Debates sobre mudanças climáticas e lutas por terra, justiça e trabalho marcam o início da VI Semana Zé Maria do Tomé

A cada 21 de abril se firma um novo ciclo de significados na luta pela terra e pela água no território da Chapada do Apodi. Parte do cotidiano de milhares de famílias na região entre os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, a disputa pelos direitos básicos ganha novos contornos. Zé Maria do Tomé era assassinado nesta data, no ano de 2010, quando sua voz de incômodo e denúncia contra a dominação e contaminação das terras e das águas se estabeleceu como um problema para a atuação das empresas de fruticultura.
Desde o início dos anos 2000, a disputa das empresas com pequenos agricultores pelos perímetros irrigados do Jaguaribe/Apodi configurou uma série de violações que se mantém e se expandem conforme novos territórios são apropriados. A dinâmica de instalação das empresas leva à expulsão das famílias de suas terras tanto pela pressão econômica do agronegócio, quanto pela devastação dos meios de sobrevivência. A contaminação dos solos e das águas com o uso intensivo de agrotóxicos é uma das principais causas. A prioridade de abastecimento hídrico para os cultivos de fruticultura dos grandes em detrimento da garantia de água para o consumo da população também caracteriza esse conflito.
A primeira Semana Zé Maria do Tomé aconteceu um ano após o seu assassinato. Em seu sexto ano, a semana se faz para “dar continuidade às questões que ele denunciava”, demarca a geógrafa Bernadete Freitas para frisar a importância do momento.
Refletindo sobre novos e velhos desafios
A Semana teve suas atividades iniciadas ainda no domingo (17/04) com missa e ato político em memória dos 20 anos do massacre de Eldorado dos Carajás e dos recentes assassinatos de dois integrantes do Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado do Paraná. Eldorado dos Carajás também foi lembrado em exposição instalada em frente ao auditório da Fafidam, onde se concentram as atividades da VI Semana Zé Maria.
Na segunda-feira (18/04), a professora Gizeuda Freitas (IFCE/Limoeiro) apresentou sua pesquisa acadêmica de mestrado sobre a presença do herbicida glifosato no ar do município de Limoeiro do Norte. Químico fabricado pela Monsato e proibido em diversos países, o Round Up – como também é conhecido – é apontado como agente potencialmente causador de câncer em pesquisa de 2015 da Agência Internacional para a Pesquisa, órgão ligado à Organização Mundial de Saúde (OMS). E o Brasil não só libera a comercialização e uso do veneno como é o país que mais consome agrotóxicos no mundo.
Os agrotóxicos também foram tema de debate em videoconferência com os jornalistas Melquíades Júnior e Waleska Santiago sobre o filme Sweet Venom (Doce Veneno). O vídeo faz parte de um projeto que se pretende transmídia e que quer se configurar como campanha de alerta e difusão de informação sobre os impactos do uso de agrotóxicos para a saúde humana. Poder aproximar a realidade das comunidades que sofrem os impactos diretos no território de produção das frutas produzidas pelo agronegócio ao olhar das pessoas que consomem esses produtos nos EUA e nos países da Europa é o grande objetivo dessa empreitada.
Outro assunto de interferência direta na garantia do direito à terra e à água foi tema de palestra na noite de segunda-feira: as mudanças climáticas. O professor de Física da Universidade Estadual do Ceará, cientista do clima e ativista do movimento Ceará no Clima, Alexandre Araújo Costa, expôs de forma aprofundada a preocupante e complexa situação do aquecimento global. Ele é consequência dos impactos ambientais causados pelas formas humanas de exploração dos bens naturais e dos padrões de consumo que adotamos desde o início do período industrial, agravadas nas últimas décadas pelo sistema neodesenvolvimentista. “Estamos abrindo chagas na terra pela mineração, que produzem crimes como a tragédia de Mariana e Rio Doce. (…) O sistema humano de produção não cabe mais na biosfera terrestre”, afirmou Alexandre. A humanidade já utilizou 75% da área agricultável e barrou 2/3 do volume de água doce de todo o planeta. Nessa lógica devastadora alcançamos ainda em 1988 o limite de gás carbônico na atmosfera: 350 partes por milhão. Mas Alexandre Costa alerta, “não somos igualmente responsáveis. O que emitiu Zé Maria e cacique Daniel Pitaguary e suas famílias em toda as suas vidas, não é o mesmo que emitiu o empresário Eike Batista”.
Compreender a responsabilidade do poder público é essencial nesse contexto. No Ceará, por exemplo, o tipo de geração de energia adotado, como a queima dos combustíveis fósseis, colocou o estado na segunda posição do ranking brasileiro de maior emissor de gás carbônico. O governo sustenta esse modelo com a redução do valor do consumo da água para as indústrias de energia, por exemplo. Outra medida preocupante pode ser adotada nos próximos meses: a redução de ICMS para essas mesmas indústrias. A pergunta urgente que nos confronta é: o que fazer?
Diante desse cenário o diálogo e o estreitamento dos laços de luta entre as populações do Ceará e do Rio Grande do Norte impactadas pelo agronegócio são caminhos que a Semana Zé Maria proporciona. Intercâmbios e formações tem sido algumas das estratégias para lidar com esse desafio comum. Na noite de terça-feira (19/04), uma mesa sobre “Justiça, Terra e Trabalho no contexto da Chapada” foi dividida entre Eduardo Sousa, militante do MST Ceará que reside no território, e Agnaldo Fernandes, do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi/RN. “O agronegócio representa a violação do direito à vida”, sentencia Eduardo. Sua fala foi marcada pela denúncia das recentes investidas de ameaça contra o acampamento Zé Maria do Tomé, formada nos perímetros irrigados desde 2014. Agnaldo, por sua vez, lança esperança através do trabalho de envolvimento da população das comunidades de Apodi com a construção da cartografia social dos territórios. A luta pelos direitos, e em essência a garantia do chão onde se vive, trabalha e se anseia por dias melhores, só é possível através do povo que se identifica com a sua própria história. “E a justiça, Agnaldo?”. A justiça “é respeitar a forma de vida de cada um”, finaliza.
Para acompanhar as notícias sobre a Semana acesse as fanpages da Cáritas Regional Ceará e da Cáritas Diocesana de Limoeiro.