“Seca: nós nunca tomamos a sério a perspectiva de sua solução”, diz palestrante
Naidison de Quintella Baptista, coordenador nacional da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) e palestrante da sessão especial realizada na Casa da Cidadania, nesta sexta-feira (19), que tratou da estiagem que assola o município de Feira de Santana, disse que a seca é um fenômeno antigo e previsível, mas a sociedade e o poder público ainda não foram capazes de implementar ações que permitam minimizar os efeitos negativos.
“A seca não é uma coisa nova; nós temos notícias da seca desde o ano de 1559. Temos cerca de 72 secas anuais ou plurianuais, desde a chegada dos portugueses no Brasil. Trata-se de um fenômeno corriqueiro, presente na vida do país e do semiárido, mas que nós nunca tomamos a sério a perspectiva de sua solução”, afirmou.
Ele fundamentou sua explanação, citando o escritor Euclides da Cunha, que no livro “Os Sertões” diz que “as secas delatam, impressionadamente, a nossa imprevidência, embora seja um fato em nossa vida nacional, ao qual se pode aplicar o princípio da previsão”.
Naidison observa que, em outras palavras, Euclides da Cunha afirma que “faltam políticas efetivas e reais para que nós possamos trabalhar na perspectiva da convivência com o semiárido”.
Críticas – Na oportunidade, o palestrante criticou os meios de comunicação e os livros que só informam coisas negativas a respeito do semiárido e do sertanejo, através de imagens depreciativas, a exemplo de fotos de gado morto e roças secas.
Segundo ele, a parte positiva é descartada, como as experiências de agricultores e agricultoras que, com tecnologias acessíveis e sociais, conseguem produzir na região do semiárido.
Em sua opinião, “há uma intencionalidade de que se deprecie a imagem do semiárido e essa depreciação traz consigo uma política malfazeja, que está há séculos no Brasil, que é a política de combate a seca. Ela traz consigo grandes obras, que sempre são excludentes, como a transposição do rio São Francisco”.
O coordenador nacional da Asa observa que muitas pessoas que necessitam de água não estão na área da transposição do Rio São Francisco. Ele denunciou que várias comunidades quilombolas e indígenas foram retiradas do espaço para fazer passar o processo da transposição. Naidison acredita que só os grandes empresários e empreendimentos que serão beneficiados.
O palestrante também se queixou da indústria da seca (estratégia de alguns administradores públicos que aproveitam a tragédia da seca na região do Nordeste do Brasil para ganho próprio).
Convivência com o semiárido – Na sequência, o coordenador nacional da ASA disse que “a dimensão que vem tomando corpo, hoje, no Brasil, não é a perspectiva do combate a seca, e sim da convivência com o semiárido, com a riqueza dessa região, com a riqueza e a cultura do seu povo”.
Para ele, conviver com o semiárido é possível. Naidison citou, com exemplo, os povos tuaregues, que habitam o deserto do Saara, e os esquimós, que habitam as regiões em torno do Círculo Polar Ártico. “São povos nômades que vivem bem, não vivem mal, porque eles aprenderam e projetaram políticas de convivência com o clima daquelas regiões, afirmou.
O palestrante informou que um dos grandes desafios para a convivência com o semiárido, é criar a cultura do estoque de água e sementes. “Ou seja, produzir, consumir e guardar para utilizar nos tempos mais adversos”.
Naidison aproveitou o ensejo também para falar do programa da ASA de viabilização de cisternas. “A nossa perspectiva junto com o poder público é atingirmos 1 milhão e 250 mil cisternas no semiárido. Desse total, já temos cerca de 800 mil. Por uma média de cinco pessoas por casa, significa que 4 milhões de pessoas já têm armazenada a água para beber e cozinhar”, comemorou.
O estoque de animais adequados, o armazenamento de alimentos para o consumo humano e animal, também fizeram parte das sugestões do coordenador nacional da Asa para a convivência com o semiárido.
Como medida emergencial para minimizar os efeitos da seca, ele sugere a viabilização de mais carros-pipas e cisternas, liberação de créditos para os produtores rurais e ampliação dos programas Bolsa-família e Bolsa-Estiagem.