Pelo direito de ir à escola, brincar e ser criança no Semiárido

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No Ceará, Nadine mostra desenho que coloriu durante curso de GRH | Foto: Ricardo Wagner / Arquivo: Obas

Como é ser criança no Semiárido? Para as crianças que acompanham suas famílias nos cursos de Gerenciamento de Recursos Hídricos (GRH) dentro do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), os desenhos refletem suas vidas no arredor de casa: os animais, as plantas, seus irmãos e irmãs e outros parentes. Elas participam das atividades no GRH tanto opinando sobre a questão da dificuldade com a água e o acesso, como através de desenhos e músicas.

“As pessoas ficam falando que tem que cuidar da natureza, mas eu vejo muita gente gastando água, queimando a natureza. A gente tem que ter cuidado pra não jogar lixo na rua porque ele vai para os rios. E a gente tem que saber que a comida que é plantada não deve ter veneno, porque faz mal pra saúde e pra natureza”. Essa é a opinião de Marcus Levy, de oito anos, que participou da Oficina Água e Consumo Consciente, que a Organização Barreira Amigos Solidários (Obas) realizou no município de Barreira, no Ceará, no início do ano.

No município, a organização busca realizar oficinas com as crianças cujas famílias participam do GRH. Nas oficinas, utilizam vídeos, brincadeiras, desenhos, teatro e até um coral.

Para além do universo lúdico, porém, se sabe que garantir os direitos de ser criança é mais complexo. A questão da escolarização é um dos desafios postos. A educação não-contextualizada para convivência com o Semiárido e a ainda presente a exploração do trabalho infantil são aspectos que afastam as crianças, desde bem pequenas, do acesso a um de seus direitos fundamentais, que é a educação.

“Embora muita coisa venha sendo feita, há muito mais por fazer, para que as crianças e adolescentes tenham seus direitos garantidos. A invisibilização do trabalho infantil no mundo doméstico continua adultizando meninas e as condenando a uma vida sem direito a frequentar escola, brincar e ser criança”, afirma Maria Vandalva, coordenadora pedagógica do Movimento de Organização Comunitária (MOC).

Marcus Levy, um dos participantes da oficina no Ceará | Foto: Ricardo Wagner / Arquivo: Obas

Uma das frentes de trabalho do MOC é a defesa dos direitos de crianças e adolescentes e, de acordo com Maria Vandalva, a organização tem buscado, dentro do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (Cedca) e do Comitê Estadual do Pacto por um Mundo Melhor para a Criança e o Adolescente do Semiárido, fortalecer a defesa dos direitos desses sujeitos na proposição de políticas públicas a eles direcionadas.

Ainda segundo ela, é preciso articular muita gente, vontades e forças para “superar a cegueira infanto-juvenil nos orçamentos públicos e ter uma rede de agentes do sistema de garantia de direitos funcionando, pois disso depende a construção de um Semiárido mais justo e solidário, onde a criança tem o direito a ter direitos”.

Assim como o MOC e a Obas, outras organizações que compõem a ASA desenvolvem projetos voltados para a infância. Em Pernambuco, a organização Caatinga realiza, com o apoio da ActionAid, o projeto Comunidade e Criança Construindo Vínculos Solidários em 64 comunidades nos municípios de Parnamirim, Ouricuri, Trindade, Granito, Bodocó, Santa Cruz e Santa Filomena.

O projeto envolve crianças entre três e 14 anos que são cadastradas e estão sendo beneficiadas através de trabalhos feitos com suas famílias como implantação de tecnologias de convivência com o Semiárido. As atividades acontecem em sala de aula, em que os professores e professoras, primeiro, são sensibilizados para o tema e, depois, discutem os temas com as crianças. Ao final, os meninos e as meninas escrevem uma cartinha para o amigo ou amiga, que são adultos\as que se envolvem no projeto por meio de apadrinhamento. O último tema trabalhado foi o das sementes.

