Dossiê aponta consequências e ameaças dos perímetros irrigados para os agricultores da chapada Apodi

![]() |
Momento do lançamento do dossiê | Foto: Marta Vick |
Desmatar a terra e dividi-la em lotes, construir um canal de água que passa entre as terras e desterritorializar os camponeses é o que constitui um perímetro irrigado, de acordo com a professora e pesquisadora Raquel Rigotto da Universidade Federal do Ceará (UFC). As causas e consequências do tema foram debatidas na última quarta-feira, dia 11, dentro do lançamento do Dossiê Perímetros Irrigados e a expansão do agronegócio no campo: quatro décadas de violação dos direitos no semiárido, que contou a participação de agricultores e agricultoras, estudantes e movimentos sindicais na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi.
O dossiê aponta várias injustiças cometidas com as famílias agricultoras que foram submetidas a esse projeto de combate à seca na chapada do Apodi nos territórios do Cará e do Rio Grande do Norte. Ainda de acordo com Raquel Rigotto, o documento contém 500 páginas e mostra os “40 anos de histórias e direitos violados dos camponeses, com início na década de 70”. A água, o trabalho, a saúde, o meio ambiente, a cultura e a participação política, foram alguns dos direitos violados apontados pela pesquisadora em estudo realizado nos perímetros do Ceará nos últimos dois anos.
O estudo comprova ainda que 38% da população que trabalha para o agronegócio nos perímetros do Ceará desenvolveu algum tipo de doença decorrente do manejo do agrotóxico. “Nós passamos às vezes cinco dias sem água nas torneiras porque está contaminada. É comum a gente vê as mulheres agachadas e os homens expurgando veneno bem atrás delas”, revelou dona Socorro agricultora da Comunidade Tomé, no Ceará. Conforme a pesquisadora Rigotto, casos de infertilidade masculina, má formação congênita e abortos foram registrados nessas comunidades por causa do agrotóxico.
Além das doenças o projeto viola também o direito a cultura e muda a rotina das famílias locais como frisou Zé Holanda do assentamento Moacir Lucena, em Apodi (RN). Conforme o agricultor, as obras do perímetro atraem trabalhadores de outras regiões, com outros costumes, o que aumenta consideravelmente o índice de casos de estupro, prostituição e exploração sexual infantil.
Depois de tantas lutas e conquistas nas experiências do Ceará, o projeto do Perímetro Irrigado de Santa Cruz surge como uma grande ameaça à vida dos agricultores e agricultoras locais. Além da retirada dos camponeses de seus territórios, a degradação do solo e da água, o projeto prevê entregar as terras para empresas do agronegócio, colocando em risco a vida dos trabalhadores e trabalhadoras que vão lidar diretamente com os agrotóxicos na produção, além da população, de um modo geral, que consumirá alimentos envenenados.
Depois de um rico debate, ficou no ar a pergunta: qual o próximo passo? Bernadete, professora e pesquisadora que contribuiu na confecção do dossiê, responde que “o projeto de Perímetro Irrigado é um problema de todos e de todas. Por uma questão de saúde pública, especialmente, este debate precisa ganhar também os espaços urbanos, pois os alimentos que consumimos também são contagiados pelos agrotóxicos, e o desenvolvimento do projeto acarreta problemas estruturais e sociais para a cidade. Nosso desafio é unir o campo e a cidade nesta luta por direitos, nesta luta pela vida”. E encerra a fala cantando: “A chapada é nossa. A chapada é do povo. É só lutando que será nossa de novo”.
Raquel Rigotto afirmou ainda sobre a importância da luta que se tornou nacional e até internacional, mencionando as ações da Marcha Mundial das Mulheres que – em mais de 64 países – dizem #SomosTodasApodi e reforça que a terra e a água, os investimentos do dinheiro público devem ser para a agricultura familiar e para uma melhor convivência com o semiárido.
Ao final da discussão, alguns agricultores (as) do município de Severiano Melo foram até a Barragem Santa Cruz, dentro da rotina de intercâmbio do programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articula Semiárido Brasileiro (ASA) e executado pelo Centro Terra Viva, para entender a realidade do projeto e conhecer os riscos e ameaças da construção do perímetro no Rio Grande do Norte.