Superando a falta d'água também para melhorar de vida
Encontrar um caminho positivo em meio a um cenário de dificuldades e muitas privações. Esta difícil tarefa se tornou uma realidade para famílias do município de Cumaru, no Agreste do Estado. Os moradores conheceram a experiência de guardar a água da chuva, primeiro destinando-a para o consumo próprio e depois ampliando o leque para a irrigação de alimentos e ainda a alimentação animal. A instalação de cisternas bem ao lado das residências trouxe um novo patamar na vida dos agricultores, antes resignados a um cenário de muita escassez. Mais do que uma saída para falta d’água, eles conseguiram enxergar nesta empreitada uma forma de obter uma renda adicional e movimentar a economia local.
“A gente se reúne em regime de mutirão, chamando amigos, filhos e quem puder colaborar. Conseguimos unir forças e, no prazo de cinco dias, a construção já é uma realidade”, afirma Roberto Pereira da Silva, ou “Beto”, como é conhecido na comunidade Pedra Branca, onde reside. O trabalhador rural, de 42 anos, que com esforço obteve conhecimentos básicos na área da construção civil, assumiu a função conhecida como “cisterneiro”. Parte dos materiais consegue ser adquirido no comércio das cidades vizinhas, como Surubim e Bezerros, mantendo na área a circulação do dinheiro. Hoje, ele consegue levar até R$ 2.400 mensais para casa, garantindo o sustento da família com dois filhos e, ainda, ampliando o seu poder de consumo.
De acordo com o coordenador da rede Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Antônio Barbosa, a média pluviométrica no Agreste do País varia de 200 a 800 milímetros anuais. Segundo ele, contrariando as aparências, a região está incluída naquela considerada por especialistas como a mais chuvosa do planeta. “A grande questão por aqui é a irregularidade no tempo para estas chuvas, que demoram e, quando caem, logo evaporam. É extremamente importante o armazenamento regular para garantir uma vida mais tranquila nos períodos mais secos”, explica. Para ele, as medidas governamentais adotadas ao longo dos anos foram ineficazes e não promoveram a democratização da água. Diante disto, apesar de considerada fundamental e um direito de todos, muitos ainda sofrem à espera desse bem.
De acordo com a organização, 40 mil cisternas estão previstas para implantação em 2014, incluindo as tecnologias intituladas como calçadão, enxurrada, trincheira, barragem subterrânea, entre outras. Para participar, os populares precisam estar incluídos nos cadastros sociais do Governo Federal, podendo ser orientados pelas lideranças locais. “A luta é grande e muita coisa ainda precisa melhorar por aqui. Apesar de ainda não tê-la na torneira, passamos a dar muito mais valor à água, entendendo o benefício que ela nos traz”, destaca Beto. Entre os moradores é possível perceber uma boa recepção para iniciativas sustentáveis e de autodesenvolvimento, a exemplo da produção de alimentos semi-orgânicos ou ainda a recente implantação de biodigestores, voltados para a geração de fertilizantes e gás de cozinha.
O exemplo pernambucano segue em consonância com a proposta defendida na última Assembleia Geral das Nações Unidas, que declarou 2013 como o Ano Internacional de Cooperação pela Água, chamando a atenção para os benefícios da divisão e monitorando os desafios para acesso a este bem. “Além de aprender a guardar a água e economizá-la, a população precisa ser capacitada. Eles passam a entender as políticas sociais e melhoram não apenas o próprio quintal, mas mudando a cara da cidade. É um conhecimento ímpar que precisa ser compartilhado”, completa Barbosa.
Cisternas ajudam a driblar a dificuldade de consumo no Agreste
Concentração de poços em áreas particulares torna a água um bem para poucos
Para quem abre a torneira a qualquer tempo, tem água para lavar um chão a primeira sujeira ou toma banho várias vezes ao dia, o entendimento acerca do desperdício pode ser algo bem superficial. Aprender a conviver com as adversidades e perceber a chegada desse líquido vital como uma mudança de vida foi a proposta abraçada por moradores de comunidades rurais do município de Cumaru, no Agreste pernambucano, localizada a 90 km do Recife. Por lá, onde as fontes naturais não se fazem muito próximas, a população tem superado as dificuldades com a construção de cisternas que captam a água da chuva, quando ela vem. Entretanto, quando o céu parece não colaborar, o jeito é se virar como se pode, embarcando em uma luta pela sobrevivência de toda a família.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, 780 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água limpa e quase 2,5 bilhões ainda não usufruem de um saneamento adequado. “Eu levantava às 2h da manhã e já começava a preparar os baldes e vasilhas. Abria a porta e seguia caminhando no escuro, tendo como companhia apenas o meu jumentinho. Eram seis quilômetros pela estrada de terra até chegar no cacimbão. Aquela água barrenta era tudo o que tínhamos”, conta Luiz Eleutério de Souza, de 63 anos. A família do agricultor foi uma das contempladas com uma cisterna de 16 mil litros, coordenada por uma rede de articulação, composta de várias entidades.
A construção, escavada por ele mesmo, capta a água da chuva e com o devido tratamento a deixa apta para o consumo. O sistema é bem simples, a água escorre do telhado por uma calha de zinco e é conduzida por canos para dentro do reservatório. “A seca sempre existiu, desde o tempo dos meus avós. Sei que isso não vai acabar, é a natureza. O grande segredo é saber driblar esta situação”, ressalta sua esposa, Josefa Gonçalves, 66.
Particularidades
Apesar das questões climáticas, a falta d’água não estaria totalmente relacionada à condição local, mas, também, a uma concentração desigual deste bem. “Muitas fazendas e grandes propriedades possuem açudes e poços dentro de suas áreas. Infelizmente eles não se preocupam em dividir isto com ninguém”, critica Josefa Célia da Silva, de 30 anos. Com uma maior oferta de água, desde o início deste ano, a dona de casa teve melhores condições para cuidar do filho João Marcos, de um ano e sete meses.