Interação com famílias agricultoras fortalece interesse do jovem pelo Semiárido

Cada participante do Projeto ComJovens, realizado no Alto Sertão Sergipano, visitou quatro famílias para sistematizar experiências de convivência com o Semiárido
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O projeto é uma parceria do CDJBC e Projeto Semear | Foto: Manuela Cavadas – Projeto Semar

“Eu tinha vontade de ir embora, mas hoje quero morar no campo, ter uma horta”. A afirmação é de Gilmagna Ferreira de Melo, de 24 anos, moradora de Monte Alegre (SE). A jovem aponta um motivo para a mudança de planos: desde meados de 2014 se dedica a conhecer estratégias de convivência com o Semiárido a partir de visitas a famílias agricultoras da região. Esse encontro, entre jovens e agricultoras e agricultores do sertão, é possível graças ao Projeto ComJovens – Formação de Jovens Comunicadores (as) e sistematizadores (as) do Alto Sertão sergipano.

Se essa dobradinha dá certo? Para o agricultor experimentador Alcides Ferreira dos Santos, a sensibilização de jovens para os cuidados com a Caatinga e para a necessidade de apostar em estratégias sustentáveis de convivência com o Semiárido era um sonho antigo. “Eu já vivia pensando na importância de uma movimentação para envolver o jovem na agricultura familiar, na agroecologia.  É importante investir nesse jovem, prepará-lo para cuidar da terra e ensinar as vantagens de conservar natureza”, diz.

Alcides fala com propriedade: é pai de Michele, que integra o ComJovens, e vê de perto que muita coisa mudou. Quem conta é a própria jovem: “Eu não gostava do campo. Olhava o meu pai trabalhando, mas nunca tive interesse. Com o contato com as famílias agricultoras, fui conhecendo mais de perto a vida delas e acabei pegando gosto”, conta.

Michele diz ainda que pensava em fazer faculdade de Arquitetura. Agora, já estuda a ideia de cursar Agroecologia ou Ciências Biológicas, por exemplo. Na propriedade do pai, onde vive, em Lagoa do Roçado, no município de Monte Alegre, ela tem a oportunidade de saber ainda mais sobre o funcionamento de várias tecnologias de convivência com o Semiárido: cisterna calçadão, mandala, hortas consorciadas, banco de sementes crioulas, barragem subterrânea e biodigestor são algumas das estratégias adotadas pela família.

É o biodigestor, inclusive, a tecnologia que mais chama a atenção da jovem que sistematizou a experiência de seu Alcides, Karla Amoni Ferreira Santos, de 19 anos. “O biodigestor é incrível e simples. Água e esterco geram gás, que é uma coisa cara”, diz. Ela, que não esconde seu amor pela Caatinga, conta que algumas pessoas dizem: vá para cidade, menina! A resposta, ela tem na ponta da língua: “Eu amo viver aqui. Não me vejo fora da Caatinga.”, frisa.

Para Karla, o principal desafio de viver no Semiárido é conviver com a estiagem. Por isso, destaca a importância da cisterna na vida de quem mora no sertão. Ela conta ainda que com o ComJovens aprendeu a valorizar a região onde vive e a história de vida de agricultoras e agricultores, além de entender por que é preciso respeitar o meio ambiente, coisa que seu Alcides não abre mão.

Um vai aprendendo com o outro. Assim se constrói o conhecimento, acredita Karla. Seu Alcides, garante, pôde constatar, a partir da experiência com a jovem, que realmente nasceu para trabalhar com o campo e viver na Caatinga. Dali não quer sair.

O ComJovens agrega 24 jovens | Foto: Manuela Cavadas – Projeto Semar

Para Flávio Henrique Sousa Costa, 18 anos, o que aprendeu durante as sistematizações das experiências de famílias agricultoras vai perdurar com o passar do tempo. “É importante para o nosso futuro. Vai ficar para sempre guardado na memória da gente. Vamos chegar lá na frente e dizer: eu aprendi com o ComJovens.”

Na comunidade Lagoa das Areias, também em Monte Alegre, a agricultora Clésia de Meneses recebeu a visita de Flávio em sua propriedade para mostrar como lida com os desafios do campo. Filha do agricultor experimentador Carlos Soares de Menezes, conhecido como Seu Carilhos, Clésia é um exemplo de protagonismo feminino. Já participou de cursos, oficinas e intercâmbios, além de estar à frente de algumas iniciativas na comunidade onde vive – ajudou, por exemplo, na marcação de várias cisternas da vizinhança. Busca por conhecimento e proatividade não faltam na trajetória de Clésia. “Valorizo o trabalho do agricultor. O que seria da gente sem ele?”, questiona.

Tanto amor pelo campo contagia Flávio: “Tudo valeu a pena. Conheci a luta dessas pessoas para sobreviver, percebi o cuidado com a terra. Hoje enxergo o Semiárido com outros olhos”, diz o jovem, que já é apicultor.

Assim como Gilmagna, Michele e Flávio, Romário Moreira, de 20 anos, conta que sua experiência no ComJovens foi muito positiva: “Não sabia antes o que era agroecologia. Aprendi também a importância de cuidar e preservar a natureza”. O que mais chamou sua atenção na família que visitou, em Nossa Senhora da Glória, também Semiárido sergipano, foi o amor do agricultor José Augusto da Costa pelo campo e a possibilidade de ter qualidade de vida no sertão  a partir do uso das estratégias de convivência. Entre elas, cisterna calçadão, horta, criação de animais e produção com sementes crioulas.

Questionado sobre os planos para o futuro, Romário diz que pode até fazer faculdade fora, mas o desejo é retornar para a Caatinga para seguir a vida por lá.

A iniciativa, fruto da parceria entre o Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC) e o Programa Semear, está na reta final. Os jovens concluíram o período de visitas e estão finalizando as sistematizações das experiências visitadas, que devem gerar uma publicação. No total, participam da iniciativa 24 jovens, moradores do Alto Sertão sergipano, com idade entre 18 e 29 anos.

O ComJovens

O Projeto ComJovens – Formação de Jovens Comunicadores (as) e sistematizadores (as) do Alto Sertão sergipano busca contribuir para a participação de jovens em práticas de convivência com o Semiárido, por meio de atividades de comunicação e sistematização de experiências vivenciadas por famílias locais a partir da implantação do Programa Uma Terra e duas Águas (P1+2), que integra o Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido da ASA – Articulação no Semiárido Brasileiro.

A partir do trabalho de sistematização feito pelos jovens, pretende-se registrar práticas agroecológicas e de uso e armazenamento de água que contribuam para a produção sustentável, para a geração de renda e a segurança alimentar no Semiárido.

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