela importante. O que não devemos fazer: desmontar a agricultura familiar e entregar tudo à cultura patronal. Mas estamos aprendendo a conciliar os dois modelos. É um erro pensar que agricultura familiar é coisa de pobre. Dados recentes do censo agrícola demonstram que as pequenas propriedades respondem por metade da produção para abastecimento doméstico, em alguns casos 70%.

Então, se elas têm esse desempenho não são inviáveis economicamente e, além disso, cumprem papel primordial na geração de empregos e fixação do homem no campo, algo que o agronegócio não proporciona, muito pelo contrário. Os movimentos sociais estão cobertos de razão ao defenderem que o Brasil mantenha as duas estruturas funcionando e um Brasil rural com gente e não com máquinas.

Muitos se preocupam com a especialização do país na produção de commodities. Como a senhora vê esse fenômeno?

Temos realmente entraves e desafios importantes. Várias dessas oportunidades remetem ao mundo rural e à questão ambiental. Esse debate sobre a qualidade do desenvolvimento brasileiro deve estar em nossa pauta permanentemente. Estamos diante de uma oportunidade em que o país pode ser exemplo de uso desses recursos naturais de maneira sustentável ou reproduzir o novo. Podemos crescer desmatando, como foi feito até aqui, ou ser o farol para o novo desenvolvimento, do século XXI.

E quanto à indústria? Parece que, quanto mais o país cresce, mais aumentam as importações e a substituição de componentes nacionais por estrangeiros.

Esta é uma grande preocupação. No século XX fizemos um grande esforço de industrialização e hoje temos um leque bastante interessante e diversificado. Mas, nesta última etapa, não estamos bem situados. Existe o desafio do desenvolvimento tecnológico e de uma taxa de câmbio mais favorável, para não destruirmos o que foi construído, a custo social muito alto.

Mas conseguimos apostar no que eu chamo de “consumo insatisfeito” da maioria dos brasileiros. Ele gerou 5% de crescimento do PIB, moeu a maquininha de uma economia importante como a nossa. É um filão que não podemos desprezar. Bolsa Família junto com aumento do salário mínimo, junto com aumento do crédito estimulam consumo, e consumo atrai investimento. O Nordeste é isso. Essa rota precisa ser aperfeiçoada, mas não abandonada, porque deu frutos interessantes para o país.

Não há risco de excessivo endividamento das famílias?

Por enquanto não. O nível de crédito global (em relação ao PIB) ainda é baixo, próximo de 45%. Já o das famílias, para os padrões internacionais, também ainda é sustentável. Mas temos, realmente, de tomar cuidado porque somos muito carentes e os juros são os maiores do mundo.

Temos perspectiva de sair desse casamento dos juros altos com o câmbio apreciado?

Dependerá de uma ação enérgica do próximo governo. Acho que é cedo para falar de desindustrialização. Temos o desafio de participar das novas etapas da industrialização. Existem segmentos como nanotecnologia e o novo conhecimento em geral. Desindustrialização é uma leitura a partir da pauta de exportação, com maior participação de commodities. Há o debate sobre o que chamamos de indústria. Parte do setor terciário hoje é o que chamávamos de indústria. Essa discussão precisa ser mais qualificada.

Hoje existe algo, mesmo que embrionário, parecido com o Plano de Metas ou o II PND?

Não. Até porque hoje somos muito mais complexos do que na metade do século passado. Participo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado no atual governo. Produzimos um documento intitulado Bases para uma agende de desenvolvimento nacional. Há referenciais importantes. Há outras iniciativas surgindo. Pelo menos voltamos a olhar para frente, com várias propostas. Não temos a cultura de olhar para frente. As últimas décadas nos jogaram no curto prazo e voltamos a olhar estrategicamente.

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