Sem água de beber no interior
A comunidade tem nome de país de primeiro mundo, mas as semelhanças com desenvolvimento param aí. No vilarejo Japão, em Capistrano, no Maciço de Baturité, todas as 73 famílias precisam de carro-pipa para ter água potável. “Não fosse o caminhão a gente morreria de sede”, resume a dona-de-casa Rosimar da Silva Freitas, 53. Ela é uma das 351.140 pessoas atendidas no Ceará pela operação Pipa, do Exército, presente hoje em comunidades de 58 municípios.
O drama se repete em quase toda a cidade. O Exército aponta que 92,46% da população é atendida por carro-pipa. O serviço em Capistrano é operado pelo 10º Depósito de Suprimentos. Segundo a unidade, são abastecidos 15.885 dos 17.180 moradores.
O vilarejo é rural e usa cisternas para acumular água da chuva na quadra invernosa e assim garantir, para o resto do ano, uma fonte potável água para beber e cozinhar. As precipitações encheram o reservatório, mas em agosto secou. “A cisterna agora está cheia, mas é por causa do caminhão”, diz dona Rosimar.
Cerca de 85% das casas de Japão têm acesso à água encanada, vinda de poços, para fins como banho e lavagem de roupa. “Mas a água do poço é salobra. Nem um animal bebe”, completa o filho de dona Rosimar, o agricultor Francisco Antônio de Freitas, 27. A família mora numa das nove residências desprovidas até da água salobra. A saída é um dos filhos andar um quilômetro para buscar água de um açude no lombo de um jumento.
Japão é um vilarejo simples. O maior luxo da comunidade é energia elétrica. A calmaria impera entre os moradores, exceto na casa do vizinho que cantarola o CD da dupla Zezé di Camargo & Luciano. A chegada do carro-pipa é um dos poucos momentos de aglomeração.
Dona Rosimar cansou de promessas. “Não tem água e ninguém dá explicação. A gente vive do Bolsa Família, mas eu fazia questão de pagar por água boa, na minha torneira”, comenta. “Os políticos vêm aqui e prometem água. Nunca fazem. Só aparecem em eleição. Isso não é papel de homem”, exclama.
Uma das cisternas usadas pela operação Pipa é da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, no Centro. O padre Francisco Eudásio também reclama. “Percebe-se claramente um dedo político, um aproveitamento em tudo isso”, sublinha.
O sacerdote, há quatro anos na cidade, ouve apelos de fiéis sobre o problema. “Sempre digo: -Água é direito legítimo e humano de vocês. Organizem-se e cobrem desses mesmos políticos-. A verdade é que sempre existe alguém se valendo da boa-fé de um pobre”.
NÚMEROS
17.180
É A POPULAÇÃO TOTAL DE CAPISTRANO.
15.885
É A POPULAÇÃO DE CAPISTRANO ATENDIDA POR CARRO-PIPA.
351.140
É O TOTAL DE PESSOAS NO CEARÁ ATENDIDAS POR CARRO-PIPA.