Experiências do Brasil para o mundo – Adriano Campolina
O agrônomo Adriano Campolina, 45 anos, começou a se envolver com o tema justiça social quando ainda era um estudante em Minas Gerais. Daqueles tempos para cá, trabalhou com assistência técnica a comunidades do interior daquele estado, agricultura familiar e reforma agrária. Depois de passar pelo cargo de coordenador executivo da ActionAid no Brasil, ONG global de combate à pobreza, agora enfrenta novo desafio: o de diretor executivo internacional da instituição. A expectativa para o novo cargo é levar um pouco da experiência brasileira nesses quesitos para o resto do mundo. “Onde você teve mais progresso no combate à pobreza no Brasil é onde houve maior sucesso na organização das pessoas, na capacidade de mobilização, de aproveitar oportunidades de política pública para transformar a situação das pessoas em situação de pobreza”, reflete.
Qual a sua maior expectativa ao assumir a direção geral da ActionAid, em Joanesburgo?
Minha maior expectativa é levar um pouco da experiência brasileira, dos avanços que a gente conquistou no Brasil e nosso trabalho nos outros 47 países onde a ActionAid atua. Trabalhamos com uma organização totalmente dedicada ao combate à pobreza e desigualdade. Entretanto, nessa busca para combater a pobreza, a gente observa que países como o Brasil tiveram um avanço muito mais significativo do que outros. O Brasil é um dos poucos países do mundo que teve redução de desigualdade, embora continue um país profundamente desigual. Houve uma pequena redução do Índice de Gini, que é um cálculo usado para medir a desigualdade social, e isso na nossa opinião tem a ver com uma conjunção de fatores, a vitalidade, a capacidade da sociedade civil brasileira. Você vê que onde houve mais progresso no combate à pobreza é onde houve maior sucesso na organização das pessoas, na capacidade de mobilização, na capacidade de aproveitar oportunidades de política pública para transformar a situação das pessoas em situação de pobreza. Um exemplo é que uma série de organizações da sociedade civil se envolveu na discussão de políticas públicas de apoio à agricultura familiar. Se criou uma política pública, chamada de Programa de Aquisição de Alimentos, em que o governo adquire de famílias de agricultores os alimentos para formação de estoque e distribuição de alimentos. Isso cria renda para o agricultor familiar mas, se não tiver capacidade de se organizar para reivindicar e correr atrás de política pública, ele não consegue. Outro exemplo é a política de acesso à água. As cisternas foram uma criação da sociedade civil, que começou a fazer cisternas a partir da capacidade de mobilização de várias organizações, sindicatos, igrejas, associações comunitárias, cooperativas, ONGs. Entraram todas juntas na articulação do semi-árido e conseguiram conquistar o Programa Um Milhão de Cisternas. Nossa aprendizagem no Brasil que quero levar para outros países é isso: como você combina a capacidade organizativa da sociedade, a capacidade da sociedade de desenvolver alternativas na comunidade e, a partir dessas alternativas, traduzi-las em reivindicações de políticas públicas. Se não for assim, não tem como combater a pobreza. Tem tanta coisa boa na lei que não é implementada. Ela só é implementada se a sociedade tiver capacidade de fazer valer os seus direitos.
Essa capacidade do brasileiro de se mobilizar por mudanças tem um marco? É uma característica nossa?
Olha, é uma característica nossa. Desde os anos 1920 começa a se organizar muito com as primeiras tentativas sindicais, que passam por um conjunto de mobilizações no final da década de 1920, de 1930, com a resistência ao Estado Novo, a resistência às várias tentativas de golpe nos anos 1950, a resistência ao golpe militar de 1964, a derrota da ditadura militar pela sociedade civil brasileira e mais recentemente os protestos. Na minha opinião, a sociedade brasileira se deve muito a iniciativas de formação, de construção comunitárias, das comunidades eclesiais de base. Temos uma sociedade que é muito organizada, que tem capacidade associativa, de reivindicação muito forte. Por exemplo, não vejo as manifestações de junho de 2013 como manifestações porque as pessoas estavam perdendo direitos, mas porque queriam mais direitos. Quase 30 milhões de famílias saíram da pobreza com o bolsa família, mas sair da pobreza só pela renda não é suficiente. Há outros elementos da pobreza que são fundamentais, como direito à saúde, educação, alimentação, ao trabalho, ao transporte de qualidade. Que bom, conseguimos um pouco de inclusão, mas queremos mais, a cidadania plena. Acho que isso é característica do brasileiro. Há uma ambição por cidadania plena no Brasil.
Diante de tanta organização, qual o maior empecilho para acabar com a miséria?
O Brasil permanece o quarto país mais desigual do mundo. Há uma desigualdade profunda. Na orla de Boa Viagem tem apartamentos que valem milhões de frente para o mar, você anda 50 metros e chega em Brasília Teimosa. Há uma disparidade de renda bárbara. Para o morador do outro quarteirão em comparação com o morador da beira da praia, o acesso que ele tem aos direitos e ao próprio estado é completamente diferente. Você tem um estado formado historicamente para servir às elites, ao grande latifundiário, à classe média alta. Então, essa desprivatização do estado, transformar o estado em um bem público que sirva de fato às maiorias é um desafio cotidiano. Você pega, por exemplo, a alocação de recursos do governo federal para a agricultura familiar, que representa 85% dos agricultores. É muito menor que a alocação de recursos para a agricultura patronal, o agronegócio, que são só 15% e que pegam a maioria do crédito. É uma proporção absurda. Isso mostra o quanto o estado serve a uma minoria ao invés de servir à maioria. A sociedade brasileira construiu instituições que perpetuam a desigualdade. Romper com isso é sempre um desafio. Por isso a gente reivindica um conjunto de ações que visam justamente universalizar os direitos. Governar é fazer escolhas, ao invés de escolher algo que beneficia uma minoria de agricultores, fazer uma escolha que beneficie a maioria. Para mim, o grande empecilho é esse. Existe uma desigualdade tão profunda que ela acaba gerando uma institucionalidade que a reproduz. Mas, ao mesmo tempo, embora haja empecilhos, os avanços também são grandes. Acho que tem conquista que não pode desmerecer. Por exemplo, você tem o Sistema Único de Saúde com todos os seus problemas, mas qual é o outro país do mundo onde você pode entrar em qualquer hospital se estiver passando mal? Tem pouquíssimos. Nos Estados Unidos, você morre ou sai endividado pelas próximas gerações.
Como você vê as parcerias com organizações aqui do estado?
Temos parceiros em várias áreas, desde a promoção da agroecologia, agricultura familiar, até a promoção de educação, direito das mulheres. São parcerias extremamente sólidas, com capacidade de influenciar as políticas públicas de maneira muito forte. Um exemplo é o trabalho desenvolvido pelo Centro das Mulheres do Cabo no combate à violência contra a mulher.
Saiba mais
Adriano Campolina trabalhou na Confederação dos Trabalhadores na Agricultura, em Brasília
Foi assessor da direção nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Foi diretor executivo da ActionAid no Brasil e agora é diretor executivo internacional
É mestre em desenvolvimento, agricultura e sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
A ActionAid é uma ONG global de combate à pobreza, com foco em direitos das mulheres, segurança alimentar, educação e direito à cidade
A ONG celebra 15 anos de trabalho no Brasil, onde conta com 25 organizações parceiras em 13 estados, beneficiando 300 mil pessoas
Em Pernambuco, atua junto com parceiros importantes, como a Casa da Mulher do Nordeste, o Centro das Mulheres do Cabo e a Etapas