Intercâmbio e oficina mostram parte da diversidade de comunidades tradicionais e povos indígenas do Semiárido

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A comunidade quilombola de Serra da Guia, localizada no município sergipano de Poço Redondo, a quase 200 km da capital Aracaju, dá novo significado à qualidade de ser ponto de orientação. Se em tempos antigos era pela serra que as pessoas que haviam fugido da escravidão se orientavam, hoje as pessoas vêm em busca dos caminhos trilhados por Zefa da Guia: parteira, rezadeira e líder da comunidade quilombola que recebe a todos os visitantes com um abraço apertado. Dona Zefa tem atualmente 71 anos e continua atendendo sempre que é chamada. Pelas suas mãos já passaram mais de 5.000 nascimentos, dos quais ela é madrinha de aproximadamente 3.000, e tem orgulho de lembrar que nunca nenhuma criança ou mulher morreu em suas mãos.

“A parteira ali, é ela e Deus. Resguardo para o coração e para o corpo”, explica sobre o ofício que aprendeu observando a mãe. Aos 11 anos Zefa fez o primeiro parto e desde então nunca mais deixou de ser chamada para abrir os caminhos de novas vidas. A conectividade com a vida espiritual, que lhe concedeu o dom de rezar pela cura, Zefa descobriu ainda mais nova, aos 7 anos. Com muita fé e coragem, como a própria Zefa gosta de lembrar, é que ela enfrenta as adversidades da profissão e da luta para o total reconhecimento da comunidade de Serra da Guia como quilombola. Apesar de ainda não ter uma substituta na comunidade, dona Zefa não guarda segredo sobre suas rezas. “Minha reza é pra Deus ver, o mundo contar e você aprender. Pra você saber o que eu tô rezando. Não acredito muito em reza de cochicho, só se for quando a gente reza antes de dormir”, afirmou a rezadeira.

Dona Zefa se formou pela necessidade e pela solidariedade, como lembra o também quilombola Manoel Belarmino. São esses princípios que regem o coração e a mente de Zefa da Guia, que nunca cobrou por reza ou parto. Durante a visita de intercâmbio do IV Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores, no dia 7 de junho, participantes do Ceará, Minas Gerais, Piauí, Alagoas e Rio Grande do Norte se encantaram com a sabedoria de dona Zefa. O jovem Jonas Oliveira Santos, do assentamento Veredas Vivas, localizado no município de Rio Pardo (MG), destacou a importância da troca de conhecimento entre gerações. “É importante essa conversa entre o pessoal mais jovem com os mais velhos. Isso faz a gente perceber a importância das coisas e faz com que os laços com a sua região se fortifiquem. Isso é cultura que deve ser valorizada, que deve ser passada pra frente”, explicou.

Oficinas Temáticas

Durante oficina temática agricultoras/es refletem sobre realidade de comunidades tradicionais e povos indígenas do Semiárido | Foto: Amanda Sampaio

Na manhã de hoje, 08, as comunidades tradicionais e os povos indígenas continuaram como pauta nas oficinas temáticas que reuniram agricultoras e agricultores que participaram dos intercâmbios de experiência na comunidade indígena de Xokó e nas comunidades quilombolas da Serra da Guia e Sítio Alto. As oficinas trouxeram as impressões dos participantes sobre cada experiência, além dos desafios e perspectivas para as comunidades tradicionais e povos indígenas do Semiárido.

Para Josefa Santos, do Quilombo do Sítio Alto, localizado em Simão Dias, receber gente de tantos locais do Semiárido foi uma grande felicidade. “Eu mesma me senti bastante feliz. A ASA pra mim é uma força que acendeu no nosso povoado. Quando a gente recebe uma visita assim a comunidade se fortalece. Eu sou uma pena da ASA, eu sou da agroecologia”, contou.

A agricultora Valquiria Severina dos Santos, do MMTR/PE, ficou comovida como o modo que a comunidade recepcionou os visitantes: tudo era motivo de muita música, dança de roda e alegria para celebrar a partilha do conhecimento. A agricultora fez até uma poesia sobre o intercâmbio que compartilhou durante a oficina.

“Tamanha experiência a se contar
Mas venho aqui falar
A experiência que fui visitar
Foi uma riqueza para meu caminhar
Pois sou agricultora que preciso me fortificar

A dona Josefa que aqui está é uma guerreira
Que está na luta para guerrear
Dona Josefa sua comunidade quilombola
É uma resistência da História
Que contribui, vivencia…”

A oficina ainda trouxe a experiência da agricultora cearense Margarida da Hora, da região da Chapada do Araripe, que trabalha com o extrativismo do pequi, mangaba, fava branca, cambuí, imbiriba, e luta pelo reconhecimento das comunidades extrativistas da região. Entre os desafios e perspectivas levantados pelos agricultores/as experimentadores na oficina foram destaque temas como a assessoria técnica contextualizada, a garantia da participação das mulheres nos espaços de forma mais efetiva, o fortalecimento da participação da juventude, a educação contextualizada nas escolas do campo e a multiplicação para as comunidades do conhecimento gerado em espaços como o IV Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores.

 

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