Centro do Semiárido brasileiro ganha Armazém da Caatinga, gerido por entidade da agricultura familiar
“A gente se sentia envergonhado quando chegava em algum lugar e era chamado de caatingueiro, agora a gente tem orgulho”, revelou Adilson Ribeiro dos Santos, presidente da Central de Comercialização das Cooperativas da Caatinga, durante evento de lançamento do Armazém da Caatinga, em Juazeiro, no norte da Bahia, no último dia 27, um dia antes da data em que se celebra o Dia Nacional da Caatinga.
De frente para o Rio São Francisco, na orla da sexta cidade mais populosa entre os 417 municípios da Bahia, o empreendimento possibilita que consumidores/as que residem ou visitem Juazeiro possam adquirir produtos da agricultura familiar oriundos de cooperativas, grupos e associações rurais da região e de outros territórios do estado, do Semiárido e até de outros Biomas, especialmente Cerrado e Amazônia. O diferencial é que se trata de produtos saudáveis, em sua maioria orgânicos e/ou agroecológicos, que movimentam a chamada Economia Solidária (Ecosol).
Além de loja de produtos, o espaço conta com o restaurante Caatingueiros e área para feira de produtos orgânicos e agroecológicos. O empreendimento está instalado em um prédio construído em 1916, cuja arquitetura da fachada foi mantida e todas as dependências reformadas, feita as devidas adequações e estruturação, um investimento do Governo da Bahia na ordem de R$ 3,4 milhões, com co-financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida).
O evento celebrativo reuniu centenas de agricultores/as familiares, lideranças comunitárias, equipes técnicas das organizações integrantes da ASA, autoridades políticas, imprensa e público em geral e contou com a presença do governador da Bahia. Artistas locais se apresentaram, fechando uma programação de mais de 12 horas de atividades.
“Essa vitrine coloca as Caatingas e os povos das Caatingas em um outro lugar de destaque (…), das potencialidades, das belezas, das capacidades, das riquezas, que podem gerar melhores condições de vida para os povos das Caatingas, do Semiárido e do Brasil”, afirma o coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Cicero Felix. Ele lembra ainda que se trata de valorizar um bioma que só existe no Brasil e que deve ser “reconhecido como patrimônio do povo brasileiro, mais do que isso, deve ser reconhecido como patrimônio da humanidade, porque só existe Caatingas e caatingueiras e caatingueiros aqui, nessa região do Brasil”.
Conquista popular
Durante o ato de inauguração, Adilson Ribeiro rememorou uma época em que a ausência de políticas apropriadas à Convivência com o Semiárido, davam a muitos/as nordestinos/as o título de “flagelados da seca”, atendidos/as por programas emergenciais que entregavam cestas básicas com alimentos vencidos. Mas “saímos de [da condição] receber cestas básicas com produtos estragados, para ser entregadores de cestas básicas de produtos saudáveis”, destacou o agricultor.
A Central da Caatinga, entidade gestora do Armazém, foi criada em 2016 e é formada por 20 cooperativas da agricultura familiar e 27 associações. Se propõe a contribuir com a organização dos grupos produtivos e mediar os processos de comercialização, que acontece a partir do mercado institucional e vendas diretas aos consumidores/as.
A agricultora Jaciara Ladislau, da Associação de Apicultores de Sento Sé (AAPSSE), lembra que esta iniciativa surgiu com a Rede Sabor Natural do Sertão, sendo depois formalizada como Central da Caatinga. Hoje o Armazém representa a realização de “um sonho pra gente enquanto agricultores e agricultoras (…), um sonho que não é de hoje”, relata Jaciara.
O mel e derivados da mandioca são os produtos principais da AAPSE, mas a loja irá vender também derivados do umbu, licuri, milho, leite, palma, tamarindo, sucos, doces e polpas de frutas regionais, destilados, peixes, carnes, artesanatos, dentre outros, em sua maioria produzidos em comunidades rurais, assentamentos, pequenas fazendas, etc.
“O Armazém da Caatinga tá sendo uma possibilidade imensa de valorização da agricultura familiar, de valorização do que as comunidades produzem. É um espaço que visa essa perspectiva de escoar nossa produção, nem se mensura esse valor”, avalia Cristiane Ribeiro, da Associação de Mulheres em Ação da Fazenda Esfomeado (Amafe). Ela e outras mulheres produzem derivados de produtos como a palma, que para ela representa a resistência, “veio com essa perspectiva de empoderamento da mulher”, destaca.
O governador Rui Costa salientou que a administração do espaço será feita por agricultores/as, por ser um espaço pensado para fortalecer este segmento, sendo o Armazém mais uma vitrine da agricultura familiar na Bahia. Informou ainda que nos últimos anos foram investidos dois bilhões e meio na agricultura familiar do estado, através de Programas como o Pró-Semiárido e Bahia Produtiva.
Plano Estadual de Convivência com o Semiárido
A partir de intensos diálogos da sociedade civil com o governo baiano e após aprovação da Lei nº 13.572 de 30 de agosto de 2016, foi publicado no Diário Oficial do estado esta semana o Plano Estadual de Convivência com o Semiárido.
Conforme a lei, convivência com o Semiárido se define por “perspectiva orientadora da promoção do desenvolvimento sustentável do semiárido, cuja finalidade é a melhoria das condições de vida e a promoção da cidadania no campo e na cidade, por meio de iniciativas educacionais, sociais, econômicas, culturais, ambientais e tecnológicas, contextualizadas e adequadas à vida na região”.
O plano conta com os seguintes eixos: Meio Ambiente e Segurança Hídrica; Desenvolvimento Econômico no Campo e na Cidade; Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Inovação; Saúde, Desenvolvimento Urbano e Rede de Cidades; e Igualdade Racial e de Gênero, Cidadania e Assistência Social.
Dentre as diretrizes que orientam a estruturação do plano, estão a promoção do acesso à terra e água, atenção aos biomas e bacias hidrográficas, organização de sistemas produtivos e comercialização, ampliação e fortalecimento da assistência técnica, incentivo à agricultura familiar e economia solidária, valorização da diversidade cultural, promoção da educação contextualizada para a convivência com o Semiárido, fomento a suficiência regional na área da saúde, opção por geração de energia a partir de fontes renováveis alternativas.
Cicero Felix aponta que “este é um grande marco para nós da ASA, nós das organizações da sociedade civil”, uma vez que possibilita “incidir de forma mais ativa na efetivação das políticas públicas que viabilizam a convivência com o Semiárido no estado da Bahia”. Trata-se de um instrumento que já possui orçamento nos Planos Pluri Anuais (PPA) que devem ser executados nos próximos 10 anos. “Esse Plano é uma ferramenta importante de gestão e controle social da política pública de convivência com o Semiárido, que agora está oficializada enquanto política de estado”, finaliza o coordenador da ASA.