A convivência para todo o Semiárido

Valquíria Lima avalia o VIII Encontro Nacional da ASA
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Valquíria Lima participa de uma das mesas de debate do VIII EnconASA. Foto: João Roberto Ripper/ Arquivo Asacom.

Partindo da lógica de construções políticas, o VIII Encontro Nacional da ASA não acabou. É assim que a coordenadora executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado de Minas Gerais, Valquíria Lima, avalia o resultado do Encontro, em entrevista concedida a Daniel Lamir, da Assessoria de Comunicação da ASA (Asacom).  

Para a entrevistada, o EnconASA ampliou o conceito da convivência com o Semiárido, a partir de alguns pontos, como a troca de experiências de agricultores e agricultoras, a análise da trajetória da ASA e o diálogo com representantes governamentais.

Asacom – Qual sua avaliação sobre o VIII EnconASA?

Valquíria – O VIII EnconASA foi um momento muito significativo na caminhada da ASA. Foi a primeira vez que este encontro aconteceu fora do Nordeste, sendo em Minas Gerais, que também faz parte do semiárido brasileiro. Então teve o sentido de dar unidade a nossa área de atuação. Foi um encontro bastante participativo, com boa atuação dos estados. Conseguimos mobilizar as pessoas para estarem ali presentes, fazendo um debate político das nossas propostas para a convivência com o Semiárido, inclusive com ações muito afirmativas sobre quais os caminhos que devemos seguir e como devemos pautar o governo. Então acho que foi um evento bastante forte, onde percebemos que houve uma boa preparação dos estados. As pessoas participaram de forma bem afinada com os temas. Todas as falas, em plenárias e miniplenárias, foram muito bem estruturadas em ações concretas e leitura da realidade. Foi também um encontro muito alegre, de encontros e festa. Tivemos uma rica Feira de Sabores e Saberes, a linda troca de conhecimentos entre agricultoras e agricultores, as trocas de sementes, além de uma rica apresentação cultural.  

Asacom – Uma das propostas do VIII EnconASA foi pensar as estratégias da Articulação para os próximos anos.  Foram apontados alguns caminhos para o fortalecimento da convivência com o Semiárido, a exemplo do trabalho com as sementes crioulas. Que proposta seria essa na prática e quais outros caminhos que se apontam?

Valquíria – Trouxemos dez temas para o centro da discussão. Foram temas que a ASA aprofundou e que também podemos aprofundar mais através das visitas às experiências e das oficinas temáticas. Durante esses dias conseguimos conhecer experiências de outros estados e fazer reflexões sobre vários temas. Esses temas mostraram que a reflexão da ASA, através da sua base, está madura. Conseguimos avaliar o que acumulamos até aqui, mas precisamos ir além. Na questão das sementes, acho que a reflexão da ASA está muito madura para pautar a necessidade de termos um amplo programa que apoie as sementes crioulas, que é base da soberania e segurança alimentar da agricultura familiar no semiárido brasileiro.

 
Asacom – Outros caminhos apontados no VIII EnconASA estão relacionados à assistência técnica de base agroecológica e a ampliação do acesso à água para produção de alimentos, a partir do P1+2. O que você pode destacar dessas duas propostas?

Valquíria – Uma das grandes contribuições deste EnconASA foi discutir o que estamos chamando de “convivência com o Semiárido” e quais são as nossas propostas de projetos para o desenvolvimento do semiárido brasileiro, inclusive se contrapondo à política de desenvolvimento para o semiárido brasileiro atual, que é uma contradição daquilo que defendemos. Então são vários elementos, como, por exemplo, fazer com que a universalização da água para as famílias do Semiárido se torne uma política pública concreta e real e que possamos superar algumas limitações atuais. Temos municípios que não estão incluídos no semiárido legal e temos que pensar também nas águas das pequenas cidades que estão nas zonas de áreas rurais. Temos que pensar também em como vamos universalizar esse acesso [à água], com quais instrumentos e tecnologias. Nós propomos, enquanto Articulação, a universalização do acesso à água às famílias do Semiárido. E essa universalização nós reconhecemos que acontece com o estado brasileiro, em todos os seus níveis. Mas para isso avançar na questão da água, inclusive para as emergências – como neste período que estamos passando por uma das maiores secas do semiárido brasileiro. É preciso se pensar a universalização da água de forma mais ampla, e nós dissemos isso ao estado brasileiro e chamamos ele para fazer o debate junto conosco. E aí vamos entrar em outras políticas como a de assistência técnica, essa necessidade urgente para que a agricultura familiar e camponesa no Semiárido e no país cresça, se fortaleça, gere as bases para redução da pobreza e da miséria. Para isso é preciso uma assistência técnica de base agroecológica, que possa ter modelos sustentáveis de produção de alimentos. Também colocamos no centro do debate a questão do acesso à terra, não só a reforma agrária – que é uma pauta esquecida pelo governo hoje -, mas do acesso à terra no reconhecimento das comunidades tradicionais, dos indígenas e quilombolas. Então isso veio com muita ênfase e com muita força e com muita clareza sobre qual é a proposta da ASA para o desenvolvimento do semiárido brasileiro.         

