Agricultores experimentam e trocam informações no Semiárido

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Reunidos na Articulação do Semiárido (ASA), produtores criam uma nova perspectiva no Sertão

Januária (MG). Carlos Soares de Menezes, 59, o Carlinhos, é agricultor experimentador de Monte Alegre de Sergipe. Típico pequeno produtor rural do Semiárido brasileiro, no último Encontro da Articulação do Semiárido (EnconASA), em novembro passado, no Norte de Minas Gerais, mostrou como prepara o sal mineral para os animais. “Quando eu conheci a ASA, pensei que ia só construir cisterna, mas construímos muito mais que isso. O conhecimento é o mais importante”, fez questão de destacar.

Da mesma forma, Abelmanto Carneiro de Oliveira, agricultor experimentador de Riachão do Jacuípe, no Nordeste da Bahia, levou ao Encontro um pouco da sua sabedoria de trabalhador do sertão Semiárido. “Sou agricultor de tradição agroecológica e invento para driblar as minhas dificuldades porque no Semiárido é assim: ou você diversifica ou tem dificuldades de existir. Minha organização me permite, mesmo com dois anos de estiagem, viver muito bem e auxiliar outros agricultores”, orgulha-se.

Abel, como é mais conhecido, na sua propriedade, de 10 hectares, tem um engenhoso sistema de captação de água, que detém até 1.868.000 litros, incluindo barragem subterrânea, barreiro trincheira, barreiro comum, barraginha sucessiva, cisterna calçadão e de placa. “Tenho água para quatro anos no subsolo e planto nas margens”, resume.

Nas Feiras de Saberes e Sabores, os trabalhadores da agricultura familiar trocam tecnologias e sementes

Ele sentiu, então, necessidade compartilhar conhecimento com as novas gerações da comunidade porque não conseguia convencer os adultos e foi além com o blog Projeto Ecológico Vida do Solo.

Suas tecnologias também são comercializadas, gerando 15 empregos diretos e cinco indiretos. E lá se vão mais de 1.500. A sua bomba “malhação”, com vazão de 1.300 a 1.400 l/h sai por R$ 75, só o corpo; e a “giratória”, com capacidade para 800 a 960 l/h, por R$ 230 o sistema completo. Ele só trabalha sob encomenda e suas tecnologias já atravessaram o oceano, chegando à África do Sul e à Europa.

Segurança hídrica

Para Naidison de Quintella Batista, um dos coordenadores da ASA Bahia e presidente da Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC), o Semiárido vive um contexto de desprezo com algumas concepções políticas. Algumas delas são: é inviável, não produz, o povo não é inteligente. “As oligarquias mantiveram essa visão. As políticas para a seca eram as frentes de trabalho para construção de açudes nas terras dos grandes proprietários. A distribuição de água e de alimentos era condicionada pelo voto”, afirma.

Foi neste contexto – de povo incapaz, terra improdutiva e políticas assistencialistas e não estruturantes – que as comunidades começaram a criar tecnologias como as cisternas e os bancos de sementes, oriundos não do governo, mas da sociedade, da resistência. “Mostramos que estamos vivos, produzimos conhecimento. E isso nasceu muito antes de 1999, quando surgiu a Articulação. Em Feira de Santana, a luta pelas frentes rotativas tem 45 anos. Temos o trabalho da Cáritas Brasil afora, as cisternas, as casas de farinha. Isso tudo desemboca na criação da ASA. Vimos que, se nos uníssemos e nos coordenássemos, poderíamos ter esses projetos transformados em políticas. Passamos a propor, executar e monitorar as cisternas. E isso é exercício da cidadania. Fazemos um trabalho articulado em rede”, relata.

Cisternas

Um estudo feito em 1999 estimou que para que as famílias do Semiárido tivessem acesso a água potável seria necessária 1 milhão de cisternas, em cinco anos. Mas esse planejamento falhou, pois, ao começarem, viram que nem sempre fornecedores, recursos, pessoal ou mobilização comunitária avançavam no mesmo ritmo. Há três anos, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) fez novo estudo, que elevou essa estimativa a 1,3 milhão de cisternas para se atingir o objetivo da universalização do acesso à água, o que está previsto até o fim de 2014.

Com a política proposta, o governo Lula iniciou a implantação gradativa. O maior problema, segundo Naidison, tem sido a burocracia: “Quando termina um ano, demora muito para iniciar o seguinte”. No Governo Dilma, a universalização da água foi uma decisão política, já que a água é um elemento chave na erradicação da pobreza, meta do seu governo.

E as parcerias foram diversificando. A Fundação Banco do Brasil (FBB), por exemplo, trabalha com 42 organizações para construir 60 mil cisternas até maio e 2013, e 40 dessas organizações fazem parte da ASA. Além da FBB, os Estados estão fazendo. Há ainda os consórcios municipais e edital lançado pelo Banco do Nordeste (BNB).

Ele calcula que 600 mil (já construídas) multiplicadas por cinco pessoas (família) resultam em três milhões com acesso à água potável: “isso significa muito para pessoas que bebiam a mesma água que o animal, mesmo quando não havia seca”.

Antônio Gomes Barbosa, sociólogo e coordenador do Programa Uma Terra Duas Águas (P1+2), completa: “mesmo nesta grande estiagem, os agricultores que conseguiram acumular água estão em situação infinitamente melhor do que os outros. A estrutura hídrica de cisternas permite a permanência no campo porque, mesmo em ano de seca, dá para abastecer”.

Estoque

E continua: “se estocar água para beber, no período seco vai ter. Se estocar água para produzir, vai ter também. A cultura do estoque da água é muito importante, mas não é apenas nisso. Se consegue juntar água para beber e produzir, sementes, comida, forragem para os animais, é a base material da perspectiva da convivência com o Semiárido”.

Com o avanço do P1MC, sentiu-se a necessidade deste avanço. Assim, a ASA materializou o P1+2 em 2007. “Há um viés metodológico de valorização das experiências do Semiárido. Foi feito um esforço de sistematizar essas experiências e hoje temos quase 1.500”, diz. Em 2008, o P1+2 ganhou escala ao entrar no Plano Plurianual (PPA) e no Orçamento Geral da União, como ação específica dentro do Plano de Segurança Alimentar. Começou com três organizações e hoje são 42. “Ainda tem muito a fazer. Existe uma projeção de redução das áreas agricultáveis no Semiárido e as famílias optam pela produção agroflorestal. Temos ação de construção de viveiros, distribuição de mudas nativas, frutíferas”.

Por fim, enfatiza que a ASA valoriza a construção horizontal do conhecimento, a partir da troca, em intercâmbios, onde agricultor visita agricultor e troca sementes, vê inovações. “O governo também precisa respeitar as peculiaridades do Semiárido e construir uma assistência técnica baseada nesta troca universal do conhecimento”, sugere.

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