Icid ainda não acaba por aqui

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“A Icid não termina aqui. Ela é um processo” em torno das discussões das mudanças climáticas, tema que, segundo o diretor da Icid+18, Antonio Rocha Magalhães, pode desencadear conflitos ou servir para promover a união do Planeta. A depender dos dois mil participantes, de mais de 100 países, que discutiram durante cinco dias estratégias, o momento será de união.

Prova dessa disposição está expressa na Declaração de Fortaleza. Fruto de 300 trabalhos e 72 sessões, sintetiza, em sete páginas e 22 itens, a preocupação de que algo precisa ser feito para reverter a situação. Declaração de Fortaleza coloca, pela primeira vez, o problema das regiões secas e semiáridas no centro das discussões das mudanças climáticas. O calcanhar de Aquiles é como promover o desenvolvimento sustentável nessas regiões, sem perder de vista o ser humano e a preservação do meio ambiente.

“Países do terceiro mundo são mais vítimas do que causadores do que está acontecendo ao meio ambiente”, destacou o coordenador do grupo de trabalho da Declaração de Fortaleza, John Redwood.

A versão preliminar da Declaração de Fortaleza foi lida, no começo da tarde, e discutida com os participantes, que sugeriram modificações, como a inclusão da referência às condições de trabalho e impactos econômicos nas regiões secas e a presença mais forte do legislativo nas discussões. Além disso, foi solicitado que o documento seja oficial e referendado, não apenas um protocolo de intenções.

“É uma carta simples”, disse Magalhães, lamentando a falta de compromisso das autoridades, fazendo alusão à ausência de ministros e governadores, afirmando não ser desculpa “agenda cheia”. O documento, intitulado “O semiárido em evidência”, será encaminhado para a Organização das Nações Unidas (ONU) e deve percorrer Cancun (Cop 16) e Japão, além de servir de base para a Rio+20, em 2012. (IS e LM)

O QUE ELES PENSAM 2010

Como avalia a Conferência Internacional?

Os governos poderão organizar-se melhor em suas políticas públicas para o meio ambiente e questões climáticas e pudemos atualizar conhecimentos.

Marcos Dal Fabbro

Coord. do Prog. Nac. de Combate à Desertificação

Possibilitou a união de cientistas e políticos de vários países. Por abranger vários campos de pesquisa, sob diferentes perspectivas é tão importante para o mundo.

Richard Escadafal

Dir. de pesq. do Inst. de Pesq. para o Desenvolvimento (IRD)

Gerou, consolidou e sintetizou os conhecimentos, traduzindo em recomendações para políticas públicas efetivas; possibilitou a integração de vários olhares.

Ndeye Yacine Nbour

Inst. de Pesq. Agron. / Senegal

ABASTECIMENTO

Populações difusas são o grande desafio

O Ceará é apontado como modelo no que diz respeito à gestão e fortalecimento dos recursos hídricos, como reconheceu Dalvino Troccoli Franca, diretor da Agência Nacional de Águas (Ana). O esforço, no entanto, é insuficiente para aliviar a vida das populações difusas do Semiárido, que ainda dependem da distribuição do carro-pipa.

Dos cinco milhões de pessoas inscritas no programa de cisternas, três milhões foram atendidas. “Este é o grande avanço”, festejou Dalvino Franca, embora tenha ressalvado ser pouca a quantidade de água diária por habitante, estimada em nove litros. A Organização das Nações Unidas (ONU) estipula em 20 litros diários por habitante, em casos de emergência.

Historicamente, a água no Nordeste foi moeda de troca. “Não tem água privatizada”, rebateu Dalvino Franca, justificando que, desde a Constituição de 1988, “as águas são públicas”. Esta é a base para a Ana realizar as outorgas. Reconheceu o papel do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), afirmando que “graças aos deuses” obras centenárias se sustentam até hoje. Ele aposta na sanção da Lei que garante a segurança de barragens, prevista para a próxima semana.

Destacou o trabalho para “incrementar as ações da Década da Água e da Cultura” e, agora, a da Desertificação, de 2005 a 2015, considerando importante a assinatura de convênio com o Instituto Nacional do Semiárido (Insa) e o edital de R$ 12,5 milhões do Fundo Setorial de Recursos Hídricos, parceria entra a Ana e o Ministério da Ciência e Tecnologia. “O fundo é para a efetivar ações em recursos hídricos”. Para ele, ainda preocupa 400 escolas sem água no nosso Semiárido.

