Salvando a lavoura
Geraldo Odonel de Carvalho perdeu as brigas que travou com as duas últimas secas brabas do Nordeste. Nos anos 1990 e no começo deste século, sobrevivia de diárias pagas para roçar a terra dos outros. Acordava às 5h, pegava na enxada às 7h, comia a boia quando tinha, largava às 17h. Ganhava pelo que produzia. Na estiagem de agora, a história mudou. Nessa peleja ele saiu vencedor. Planta feijão, milho, coentro, cebola, alho e um pouco de cana-de-açúcar no pedacinho de terra que conseguiu no Sítio Araruna, em Bodocó, Sertão do Araripe. “Acerola dá de cair no chão”, diz. Embolsa, na pior das hipóteses, um salário mínimo por mês.
O agricultor é parte da exceção que poderia ser regra. Integra o grupo de produtores agroecológicos, embaçado nas estatísticas oficiais de tão miudinhos. Em vez de insistirem em plantar só mandioca, só feijão ou só milho, largaram a dependência dos agrotóxicos e transformaram seus quintais em pequenas florestas. A diversidade de cultivos, os mercados cativos formados por programas federais, sistemas de irrigação comunitários, técnicas de armazenagem de água e as vendas em feiras livres fizeram com que só sentissem os efeitos da seca no final de 2012. E quando ela chegou botando medo, perderam bem menos que os chamados convencionais, presos ao monocultivo.
Entre 2011 e 2012, praticamente não houve safra de milho e feijão em Pernambuco. A mandioca aguentou um pouco mais, mas também sucumbiu. As três culturas são dominantes na agricultura familiar do Estado, responsável por 70% do Produto Interno Bruto (PIB) rural pernambucano. Enquanto a maioria se apoiou no Bolsa Família, na aposentadoria rural e no Bolsa Estiagem, programa emergencial, cada produtor agroecológico embolsava, em média, 1,2 salário mínimo no final de cada mês (R$ 813,60). Economizavam ainda cerca de 30% nas compras do mercado, pois contavam com inúmeros alimentos plantados em suas terras.
Há mais ganhos. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), voltado para compra da produção da agricultura familiar, dispõe de um mecanismo eficaz de incentivo à agroecologia: os produtores recebem 30% a mais no valor do produto. Em 2012 somente em Pernambuco, foram adquiridas 139 toneladas que renderam R$ 371.540,99. “Agroecologia não é só o modelo que não usa veneno. É outro modelo de desenvolvimento rural. Rompe um ciclo. O produtor e sua família passam a se alimentar melhor e há um claro empoderamento das pessoas”, defende a professora da Unidade de Serra Talhada da Universidade Federal Rural de Pernambuco Laeticia Jalil.
O último Censo agropecuário do Brasil, de 2006, dizia haver 220 hectares em Pernambuco de sistemas agroflorestais em terras próprias, de um total de 4,9 milhões de hectares de área plantada. O processo de transição não é fácil. Há uma enorme desconfiança entre os pequenos agricultores, ressabiados de ouvir mais uma promessa. E há o receio de assinar até uma ata de reunião com medo de que isso implique perda dos benefícios sociais. Há ainda pressões dentro dos municípios. Não raro o dono da loja de produtos químicos é sobrinho do presidente da Câmara dos Vereadores e faz de tudo para não ver prosperarem programas que dispensem o uso de agrotóxicos.
Para o Semiárido há ainda urgência em ressuscitar a tradição de estocagem das chamadas sementes crioulas, selecionadas pelo homem do campo ao longo de gerações e mais adaptadas às áreas de sequeiro. Nos últimos anos, houve uma conversão para dependência de doações de sementes melhoradas em laboratório pelos governos, que não trouxeram resultado.
“A família agricultora precisa enxergar que só vai conseguir produzir se não depender da casa de produtos agropecuários, da irrigação e das sementes doadas por programas de governo. E quando, historicamente, a maioria das famílias tem apenas 0,5 hectare, e nesse pedaço tira sua sobrevivência, a agricultura convencional, ao exaurir a capacidade da terra, mostra sua inviabilidade”, resume o coordenador geral do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, Alexandre Pires.
“Não dá para concorrer com a produção de alimentos do Centro-Oeste”, resume o diretor do projeto Dom Helder Câmara, Expedito Rufino. O aviso é para quem ainda aposta em criar novas fronteiras agrícolas no Semiárido nordestino através da agricultura familiar. A iniciativa que comanda é uma das poucas que integrou as ações da União com a finalidade de deixar mais fácil a convivência com as estiagens. O segredo: capacitação, assistência técnica e difusão de conhecimentos sobre armazenagem de água. Das 15 mil famílias participantes, nove mil formularam projetos de financiamento no Banco do Nordeste. Em média, cada uma consegue um rendimento mensal de quatro salários mínimos com hortas e pomares.