Asacom – A ASA dialogou com o governo sobre a necessidade de criação de um marco regulatório para as organizações da sociedade civil. Qual sua opinião sobre esta questão?

Valquíria – Nós tivemos a oportunidade de conhecer e debater a proposta que a sociedade civil fez ao governo de um novo marco regulatório que pudesse pautar melhor essa relação do repasse de recursos públicos para a sociedade civil. E foi muito importante porque conseguimos socializar esta proposta que está pronta há meses e está na secretaria da Presidência da República. O governo está com esta proposta, o que falta é efetivar. Precisamos avançar neste debate porque isso fortalece uma relação entre estado e sociedade, isso fortalece as políticas públicas deste país. Então este é um movimento que precisa acontecer. Quando a ASA fortalece esse movimento, visa as necessidades. Também é um grande ganho percebermos que o debate que estamos inseridos não é restrito ao Semiárido e às nossas organizações. A contribuição da ASA vai para além do semiárido brasileiro. É uma contribuição de uma Articulação que conseguiu reunir organizações em torno de uma proposta de desenvolvimento para uma região do país. Então a gente deseja também que isso sirva de exemplo e motivação para outras organizações e movimentos com articulação. Essa é uma grande contribuição para a sociedade civil brasileira, para nossos parceiros, movimentos e organizações sociais.      

Asacom – Essa capacidade da ASA para mobilizar pessoas e concretizar projetos é reconhecida internacionalmente, servindo inclusive como referência para muitos governos estrangeiros. O Governo Brasileiro reconhece a atuação da ASA. Isso, inclusive foi explicitado pela secretária de Segurança Alimentar do Ministério do Desenvolvimento Social, Maya Takagi. O que isso representa para sociedade civil?

Valquíria  – O governo reconhece que uma Articulação como a ASA tem condições de executar grandes programas e tem uma capilaridade muito grande, como nos casos conhecidos dos Programas P1MC (Um Milhão de Cisternas Rurais) e P1+2 (Uma Terra e Duas Águas). A ASA tem condições de executar de forma transparente, com metodologia, participação popular, com o envolvimento da sociedade. E isso é muito positivo não só para a ASA, mas é muito positivo enquanto referência deste diálogo entre sociedade e estado. Então o reconhecimento do MDS vem só reforçar essa importância da gente ter mais experiências positivas e de fazer com que o estado brasileiro reconheça o papel da sociedade civil na execução das politicas públicas. Então eu acho que essa é também uma contribuição que a ASA vem dando, e eu acho que a gente precisa cada vez mais reforçar esse diálogo entre estado e sociedade civil em função de um projeto político de desenvolvimento para o Semiárido e para o Brasil.    

Asacom – Valquíria, anteriormente você falou sobre a contribuição para a discussão do conceito de “convivência com o Semiárido”. Como você considera que o Encontro Nacional colaborou, por exemplo, na inclusão das comunidades tradicionais no debate de acesso à terra para a convivência com o Semiárido? 

Valquíria – O debate sobre esta questão veio com muita força porque nós estávamos em uma região [Vale do São Francisco] onde existe uma força e presença muito grande das comunidades tradicionais. O olhar para a realidade e percepção das comunidades tradicionais – igualmente como outras comunidades do Semiárido – precisando de ações para convivência com o Semiárido foi muito forte no evento. Agora, para além disso, o que ficou muito presente foi o debate sobre os territórios de convivência com o Semiárido. Essa capacidade da ASA olhar não apenas para a família da comunidade, mas para o seu território de atuação, compreendendo as lutas, as resistências, o povo e a história presente, além das contradições. É o modelo de desenvolvimento que a ASA está defendendo ao mesmo tempo do modelo de desenvolvimento atual, que entra em contradição, que afeta a vida das famílias. Isso faz com que a gente se organize, lute e resista. Então isso foi muito forte e fez com que as pessoas saíssem de lá [VIII EnconASA] pensando na necessidade de reforçar mais essa ideia de território de convivência com o Semiárido.

Asacom – Esse EnconASA  trouxe algumas novidades, como a Ciranda, o Espaço Saúde e a Comunicação como eixo temático. Como você avalia isso, levando em consideração que o próximo EnconASA, que será realizado no Rio Grande do Norte será o processo de continuidade desse encontro?

Valquíria – É uma crescente. A ASA vai crescendo junto com as organizações, com os Encontros Nacionais, vai se tornando maior. A gente vai também dialogando no conjunto da ASA Brasil sobre quais elementos podemos trazer para o centro do debate. Então agora termos que dar continuidade a esse processo, as questões temáticas que colocamos como elementos novos, a exemplo da comunicação. Temos que até o próximo  [nona edição, em 2014, na cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte] mobilizar, fortalecer os debates, a Carta Política do VIII EnconASA é um documento que as articulações estaduais da ASA e as organizações precisam se apropriar, o que saiu das oficinas temáticas enquanto propostas, reflexões também como uma forma de apropriação. Então acho que temos elementos muito ricos e que agora, até o próximo EnconASA, será muito importante para que possamos continuar nos fortalecendo enquanto ASA Brasil.     

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