Desafio é superar lógica do mega-empreendimento
A construção de um semi-árido mais justo esbarra em um desafio que não será dos mais fáceis de ser superado: a transformação do modelo de desenvolvimento imposto para a região, baseado nos mega-empreendimentos.
O maior exemplo é a transposição do Rio São Francisco, um dos símbolos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Segundo estimativas oficiais, o chamado “canal eixo leste” deve estar pronto até o final deste ano, com conclusão total das obras em 2012.
O governo federal afirma que a água será levada para 12 milhões de pessoas no Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, mas movimentos sociais seguem convictos de que o recurso será usado em irrigações e produções de crustáceos em larga escala. Além disso, as organizações chamam a atenção para o fato de que a prometida revitalização do rio ainda não saiu do papel.
Também para 2012 está prevista a entrega da Ferrovia Transnordestina, longe de favorecer a população desses estados, segundo movimentos locais. O integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Roberto Malvezzi, o Gogó, defende que esses mega-projetos fazem parte da estratégia de inserir o Nordeste no mercado mundial de produtos, por meio da exportação de matérias-primas.
Projeto econômico
“A Transnordestina, como a transposição, é uma peça de um projeto econômico desenvolvido no Ceará, sobretudo pelo Ciro Gomes [deputado federal, pré-candidato à presidência pelo PSB e ex-governador do estado] e pelo Tasso Jereissati [senador pelo PSDB e ex-governador do estado]. Esse grupo conseguiu vendê-lo como se fosse um projeto de desenvolvimento de todo o Nordeste”, critica.
Projetos de mineração, cana-de-açúcar, carvoarias, usinas nucleares, barragens e até parques naturais também disputam espaço no semi-árido, que já se vê pequeno diante de tanta ambição. O coordenador institucional da ONG Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), Ademilson Santos, o Tiziu, relata que algumas áreas estão na mira de mais de uma obra.
“Eu conheço algumas comunidades, como no interior de Sobradinho [BA], onde minha família reside, que estão sendo disputadas por três ou quatro grandes projetos. As pessoas estão sendo encurraladas e, se escaparem de um [projeto], podem cair em outro”, revela.
O súbito interesse pela região, para Tiziu, contrasta com a forma através da qual o poder público historicamente encarou o semi-árido, como retrato da miséria. O coordenador do IRPPA, porém, avalia essa política como estratégica para explorar e concentrar as potencialidades do local. “Eu acho que os próprios governantes sabiam que essa região era rica e a estavam reservando para outras coisas. Como é que agora aparecem faraônicos projetos como uma avalanche?”, indaga.
Conflitos
O coordenador estadual da Articulação no Semi-Árido (ASA) na Bahia, Naidison Baptista, pontua que, de fato, existem dois modelos de desenvo