Trabalhadores e trabalhadoras do Semiárido na luta por direitos e em defesa da Democracia no 1º de Maio

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As emergências das ruas foram o berço dos protestos e críticas às estruturas patronais que culminaram no Dia do Trabalhador. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 ratificou a Consolidação das Leis Trabalhistas dos anos 1940 e congregou de forma mais ampla o reconhecimento dos direitos, como jornada de trabalho de 44 horas semanais, acesso à previdência social e piso salarial. Em 2016, o 1º de Maio se torna, mais do que em anos anteriores, um momento simbólico para enfatizar os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras diante da conjuntura política – uma data para que as ruas mostrem mais uma vez sua tradição contra a diminuição das conquistas alcançadas no Brasil.

Na iminência de um impeachment da presidenta eleita pelo voto direto, Dilma Rousseff (PT), a Frente Brasil Popular marcou em vários estados uma Marcha Popular em Defesa da Democracia para o 1º de maio (neste domingo, às 9h), em onze estados, em especial nas capitais. A Frente é formada por várias organizações, sindicatos, centrais sindicais, partidos e pessoas que se posicionam contrárias ao golpe parlamentar das bancadas de direita em curso. A Frente não reconhece o movimento encabeçado por políticos envolvidos em corrupção e processados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que se beneficiam diretamente da linha sucessória em caso de impedimento do governo.

“Nossa grande bandeira é a democracia”, declara Paulo Mansan. | Foto: Arquivo Pessoal

“Se houver uma mudança no governo, isso se configurará um golpe para 54 milhões de brasileiros. O ajuste fiscal virá e essa ‘bola’ vai estourar com redução de direitos e cortes nos programas sociais. É um retrocesso, e não queremos voltar a 1964. Esperamos mobilizar a classe trabalhadora contra essa redução. Nossa grande bandeira é a democracia”, declara o representante da coordenação do MST/PE, Via Campesina e do Acampamento Popular Permanente em Defesa da Democracia, Paulo Mansan.

A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) integra a Frente Brasil Popular em vários estados e vem participando de uma série de ações, dentre elas, o lançamento de uma edição especial para o Semiárido do jornal Brasil de Fato. Um dos lançamentos acontecerá nesta quinta (28), a partir das 19h, no acampamento instalado pela Frente Brasil Popular de Pernambuco e pela Frente Povo Sem Medo, no Recife (Praça do Derby, área central da capital pernambucana). A ASA também apoiará a instalação de comitês da Frente em municípios do Semiárido.

A ASA se posiciona em favor da democracia e contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Em carta política publicada depois da votação que permitiu a continuidade do processo na Câmara dos Deputados, a Articulação declarou que “este processo é preocupante porque, ao se implementar o que está sendo anunciado (mais arrocho, cortes de programas sociais e diminuição de direitos), pode-se estar transformando o Brasil em um país mais injusto, mais excludente e discriminatório para as pessoas.”

Acampamento Popular Permanente em Defesa da Democracia. | Foto: Frente Brasil Popular de Pernambuco

O coordenador da ASA pelo estado de Sergipe, João Alexandre Neto, avalia que o possível impedimento do governo Dilma pode cessar a mudança de um regime histórico de exceção às populações mais pobres. “O último dia 17 de abril nos mostrou como pensa a ala conservadora da Câmara. É uma ameaça aos direitos dos trabalhadores. O governo que foi eleito de forma legítima por 54 milhões de pessoas, um governo com cheiro de povo, pode ser derrubado e, com isso, termos portas abertas para um cenário voltado ao retrocesso de direitos e à miséria. Além disso, tomando como exemplo o estado de Sergipe, vários deputados do Nordeste votaram contra o Brasil que os elegeu”, observa.

No estado de Sergipe, deputados como Valadares Filho (PSB) e Adelson Barreto (PTB) foram apoiados e se elegeram por eleitores e eleitoras com ideologias de esquerda, através dos movimentos sociais. No entanto, tomaram proveito das camadas populares e depois votaram a favor do impeachment.

Povos do Semiárido veem no Impeachment retrocesso de direitos conquistados para a região

A história guarda nos livros o passado de seca, fome, lata d’água na cabeça, saques a armazéns, frentes de emergência e miséria no Semiárido brasileiro. Resultados de uma política baseada numa gestão excludente, onde os mais necessitados eram esquecidos. Lembrados somente no momento de dar o seu voto nas urnas para eleger políticos. Para haver a mudança foi necessário o povo ir às ruas, ocupar espaços, ir à luta para conquistar direitos e a dignidade negada no percurso de mais de 500 anos de trajetória política, econômica, social e cultural no Brasil.

A mudança de cenário para a região Semiárida vem ocorrendo nos últimos 15 anos, quando as populações da classe trabalhadora conseguiram concretizar sonhos e transformá-los em políticas públicas governamentais. Entre as conquistas pelos movimentos sociais, a partir de diálogo permanente com o governo federal, veio: Bolsa Família, Garantia Safra, Bolsa Estiagem, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Minha Casa Minha Vida, a assistência técnica agroecológica, Programa Água para Todos – este último congrega os programas Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Uma Terra e Duas Águas (P1+2), executados pela ASA em parceria com o Governo Federal.

