Pela Verdade, Memória e Direitos dos Povos do Semiárido brasileiro.
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Em 1985 se encerrou oficialmente no Brasil o período da Ditadura Militar. O que significou o desejo de muitos que os acontecimentos do período ficassem para trás. A Lei de Anistia Geral de 1979 era geral e irrestrita, o que configurava um “perdão político” não só aos que foram perseguidos pelo regime, mas também aos militares e torturadores. Contudo, ao longo do tempo, muitos movimentos pressionavam para apuração das graves violações dos Direitos Humanos cometidos pelo Estado. Somente em 2012 é instituída a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que tinha como objetivo apurar graves violações de Direitos Humanos cometidos pelo Estado. Dois anos depois, em dezembro de 2014 a CNV apresentou a sociedade brasileira o seu relatório final.
Em Minas Gerais existe desde 2013 a Comissão da Verdade de Minas Gerais (Covemg), instituída pela Lei 20.765. Em seu relatório, a Covemg afirma ter por finalidade: “acompanhar e subsidiar a Comissão Nacional da Verdade, nos exames e esclarecimentos sobre as violações de direitos fundamentais, bem como de proceder às mesmas atividades no âmbito estadual”. Após o seu primeiro ano de atividades, a Covemg apresentou o relatório parcial onde destacou seis casos de violações no campo. Seu posicionamento é de “resgatar a memória daqueles que perderam suas vidas ou foram perseguidos pelas causas coletivas na luta pela terra e por direitos sociais e de organização e que, de alguma forma, foram silenciados pelo regime militar e seus aliados”. O esforço da Covemg é fundamental para dar visibilidade e consequentes reparações às memórias e histórias da luta pela terra.
Para dar força a esse trabalho e ampliar consideravelmente a apresentação dos casos, militantes sociais, organizações sociais sem fins lucrativos, professores/as universitários/as e outros segmentos sociais concentraram energia para a criação da Comissão Verdade e Memória do Grande Sertão. Essa comissão tem intenção de averiguar casos de violação dos direitos humanos na região norte de Minas Gerais e assim incluir povos e comunidades tradicionais nesse resgate de memória e de violações também sofridas. O objetivo é fortalecer as ações que a Covemg já faz e trazer novas narrativas.
A Comissão Verdade e Memória do Grande Sertão já iniciou seus trabalhos a partir da dinâmica de grupos de trabalho, que investigam conflitos rurais, como casos de violação de direitos territoriais, assassinato de lideranças rurais, perseguições e outros. A Comissão do Grande Sertão também apura informações sobre violação de direitos de mulheres e de famílias, faz o levantamento de espaços públicos cujos nomes homenageiam casos em que pessoas ligadas à Ditadura Militar. Também faz parte das responsabilidades da Comissão, incitar a criação de espaços públicos de memória, propor diálogos com a sociedade e, por fim, analisar a cassação de direitos políticos, de grupos militantes e personalidades políticas.
Não ao silêncio – Em agosto deste ano, na Câmara Municipal de Montes Claros, aconteceu uma audiência pública que instituiu a Comissão Verdade e Memória do Grande Sertão. Participaram da ocasião os membros da Covemg, representantes da Secretaria de Direitos Humanos e Participação Social e da sociedade civil organizada: universitários, professores e movimentos sociais. A audiência pública ouviu pessoas que sofreram ou testemunharam violação dos Direitos Humanos na região.
A audiência contou com muitos depoimentos. Na grande parte das falas, o passado e o presente se encontraram, devido ao sentimento de indignação dos depoentes quando relatavam a omissão do Estado em resolver, ainda hoje, conflitos rurais. Um dos depoimentos que mais chamou atenção foi o de um senhor de 85 anos de idade, Ursulino Pereira Lima, mais conhecido como seu Sula, morador da comunidade quilombola de Cachoeirinha, no município de Verdelândia (MG).
Segundo seu Sula, “chegaram alguns homens de fora, deu as terras em que vivíamos para um homem chamado Georgino, que despejou todo povo dali”. Afirmou ainda que, “depois que Georgino chegou com a polícia para tirar as pessoas da terra, o povo resolveu lutar. Naquele período, o povo dizia, nós queremos terra para plantar. Se for pra morrer de fome, nós vamos morrer de tiro. Quer matar? Mata!”. Outro caso emblemático, foi o depoimento do Indígena Xakriabá Hilário Bispo. Ele relatou o caso ocorrido no seu indígena, em que vitimou uma liderança. “Ele dizia que a morte preparada para ele não seria comum, seria uma emboscada. Dizia que não sairia da terra”. O senhor Hilário relatou que a liderança Rosalino Gomes foi assassinado, junto com outras pessoas da família, porque lutavam pelo direito de permanecer no território.
Para desvendar essas e outras histórias que estão no silêncio foi constituída a Comissão Verdade e Memória do Grande Sertão. Sem dúvida que a atuação do Estado, durante a Ditadura Militar, nos Sertões brasileiros foi nefasta. Ora por omissão, ora por ações que desqualificavam os modos de vida. Investigar o passado é uma forma a garantir que os mesmos erros não aconteçam no futuro. A função social do passado é de construir um presente e futuro melhor. Acreditando nisso a Comissão Verdade e Memória vem desenvolvendo suas ações. Que essas ações se espalhem pelo Semiárido.
Maria Tereza Queiroz, advogada e coordenadora da Comissão, informou que: “A ditadura militar foi um dos períodos históricos mais nefastos e opressores da nossa história. Isso deixou marcas não só históricas, mas políticas, haja vista que a ditadura militar colocou em prática políticas que, dentre outras questões, expropriaram e mataram camponeses em nome da “revolução verde”, mecanização do campo e privilegiou o latifúndio, a monocultura e o grande capital, principalmente a partir da década de 1970. Essa política se reflete ainda hoje na concentração fundiária, no não reconhecimento dos territórios dos povos e comunidades tradicionais que foram expropriados. Por isso, a Comissão tem papel primordial na efetivação de direitos humanos”.