Crianças desenvolvem tema Água e Consumo Consciente | Foto: Ricardo Wagner / Arquivo: Obas

“São 1.300 crianças envolvidas no projeto, mas, na prática, muitas outras se agregam nas atividades, pois o nosso propósito é incluir e não excluir. Portanto, se chegamos numa comunidade em que o Caatinga atua com o projeto e outras crianças estão presentes, todas se agregam à ação que é, na verdade, uma ação de infância integrada a todos os projetos realizados pelo Caatinga”, explica Antônia Gomes, a Maninha, coordenadora do projeto.

Já em Sergipe, o Projeto Brincadeiras de Roda começou há dois anos, na comunidade de Areal II, no município de Simão Dias. A iniciativa surgiu após os processos de mobilização das famílias para participar do P1MC.

Durante as formações, a Sociedade de Apoio Socioambientalista e Cultural (Sasac) identificou um alto número de crianças que acompanhavam seus pais e suas mães nesses momentos. A Secretaria Mais Mulher, da Sasac, definiu, então, um projeto tendo como público-alvo as meninas de Areal. A ideia é resgatar as cantigas de roda e as cirandas a partir das questões de gênero. “Embora o grupo seja amador, já fez diversas apresentações na sede do município”, diz Daniela Bento, comunicadora popular da ASA que também está à frente dessas iniciativas.

Projeto Brincadeiras de Criança anima comunidade em Sergipe | Foto: Daniela Bento / Arquivo: Sasac

“A Sasac ao longo dos anos vem trabalhando diversos trabalhos de apoio à infância rural. Nesse sentido, já trabalhamos os projetos Poesia Brincada, Reflorestando o Imaginário Infantil com as Lendas Populares e Reciclando e Brincando. Atualmente, nosso foco tem sido no incentivo à leitura e resgate de cirandas de rodas. Para isso, reinauguramos a biblioteca e estamos com o projeto de círculos de leituras nas comunidades”, diz Daniela.

Em outra ação ligada à infância que a instituição realiza em mais cinco comunidades do Semiárido (sendo três do Sertão Ocidental e duas no Alto Sertão Sergipano), a previsão é que 500 crianças, entre meninos e meninas, participem da brincadeira. Realizada sempre na Semana do Dia da Criança, há cinco anos, o Momento Criança reúne contação de histórias e brincadeiras que são do universo das próprias comunidades, como corrida de saco, corrida do ovo e quebra-garrafa, envolvendo crianças de 0 a 13 anos de idade.

Nessa semana também são distribuídos livros e brinquedos arrecadados em campanha solidária para a criançada das comunidades Caraíbas de Baixo, Laginha e Areal II no município de Simão Dias; Cachoeirinha II, no município de Gararu e Assentamento Pioneira, no município de Poço Redondo. Daniela Bento explica que, ao receber as doações, é sempre lembrada a importância de se evitar brinquedos sexistas, que estimulam a diferença entre garotos e garotas, como carrinhos e bonecas. Assim são fortalecidas as relações de gênero desde a infância, a partir do ato do brincar.

Corrida de sacos é uma das brincadeiras na comunidade de Pioneira, em Sergipe | Foto: Daniela Bento / Arquivo Sasac

Já os círculos de leitura se revezam, a cada 15 dias, entre as comunidades e a biblioteca da Sasac, recentemente reinaugurada. Menina Bonita do Laço de Fita, da escritora brasileira Ana Maria Machado, será o próximo livro a ser trabalhado nessas rodas. As questões de raça, etnia e gênero, então, serão desenvolvidas de forma lúdica, por meio de esquetes teatrais.

Baú de Leitura – Além das rodas de leitura que acontecem em Sergipe, o estado também desenvolve o Projeto Baú de Leitura, que envolve os municípios acompanhados pelo Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC).

O MOC também realiza na Bahia, há 15 anos, o mesmo projeto, como uma das ações ligadas ao seu programa de Educação de Campo. Ali, um baú de sisal é levado com livros para as comunidades onde a organização atua, e busca incentivar a formação de leitores e leitoras entre as crianças dessas localidades.

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