Empreendimentos de energia eólica e solar destroem mais de 4 mil hectares no Semiárido e aumentam risco de desertificação da Caatinga
Pela primeira vez, o Relatório Anual do Desmatamento (RAD), produzido pelo MapBiomas, registrou a destruição da Caatinga causada pela expansão da infraestrutura das ditas “energias limpas”. Em 2022, mais de 4.000 hectares (ha) da única floresta exclusivamente brasileira foram devastados pelas usinas de energia eólica e solar, incluindo as linhas de transmissão.
O que é sentido por quem vive na Caatinga e vem sendo denunciado pela rede de organizações da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), os radares detectaram. Segundo o RAD, os analistas do MapBiomas contabilizaram pelo menos 69 alertas de desmatamento em áreas de empreendimentos eólicos, totalizando 1.087,8 ha, e 23 alertas em áreas de usinas fotovoltaicas, atingindo 3.203,48 ha.
Considerando os demais vetores de desmatamento como agropecuária, expansão urbana, mineração e garimpo, a Caatinga foi o terceiro bioma mais destruído no ano passado. O aumento da área desmatada foi de 6,8%, somando 140.637 ha, o que representa 18,4% dos alertas registrados em todo o Brasil.
Os dados alarmantes foram divulgados no início da semana, às vésperas do Dia Mundial de Combate à Desertificação e aos Efeitos da Seca, celebrado neste sábado (17). O estudo reforça ainda mais a tese de camponesas e camponeses, que convivem nas áreas invadidas por torres, turbinas e placas solares, de que esse modelo de geração de energia está acabando com a biodiversidade do Semiárido.
“Prometeram melhorias na escola, cursos para as mulheres e emprego. Recebemos rachaduras nas casas, poluição da água das nossas cisternas e barulho 24 horas por dia, sem falar do sumiço dos animais”, afirmou a agricultora Núbia Rafaela Araújo, de Caetés, agreste de Pernambuco. Ela e mais de 5.000 pessoas denunciaram os impactos da “energia limpa” na 14ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, realizada em março, no município de Montadas (PB).
Descentralizar a produção e integrar às experiências de convivência com o Semiárido
Predominante no Semiárido, a Caatinga “guarda” mais de 11 mil espécies de vegetais e uma fauna com 1.307 espécies entre mamíferos, aves, répteis, peixes, anfíbios e insetos. O Instituto Nacional do Semiárido (Insa) calcula que 85% do Semiárido brasileiro está em processo de desertificação moderado e 9% está efetivamente desertificado. Isso significa que a reversão do processo é quase impossível e, portanto, é fundamental a preservação e conservação da biodiversidade do bioma.
Esse santuário natural vem sendo ameaçado sob o véu de um discurso de sustentabilidade. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica, são 869 parques eólicos no país, sendo mais de 80% deles no Nordeste, com cerca de 8.200 aerogeradores instalados na região.
Já a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) afirma que, em 2022, o Brasil se tornou o oitavo país no ranking de geração de energia fotovoltaica e que entre os estados que contribuíram para essa entrada no top dez estão Bahia, Ceará e Pernambuco.
“Os parques eólicos e as fazendas solares chegaram ao Semiárido com uma promessa de energia limpa, com retornos ambientais e financeiros para as comunidades, o que não é verdadeiro. As terras onde as turbinas estão instaladas tornam-se improdutivas; a saúde das famílias que vivem nas proximidades se deteriora física e mentalmente; as mulheres são expostas a todo tipo de violência física e sexual”, denuncia a ASA, em carta entregue no mês de março ao presidente Lula.
A rede com mais de 3.000 organizações espalhadas pelo Nordeste e por Minas Gerais reforça que reconhece o potencial do Semiárido para a geração de energias renováveis. Contudo, a ASA chama a atenção para a necessidade de um modelo descentralizado e que inclua os sistemas energéticos complementares como os biodigestores e os fogões agroecológicos.
“O Semiárido Vivo que queremos precisa desse esforço e de um olhar conjunto para além da água e da produção de alimentos. Precisamos garantir que as pessoas tenham condições de permanecer em suas terras, produzindo, com saúde e qualidade de vida”, destaca a ASA.
Leia a carta “Energia VERDADEIRAMENTE LIMPA para um Semiárido Vivo!”