Naidison Baptista, coordenador executivo da ASA na Bahia
No último dia 28 de julho, uma das bandeiras da Articulação no Semi-Árido (ASA) – o acesso à água – foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um Direito Humano. A ASA defende a democratização da água para a população da região desde que foi formada há mais de dez anos e, antes da Articulação, organizações sociais também lutavam por este direito.
Para repercutir a decisão da ONU, a Assessoria de Comunicação da ASA (ASACom) entrevistou o coordenador executivo da Articulação pelo estado da Bahia, Naidison Baptista. “Saímos fortalecidos na luta para que a água deixe de ser tratada como uma mercadoria ou como recurso e seja assumida como um bem público, no nosso caso direito humano. É nossa tarefa fazer valer isso em nossos espaços”, assegura Naidison conclamando a todos a se manterem vigilantes para que este direito seja, de fato, posto em prática.
Confira a entrevista.
ASACom – O que este reconhecimento da ONU traz de novo para a luta dos movimentos sociais no Brasil que defendem o direito de todos à água potável?
Naidison – O reconhecimento pela ONU do acesso à água como direito humano é algo de fundamental importância. A ONU, é verdade, não implementa nada, mas os países que são signatários de seus documentos, acordos e processos terminam se obrigando a implementar estes processos em seus territórios.
No caso nosso, do Brasil, se ligarmos o direito humano à alimentação como algo existentes em nossa Carta Magna e este reconhecimento da ONU da água como direito humano, saímos fortalecidos na luta para que a água deixe de ser tratada como uma mercadoria ou como recurso e seja assumida como um bem público, no nosso caso direito humano. É nossa tarefa fazer valer isso em nossos espaços.
ASACom – Há pessoas que lançam um olhar desconfiado para este reconhecimento da ONU porque crêem que, como fórum representativo das nações e, portanto, político, a ONU poderá controlar a distribuição mundial deste recurso e reforçar um bloco de força que usa a água como mercadoria. Como você vê esta questão?
Naidison – Sabemos que nada na ONU é conquista definitiva a e que os princípios que ela defende somente muito gradativamente se tornam realidade. Como todas as organizações humanas e especialmente organizações de estados ela é um palco de disputas. Avalio que nosso papel é forçar o Governo Brasileiro a assumir esta bandeira e transformá-la em política e estar vigilantes, porque sem dúvida, corporações, grupos de força que estão insatisfeitos com esta declaração, virão à luta para minorá-la, para bloquea-lá, etc.
Uma declaração, se bem que um passo interessante, nunca vai resolver nada. São nossas lutas, nossa vigilância, o dia a dia de nosso trabalho e daqueles que querem a água não concentrada e sim democratizada, que farão valer esta declaração.
ASACom – No Brasil a água sempre foi um recurso manipulado em prol dos que têm o poder econômico e político. Quais as conquistas mais significativas da luta pela universalização da água no Semiárido alcançadas pela ASA?
Naidison – Na água no Brasil continua sendo mais utilizada e colocada a serviço de alguns que de todos e como tal não reconhecida na prática como um bem público. Foram dados passos interessantes no Semiárido com o P1MC, e estas são conquistas históricas, na perspectiva da partilha da água. No entanto, ai esta a transposição do S. Francisco e outros e outros exemplos de concentração da água e de encará-la mais como mercadoria que como bem e direito.
No Semiárido ainda existem muitas e muitas pequenas cidades e aglomerados onde a água não chegou, comunidades desprovidas de qualquer serviço de fornecimento de água. A situação está longe de ser resolvida.
É verdade que a ASA abriu uma estrada significativa, mas a caminhada ainda é grande e não podemos, enquanto organizações sociais perder isso de vista.
ASACom – Quais os principais conflitos a serem enfrentados dentro e fora da Articulação no que diz respeito a esta causa?
Naidison – Dentro da Articulação eu não diria que são conflitos a ser enfrentados, mas sim de ampliação da leitura para além daquilo que fazemos e podemos fazer. A título de exemplo: ai estão as escolas sem água.
Estamos entrando com cisternas para algumas delas de modo experimental. Mas isso implica em leituras outras da realidade como parcerias de trabalho com prefeituras, o debate de como reabastecer a cisterna e coisas afins.
As cisternas não darão conta de pequenos agrupamentos de pessoas. Como entramos potencializando, por exemplo, os estudos e propostas da ANA (Agencia Nacional de Águas) para levar um abastecimento mais sistemático de água a todas as pessoas do Semiárido?
Resumidamente: o desafio que temos hoje é como ir além do que já fomos capazes de fazer e propor, para que a partilha da água entre todas as pessoas do Semiárido seja efetivamente viável, tanto para consumo humano quanto para produção.
Fora da articulação, talvez, o grande debate – este sim conflituoso – sejam as mega-obras que se voltam para a concentração das águas, ao invés de sua partilha o que, por outro lado, está ligado ao modelo de desenvolvimento, se sustentável ou não, na nossa perspectiva.
Por aí passam as questões dos grandes processos de irrigação, com a predação das águas; a educação para o uso das águas, tanto na cidade como no campo; as irrigações e os agrotóxicos e muitas outras questões.
ASACom – A ASA tem estado à frente de várias experiências de acesso à água de qualidade para famílias do Semiárido brasileiro. O que estas experiências ensinam para o Brasil e até para outras nações?
Naidison – Avalio que o ensinamento mais precioso é que é possível mudar a face do Semiárido, no que se refere ao acesso à água, de modo efetivamente participativo, com envolvimento sistemático e democrático de sua população, com medidas simples, sem megaobras.
O P1MC desconcentrou no Semiárido o armazenamento e o uso da água para consumo humano, gerando uma imensa partilha neste campo, ao invés da concentração.
Outro ensinamento é que os processos quando realizados a partir das experiências da população, levando em conta os seus conhecimentos e não impondo pacotes e de modo efetivamente democráticos, nos vários níveis, produz e gera sustentabilidade. Ao contrário, outros investimentos, sem participação e centrados em grandes obras, geram elefantes brancos.
A lição principal é que as políticas, que saem da experiência sistematizada e aperfeioçada das comunidades e da população e desenvolvidas num processo democrático, são efetivamente sustentáveis. A ASA, no entanto, ainda está no inicio de suas investidas. É preciso ousar mais e passar destas experiências para outras esferas: influenciar na escola e educação contextualizada, cisternas nas escolas, assistência técnica de bases agroecológicas e outros processos.
Muitas ações da ASA, se sistematizadas, provocariam a construção de bons processos políticos com sustentabilidade.