SECA: Chuva não encobre abandono do poder público
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Apesar das cobranças, os governantes não realizaram políticas públicas para as famílias agricultoras | Foto: Arquivo/Asacom-Maria Moura |
Após meses de intensa estiagem, a chuva voltou a molhar a terra e semear a esperança de um inverno regular na região de São Raimundo Nonato, no sul do Piauí. Muitos agricultores e agricultoras já preparam o solo e aguardam a continuidade do período chuvoso para iniciar o plantio, uma cena esquecida desde que a seca se estabeleceu em boa parte do semiárido nordestino.
O cenário do homem do campo de volta ao trabalho nas roças vem apaziguar a situação de desespero provocada pelas perdas da última safra, comprometida pela falta de chuvas ainda nos últimos meses de 2011. Os desafios, desde então, foram tantos que a classe trabalhadora precisou se organizar para cobrar de representantes públicos ações emergenciais que viessem amenizar a situação de caos – fome e sede – vivida por muitas famílias.
Nesse contexto, no dia 3 de agosto de 2012, a cidade de São Raimundo Nonato foi palco da I Marcha do Grito do Semiárido, evento organizado pela Cáritas Diocesana, em parceria com entidades da sociedade civil organizada, que trouxe às ruas mais de mil trabalhadores e trabalhadoras rurais, todos ávidos pela adoção de políticas públicas emergenciais para contenção dos efeitos da seca e também pela construção de ações que em longo prazo evitem que esse cenário se repita.
A audiência pública realizada nesta mesma data lotou o ginásio poliesportivo da cidade, mas seus encaminhamentos não foram atendidos pelos representantes públicos que estiveram presentes. Dois meses depois, no final de outubro, a situação de incertezas voltou a ser discutida no II Encontro Diocesano de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de São Raimundo Nonato.
Como o drama da seca atingia não apenas São Raimundo Nonato, a sociedade civil voltou a se organizar e o II Grito do Semiárido foi realizado em Picos, no dia 31 de outubro, dessa vez com maior respaldo por parte da sociedade, reunindo um público que veio de uma ponta a outra do estado. Uma nova audiência foi realizada e, mais uma vez, representantes do poder público apresentaram um quadro que pouco se aproximava da realidade vivida por famílias cujo sustento depende diretamente da agricultura.
Paralelamente a esta situação, diversos documentos foram elaborados e encaminhados a diversas secretarias na busca de provocar o governo estadual e federal na urgência por ações de socorro. Entre os documentos produzidos, destaque para a Carta dos Bispos do Piauí, entregue em mãos ao governador Wilson Martins durante reunião no Palácio de Karnak, sede do governo estadual.
O Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido – FPCSA também manifestou sua preocupação em documento enviado ao Karnak. Em julho, durante o Grito da Terra, mais uma manifestação e uma carta com pedidos de agricultores foi entregue a órgãos do governo federal e estadual. Além destes documentos, fóruns sobre a seca nas dioceses de Picos, Oeiras e São Raimundo Nonato também resultaram em novas provocações ao poder público.
Apesar de todos esses avanços e cobranças por parte da sociedade civil, dezembro chega trazendo as primeiras chuvas sem que as solicitações feitas durante todo o ano tenham sido atendidas. Na prática, poços permanecem abandonados por falta de equipamentos e os carros-pipa continuam sendo a alternativa de levar água às famílias – embora sejam insuficientes e existam denúncias de irregularidades no abastecimento.
À mercê da própria sorte, o homem do campo segue esperando que a chuva lhe traga aquilo que ainda não conseguiu de quem elegeu para representá-lo nos gabinetes fechados: dignidade.