Feito com pedras e sonhos

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Ferro, areia, brita, cimento e cola. Pá, colher de pedreiro e marreta. Foi aprendendo a trabalhar com esses instrumentos que as sertanejas Lourdes da Silva Oliveira, 52 anos, e Creusa Lopes Ferreira, 49, do município de Afogados da Ingazeira, passaram a enfrentar as constantes estiagens, precariedade de comida e falta de emprego. A história de superação de Lourdes e Creusa é um exemplo concreto de como é possível enfrentar um dos problemas que mais preocupam ONGs, governos e setores da sociedade civil em todo o mundo: “Desemprego, trabalho decente e migrações”. O tema, inclusive, foi um dos dez tratados nos Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável na Rio+20.

Conhecidas como as cisterneiras do Sertão, elas entraram, com dignidade, num mercado de trabalho antes visto como exclusivamente dos homens. “No começo foi difícil, porque ninguém acreditava que a gente era capaz. As pessoas perguntavam como é que a gente, ia passar o dia todo trabalhando junto de homens. Mas hoje as pessoas preferem as mulheres. Dizem que somos mais organizadas, e damos um melhor acabamento”, conta Lourdes, que fez o curso com a ONG Casa da Mulher do Sertão em 2003.

Nesses nove anos, Lourdes já construiu mais de 80 cisternas por todo o Nordeste e deu aula a 90 mulheres e a 15 homens sobre como construir cisternas de placa com qualidade. Foi treinada em curso para monitoramento e, desde então, prefere esquecer a fome que passou com os cinco filhos depois que foi abandonada pelo marido, há 18 anos, e, literalmente, pôr a mão na massa.

Creusa já foi aluna de Lourdes. Há três anos aprendeu o novo ofício e já construiu 15 cisternas no município. “Me sinto muito orgulhosa quando ouço alguém dizer 'Creusa, você não sabe o que deixou lá em casa. Foi um pedaço de vida'. Porque água é vida, não é ?, observa.

A renda não é tão alta, mas ajuda nas despesas e, quando a ONG consegue financiamento para o material necessário à construção de cisternas, os trabalhos que fazem, em tempo que varia de 4 dias a uma semana, garantem a sobrevivência delas por pelo menos dois meses. “Já temos cadastrados 80 famílias esperando a liberação desse material para que a gente possa começar a trabalhar nas suas propriedades”, informa Creusa.

Por cada cisterna o pagamento é de R$ 250. Se mais de uma mulher dividir a tarefa, o dinheiro é rateado. Por curso, Lourdes recebeu até R$ 660. “Fora do estado recebia diária e transporte”, comenta ela, que tem um filho com Síndrome de Down e por vezes precisou levá-lo onde iria construir as cisternas.

Debate sobre papel da mulher

A capacitação de pedreiras e cisterneiras no município de Afogados da Ingazeira integra o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC) e é realizada pela ONG Casa da Mulher do Nordeste. O objetivo é capacitar as agricultoras na construção de cisternas de 16 mil litros e discutir sobre o papel da mulher, reposicionando-as na sociedade, principalmente no campo, e promovendo autonomia econômica para cada uma.

A formação inclui aulas práticas, nas quais as mulheres construirão cisternas com o apoio de um pedreiro parceiro e serão remuneradas pelo seu trabalho. O passo seguinte é a união de experiências vivenciadas por essas mulheres e a realização de debates que permitam a formação política delas.

Entre os temas debatidos estão as realidades vividas por cada uma, as relações sociais entre os sexos e a condição da mulher na construção da convivência com o Semiárido. As mulheres cisterneiras também podem, como fonte de renda, ministrar cursos de construção de cisternas para outras mulheres (e alguns homens), sempre com o acompanhamento da Casa da Mulher do Nordeste.

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