Os programas de transferência de renda, habitação e crédito se tornaram um conjunto de conquistas e investimentos que só fortaleceram o novo cenário do Semiárido. Com ações em educação, homens, mulheres e jovens passaram a ter condições de permanecer no campo, acessando às políticas de interiorização de universidades, institutos federais e cursos técnicos.

Para João Alexandre, “as políticas públicas para o acesso à agua, que possibilitaram projetos como o de implantação de cisternas no Semiárido, construíram as condições necessárias para a permanência no campo, criando um sentido oposto às migrações das décadas anteriores. As pessoas agora vêm da cidade. As famílias passaram a ter água para o consumo e água para produção e trabalho. O campo foi valorizado e isso só reforçou nas famílias o sentimento de orgulho do seu lugar e da sua identidade.”

Há bem pouco tempo, o país também saiu do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, o golpe contra a jovem democracia, neste momento de crise política e econômica, ameaça todos esses direitos já conquistados. Caso o Impeachment seja aprovado e a presidenta eleita pelo voto direto seja deposta, significará retrocesso no projeto de convivência com o Semiárido, e consequentemente ameaça aos direitos como terra, água, saúde, educação, comunicação, etc, para as pessoas do campo e da cidade.

Instalação de cisternas no Semiárido. | Foto: Bruno Spada

“Não foi fácil à conquista da democracia e quem vai sofrer primeiro somos nós, os pequenos. Mas a gente precisa acreditar, se fortalecer e multiplicar o que já foi feito. Precisamos entender o que mudou na história do país. Não foi pouca coisa. Temos aí o PRONAF, Bolsa Família, P1MC, P1+2. Essas conquistas trazem autonomia, igualdade, sustentabilidade e discussões importantes como sobre os direitos das mulheres”, avalia a agricultora familiar e diretora do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Solânea, no Semiárido paraibano, Maria do Céu Silva Batista de Santana.

Aos 37 anos, mãe de dois jovens que estão vivenciando pela primeira vez essa situação de crise no país, a agricultora acredita que o golpe contra a democracia é uma ameaça para direitos básicos e universais, já garantidos pela Constituição brasileira, como o acesso à água e a conquista da terra. “Esse governo, nos últimos 15 anos, tem dado oportunidade da gente dialogar, principalmente para os mais necessitados. As pessoas que estão contra esse governo são as que nunca deram oportunidade de dialogarmos e nem de termos políticas públicas garantidas. Hoje não estamos bem representados na Câmara dos Deputados, principalmente na Paraíba. Estamos passando um momento muito difícil, mas somos pessoas de luta”, afirma.

A ameaça ao Semiárido vem, principalmente, da bancada ruralista da Câmara dos Deputados, que fomenta e se beneficia do agronegócio no país. Entre as razões está a votação do projeto de lei 3200/2015, que pretende por um fim na Lei dos Agrotóxicos. De autoria do deputado federal Covatti Filho (PP-RS), a proposta é criar a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários para alterar o nome dos agrotóxicos para “defensivo fitossanitário e ambiental” e retira do Ibama e da Anvisa o controle do registro de agrotóxicos, deixando essa função a cargo apenas do Ministério da Agricultura. Além disso, permite mais agrotóxico para legumes e verduras.

Cenário da oposição – Dentro da esfera que envolve o vice-presidente Michel Temer (PMDB) está a bancada BBB – que se refere às Bancadas do Boi (ruralistas), da Bala (policiais, apresentadores de programas sensacionalistas sobre crime e financiados pela indústria armamentista) e da Bíblia (fundamentalistas cristãos). Essas bancadas parlamentares, formadas por coligações de oposição às ideologias de centro-esquerda, defendem a permanência da idade penal de 16 anos, a alteração no Estatuto do Desarmamento (de modo que seja mais permissivo o porte civil de armas), o Estatuto da Família (sob o Projeto de Lei 6583/13, que negaria na Constituição a diversidade de formações familiares no Brasil, como as homoafetivas ou monoparentais) e a demarcação de terras indígenas nas mãos do Congresso (e, assim, nas mãos dos ruralistas – que são contrários a mais territórios).

Todas essas pautas se tornam, ainda, ‘moeda de troca’ para mudanças trabalhistas, como terceirizações mais amplas e o fim da soberania da Consolidação dos Direitos Trabalhistas sobre acordos patronais, defendidas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – a FIESP, outra aliada do vice-presidente.
Michel Temer defende abertamente o programa realizado e lançado pelo PMDB, “Uma Ponte para o Futuro”. Trata-se de um conjunto de proposições que tenta organizar o orçamento público através do fim de subsídios fiscais, revisão na abrangência de programas sociais (inserindo tetos ainda mais baixos para acesso ao Bolsa Família, por exemplo), mudanças na concessão de bolsas de estudos do PROUNI e FIES (tornando-as mais restritas) e até alternativas para tornar o SUS (Sistema Único de Saúde) “mais eficiente”, o que pode significar uma privatização de parte do sistema. Há também negociações para desvincular benefícios dos reajustes do salário mínimo, como é o caso da Previdência, e anular a obrigação constitucional de gastos com Saúde e Educação, o que enfraqueceria a aplicação das políticas públicas para as duas áreas.

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