Entre experientes guardiães, jovem agricultora assume a missão de cuidar das sementes

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O sonho materno de guardar e multiplicar as sementes crioulas contagiou Cristiane | Fotos: Verônica Pragana  

“Vou me tornar uma guardiã de sementes”, afirmou com convicção Cristiane dos Anjos, uma agricultora baiana de 21 anos, ao fim da sua primeira visita a um banco de sementes comunitário em Queimadas, na Paraíba. Em 2010, sua mãe também esteve na Paraíba na Festa das Sementes da Paixão, comprou R$ 60,00 de sementes, ganhou outras tantas, e chegou no Povoado de Rosendo, uma comunidade quilombola do território de Irecê, com vontade firme de montar um banco de sementes.

Hoje, quatro anos depois, quem retorna a Paraíba, um estado cujos agricultores e agricultoras têm verdadeira paixão pelas sementes crioulas, é Cristiane. Ela veio substituindo a mãe que adoeceu numa das 20 vagas reservadas às agricultoras baianas no I Encontro Nacional de Agricultoras Experimentadoras. Movida pelo sonho materno, que também se tornou seu e da comunidade, escolheu conhecer a experiência de Severina Pereira, que há 11 anos fundou o banco de sementes da comunidade de Maracajá, em Queimadas (PB).

A anfitriã Severina, conhecida como Silvinha, tem o conhecimento de uma antiga guardiã de sementes e mora num município com uma forte articulação da sociedade civil – sindicatos rurais, associações comunitárias e ONGs – em torno do resgate e preservação das sementes crioulas. Em Queimadas, há hoje 11 bancos de sementes, sendo 10 comunitários e um municipal sediado no Sindicado dos/as Trabalhadores/as de Queimadas. O Sindicato está negociando com a prefeitura a compra de sementes crioulas dos agricultores do município para ser distribuída pelo governo às demais famílias que esperam pelas sementes.

A visita começou com um passeio pelo quintal de Silvinha com enorme variedades de plantas medicinais, ornamentais, além das hortaliças, fruteiras e raízes (tubérculos). O passeio era de planta em planta, com direito até a receitas de remédios a caseiros para variados males de saúde. Em cada touceira citada, havia também a oferta de partes dela ou das suas sementes para a multiplicação em terreiros distantes de todo o Semiárido.

Passeio ao redor da casa para conhecer o quintal de Silvinha

A criação de galinhas de Silvinha e sua mãe, com 120 cabeças, também recebeu atenção das visitantes e “palestra” de Silvinha para explicar a sua forma de manejo, a lógica por trás e como conseguiu o financiamento para investir no aviário.

Na volta pela propriedade, algo no chão chama atenção: a quantidade de valas cavadas, feitas por telha ou canos para guiar a água já servida – como é costume chamar a água que já teve uma utilidade na Paraíba – até os pés de plantas.

Na parte do terreiro que dava para a cozinha, os caminhos da água eram muitos. O reaproveitamento da água é importantíssimo na estratégia de convivência com o Semiárido e na manutenção da vida das plantas do quintal que se torna produtivo com a oferta da água. “A água que a gente limpa a casa é colocada aqui nos pés de babosa”, disse Silvinha apontando os frondosos e floridos pés com propriedades medicinais para combate à inflamação e cicatrização.

A peregrinação no quintal levou para o banco de sementes, cuidado por Silvinha e sua mãe desde 2003 e alimentado pelas famílias da comunidade, que usufruem de sua riqueza lá guardada. Dentro da pequena casa, reformada com recursos do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da ASA, os olhares eram curiosos para saber quais variedades de sementes estavam guardadas ali. Além das garrafas pets, há também barril com feijão, sorgo e outras sementes. A generosidade na oferta das sementes para as visitantes era grande. Logo, o barril com o sorgo foi baixado e uma boa quantidade das sementes caiu no chão para quem quisesse levar para multiplicar. Acostumadas a participar de intercâmbios, as agricultoras estavam preparadas com saquinhos de plástico de vários tamanhos para acolher as sementes que seriam guardiãs a partir de então. Clique aqui para conferir em vídeo um momento desta visita ao banco de sementes de Maracajá.

Sementes da Paixão é o nome dado pelos/as agricultores/as da Paraíba às sementes crioulas

O próximo ponto de parada foi outra pequena casa com cadeiras em círculo e um grande mapa do município pintado num pano no meio com sementes em garrafas pet, espigas de milho seco, flores de girassol secas tiradas da plantação ao lado da casa de Silvinha. Lá, sentadas, as mulheres entoaram uma prosa animada para saber mais sobre a história da anfitriã e da luta constante para a construção de políticas públicas sobre as sementes que atendam, de fato, as necessidades das famílias agricultoras. “O governo tem que aceitar a nossa opinião. A gente não quer nada de cima para baixo, só chuva”, disse Ana Paula Cândido, do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Queimadas.

Na conversa que fluía naturalmente, Silvinha chegou a contar a história de várias sementes que ela se tornou guardiã. “Essa espiga de milho preto foi seu Zé Leal de Lagoa Seca quem me deu. Ele trouxe de uma visita aos indígenas”, conta ela com a única espiga na mão que será a matriz reprodutora de tantas outras. Com mais algum tempo, Silvinha terá uma quantidade bem maior de sementes de milho preto para começar a distribuir na comunidade e também para os visitantes de mais longe – como as baianas, pernambucanas, sergipana, alagoana, maranhense, cearenses e potiguares que passaram por lá hoje. A agricultora e quilombola Cristiane mesmo guardou, como valiosos presentes para levar para sua comunidade, sementes de feijão e milho até então desconhecidas pela mais nova guardiã.

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