VIDA NO CAMPO

Sertanejo continua enfrentando dificuldades

“A vida no sertão melhorou, mas ainda não é boa”, desabafou João Ventura dos Santos, 75 anos, natural de Ibaretama, município do sertão central que participou, ativamente, das discussões da Icid + 18. “Achei meio aburguesada e muita discussão”, afirmou quando deixava o Centro de Convenções.

“Gosto mesmo é do sertão”, disse, apesar de lamentar o ano seco, um dos principais tormentos das populações rurais do Semiárido Nordestino. “Não houve legumes e os trabalhadores estão esperando pelo seguro-safra”, disse, lamentando a situação do rebanho. “São dez rezes e a gente se apega, não quer ver morrer de fome e sede”.

A água, neste período de estiagem, constitui objeto de desejo dos sertanejos: “Os carros-pipas não resolvem. Tem sempre problema”. Estima que vai gastar R$ 5 mil para alimentar o pequeno rebanho até janeiro, preço equivalente ao valor das dez rezes: “Querem pagar R$ 300,00 ou R$ 400,00 por uma em tempo seco.”

O agricultor mostrou um discurso articulado quanto às mudanças climáticas. “Quero ver algum americano fazer uma máquina para consertar o rompimento da camada de ozônio”. Consciente, afirmou que nem todos seus amigos pensam assim e continuam a fazer queimadas, praticando a monocultura e migrando.

Juventude

Outra geração presente na Icid + 18 foi a dos jovens, representada pelo estudante de 16 anos João Pedro Gurgel, engajado na causa ambiental. Para ele, é importante ser passado para as crianças o conhecimento sobre as regiões semiáridas, que ainda é restrito, já que meio ambiente remete à Amazônia: “A educação ambiental começa cedo. Tirem seus filhos da frente do computador e da televisão e os levem aos parques porque só se defende aquilo que se conhece”.

BIOMA CAATINGA

Semiárido precisa de políticas concretas

Conscientizar a sociedade para os riscos da degradação das terras do Semiárido, território estimado em 1 milhão de quilômetros quadrados, com 23 milhões de habitantes, distribuídos em 1.133 municípios. Este é o principal objetivo do Instituto Nacional do Semiárido (Insa) que espera melhor atenção por parte das autoridades nacionais e internacionais sobre o problema do Bioma Caatinga.

“Até agora, as atenções estavam concentradas na Amazônia, que corre o risco de savanização”, lamentou Roberto Germano Costa, presidente do Insa. Destacou que a situação do Semiárido é também preocupante porque será uma das áreas mais prejudicadas com as mudanças climáticas.

O aumento da temperatura entre dois e cinco graus na região vai causar impactos tanto sociais quanto ambientais. Ele ressaltou a importância de investir em inovações tecnológicas e de traçar política específica para enfrentar as consequências do aquecimento na região, que concentra as populações mais pobres do País. “A educação é outro desafio”, destacou, chamando a atenção para as áreas degradadas. Germano Costa espera que seja feito um plano de ação capaz de enfrentar o problema, que não se resume apenas à escassez de água.

Um dos principais problemas do Bioma Caatinga é o desmatamento para a retirada de lenha como fonte energética, observou. “O Bioma Caatinga merece ser preservado assim como a Amazônia”, disse, reclamando da ausência de políticas públicas para a região. “É um patrimônio que precisa ser preservado”.

Dalvino Franca, diretor da Agência Nacional de Águas (Ana), ressaltou o acordo feito com o Insa para a implantação do Observatório do Semiárido, com sede em Campina Grande (PB), onde fica o Insa. O objetivo é sensibilizar as autoridades e a sociedade em geral sobre a situação desta região. Criticou a falta de compromisso das autoridades, lamentando que as discussões acabam ficando apenas nas atas dos encontros.

“Vamos fazer com que essas ações saiam das convenções”, reiterou. Germano defendeu a educação como ferramenta de combate à desertificação: “As crianças devem ser agentes dessa mudança”.

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