Governo Federal rompe com a ASA Brasil e regride na política de construção de cisternas no semiárido

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Ogoverno federal comunicou que não dará continuidade à parceria com a Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) através da Associação Programa 1 Milhão de Cisternas (AP1MC). A estratégia, a partir de agora, será realizar as ações do programa Água para Todos pela parceria com estados e municípios, negando uma caminhada de mais de oito anos e a concepção da cisterna como instrumento educativo de trabalho e convivência com o semiárido. “Nossa perspectiva não é da construção civil. Trabalhamos para construir uma política de convivência com o semiárido”, explica Naidson de Quintela Baptista, da coordenação da ASA pelo estado da Bahia e na presidência da AP1MC. A notícia “dá um baque muito forte nos trabalhos, que começavam a tomar corpo, embora o governo persista com muitas ações próprias da velha política de combate à seca”.

O comunicado é considerado um passo para trás, e se insere em um contexto de atos arbitrários do Governo Federal no sentido de criminalizar a atuação das organizações da sociedade civil, que historicamente atuam pela democratização do Estado e da sociedade brasileiros. “Trabalhamos a partir de uma nova dimensão do semiárido, não apenas de acesso à água potável e de produção de alimentos saudáveis, mas também de formação” afirma Quintela.

Ele aponta que além da necessidade de demissão do pessoal envolvido no programa, a medida afeta diretamente as comunidades, pois o modo como a ASA trabalha o processo de construção da cisterna envolve todo o entorno social. “A agricultura local fornece a alimentação, o pedreiro é da comunidade e compra material de lojas locais. Isso é diferente de comprar cisterna de uma empresa”. O processo participativo dá um sentido de pertencimento à cisterna e promove a reconstrução do espaço do semiárido a partir de seus sujeitos. “Vamos continuar lutando, denunciando. Vamos buscar de todas as maneiras retomar esse processo”, complementa Quintela.

Os programas construídos pela ASA colocaram as famílias como protagonistas da política pública de acesso à água, e que hoje caracterizam ações do Ministério do Desenvolvimento Social. O anúncio de rompimento unilateral pelo governo Dilma foi feito apesar de todos os relatórios recentes da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU) serem favoráveis à parceria, além de haver depoimentos públicos da Secretaria Executiva da CGU de que a ASA é uma das experiências mais exitosas em gestão de recursos públicos no País. A ASA manifestou por meio de carta pública sua indignação (leia aqui).

O possível retrocesso na política de combate às desigualdades já fora apontado por José Antônio Moroni, membro da coordenação executiva do PAD (Processo de Articulação e Diálogo) e do colegiado de gestão do INESC, em artigo publicado pelo PAD (leia aqui). Ele afirmara na época que o governo Dilma indicava um retrocesso significativo. “A primeira medida do governo Dilma nesta área foi pedir uma nova definição da linha da miséria e da pobreza onde o único critério é o da renda per capta da família. Está havendo a subordinação da lógica social à lógica econômica”, em uma estratégia de combate à miséria/pobreza centrada no indivíduo, tirando a possibilidade de as políticas “serem instrumentos de fortalecimento dos sujeitos políticos ou mesmo da organização desses cidadãos/ãs, podendo interferir nas decisões políticas e nos espaços de poder”. Essa estratégia de combate à miséria, afirma Moroni, “não incorpora a dimensão participativa, ou seja, a organização política dos ‘usuários’ dessas políticas públicas”.

A parceria

Os dois termos de parceria em processo de renovação se referem à construção de cisternas domiciliares e de tecnologias de captação de água para produção. “A continuidade já estava apalavrada e tecnicamente analisada, mas não renovaram nem uma nem outra. Com a crise da relação com as ONGs, tudo isso caiu por terra”. Quintela afirma que não houve justificativa direta para a não renovação.

Ele conta ainda que o governo federal já estabelece parcerias com os estados e municípios, e isto nunca foi impeditivo para os trabalhos da ASA. “São desenhos e processos que ajudam a dinamizar a captação de água. Boa parte dos consórcios de municípios e dos estados segue a aproximadamente a metodologia da ASA”. A parceria com a ASA garante, no entanto, a concepção da cisterna como processo educativo, de convivência, não de construção isoladamente. “Para o funcionamento da cisterna temos que qualificar pedreiros e famílias para o acompanhamento e captação. Há também formação sobre doenças transmissíveis e de convivência com semiárido. É esse conjunto todo o que se chama programa 1 milhão de cisternas, e que não terá renovação”.

Leia aqui a carta publicada pela ASA – Governo Federal rompe com a ASA Brasil, com o P1MC e com o P1+2

Leia aqui o texto Expectativas no princípio do Governo Dilma, escrito por José Antônio Moroni

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