Água de comer
Conversando com um exportador de melão para Israel, brinquei dizendo que o semiárido do Nordeste está na realidade exportando água, adocicada é claro. São porções de água em embalagem biodegradável, transportadas a grandes distâncias para hidratar os israelenses que também vivem em região seca. Nesse caso, o crescimento do melão decorre da irrigação, já que de chuva o semiárido tem muito pouco, sobretudo neste ano.
Porém as plantas nativas são capazes de tirar água do solo no curto período chuvoso e guardá-la para o ano inteiro, mantendo-se em equilíbrio. Para isso, criam artifícios de proteção contra perdas líquidas por evaporação ou transpiração, como a transformação de folhas em espinhos pelos cactos da caatinga, ou mesmo a perda das folhas, pelas plantas chamadas caducifólias, como o mulungu e a imburana.
Com a lembrança da conversa com o empresário, me veio a ideia clara de que, ao comermos, bebemos. O melão tem 92% de água, o mesmo que a melancia e parecido com a alface, que contém 96 %. De matéria orgânica, não sobra quase nada. Mesmo aqueles que parecem mais sequinhos, como a banana e o milho, não possuem menos de 60% ao serem colhidos.
Não é para menos que tenhamos que beber água comendo. O homem mantém-se hidricamente equilibrado quando seu corpo apresenta valores de pelo menos 70% de água, ou seja, 56 kg de uma pessoa que pese 80 kg. Quando o corpo perde líquido, aumenta a concentração de sódio que se encontra dissolvido nas células, e, ao perceber esse aumento, o cérebro induz a sensação de sede. Daí, ou se bebe ou se come água.
Se diariamente perdemos cerca de 3,5 litros desse líquido por suor, respiração, urina e fezes, é preciso repô-los para que os processos físicos, que levam à estabilidade térmica do corpo, e os bioquímicos, que garantem a nutrição das células, se façam. Portanto, se ingerirmos 1 a 2 litros de água líquida por dia, o resto tem que vir dos alimentos.
Mas existe uma segunda leitura para o termo água de comer. Aqueles que trabalham com agricultura familiar no sertão nordestino, apoiando a sustentabilidade alimentar dessas populações, costumam usar a ideia para estimular o uso da água de chuva na produção de alimentos para auto-consumo, enriquecendo a dieta local.
Nessa direção, organizações não-governamentais associadas à Articulação do Semiárido (ASA) já podem mostrar boas práticas com tecnologias apropriadas utilizadas na montagem de pequenas hortas, na plantação de feijão, jerimum e mandioca para farinha, assim como na criação de pequenos animais, sobretudo galinhas caipira e cabras.
Assim, coma água, e boa saúde.