Agricultores de Sergipe e Alagoas recebem representantes de dez estados do Brasil e sete países
Rede de Comunicadores da ASA
Trocar conhecimentos, conhecer inovações e se encher de esperança. Essa foi a tônica do segundo dia do X Enconasa, que aconteceu, de forma descentralizada, em outros 13 municípios de Sergipe e Alagoas. Logo cedo, os participantes se dividiram em grupos e, em vans, foram conhecer 20 experiências de agricultores e agricultoras de Alagoas e Sergipe, que são referências na Convivência com o Semiárido e adaptação às mudanças climáticas.
Os intercâmbios de experiências, como estas trocas são chamadas, constituem a base do fazer da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Partem do princípio de que os e as agricultoras são detentores de conhecimento, tem a capacidade de sistematizar e comunicar as inovações que eles mesmos criam e, ainda, adaptá-las para diferentes realidades.
Dentre as experiências, os participantes visitaram povos indígenas, quilombolas, grupos produtivos de mulheres, Sistemas Agroflorestais (SAF), experiências de recuperação de áreas degradadas, bancos de sementes crioulas, criação animal e teatro.
Confira a cobertura das visitas, feita pela rede de comunicadores da ASA.
Grupo Produtivo das Pescadoras e Artesãs do Povoado Bonsucesso
No município de Poço Redondo/SE, o Grupo de Mulheres Pescadoras e Artesãs de Bonsucesso recebeu a caravana do X Enconasa. No bate papo com os presentes, elas contaram como construíram sua organização e identidade durante os tempos difíceis da pandemia.
“Foi difícil, nossos primeiros encontros era na igreja com poucas mulheres. O incentivo veio do Conselho Pastoral da Pesca (CPP), que nos trouxe o materiais. Com muita resistência estamos até hoje seguindo”, relembrou a pescadora artesã Maria Edina, de 29 anos.
A comunidade, de ancestralidade africana, religiosa e com muitas histórias para contar tem vivenciado no Turismo de Base Comunitário a oportunidade de trocas de experiências.
Nelzilane Oliveira
Cida Silva: agricultora experimentadora
Já na chegada a propriedade de Cida da Silva, em Porto da Folha (SE), a imagem impressiona pelo contraste do verde e colorido das plantas em meio a Caatinga adormecida ao redor. Em uma área de 1 hectare ela tem uma diversidade de experiências e tecnologias como cisternas de primeira e segunda água, biodigestor, algodão agroecológico e uma área bem diversificada de mais de 80 tipos de plantas medicinais, ornamentais e frutíferas.
Também faz parte da Associação de Mulheres Resgatando a Sua História, que recebeu a comitiva com apresentação cultural e coral das crianças da comunidade.
“Essa cisterna [calçadão] é meu tudo. Eu consegui tirar meu marido de diarista com o trabalho aqui da roça. Hoje em dia ninguém trabalha mais pra fora. Aqui é tudo agroecológico. Não tem nenhum tipo de veneno. Essa cisterna é meu ouro”, destaca.
Do Ceará, a agricultora Fafá fala da importância do intercâmbio de experiências e da inspiração que foi conhecer Dona Cida:
“Tô achando lindo, cada vez mais a gente conhecer outras agricultoras, e vê que nós mulheres temos um potencial muito forte e que dá certo. Eu me sinto realizada quando eu participo de um evento desse e de um intercâmbio de uma agricultora”.
Gleiceane Nogueira
Associação de Mulheres Resgatando suas Histórias
Agricultores/as e jovens de diversos estados do Semiárido brasileiro participaram de um rico intercâmbio de experiências no povoado Lagoa da Volta, em Porto da Folha (SE). O grupo conheceu o trabalho da “Associação de Mulheres Resgatando sua História”, que há 20 anos fortalece a autonomia feminina e a cultura local. Durante a visita, apresentações da Quadrilha São João Nordestina e do Coral Vozes da Infância, projetos apoiados pela associação, trouxeram a alegria e o compromisso de preservar as tradições da comunidade, envolvendo diferentes gerações.
Com 25 associadas, a associação realiza o beneficiamento de alimentos como geleias, doces, óleo de gergelim e mel, que são vendidos na comunidade e em feiras locais. Além disso, cultivam uma diversidade de plantas no viveiro, como hortaliças, frutas (goiaba, cacau, limão siciliano, acerola), plantas medicinais (alecrim, hortelã, capim-santo, ora-pro-nóbis) e espécies nativas e forrageiras. Todo o trabalho é viabilizado pela água das cisternas de produção, um minhocário e uma cozinha equipada.
“A associação mudou a minha vida em todos os sentidos. Às vezes eu penso: como eu não sabia de tanta coisa?”, disse Jaíne, uma jovem mãe que trabalha no viveiro de mudas e tem o filho no Coral Vozes da Infância.
Inspiradas pela luta da sindicalista paraibana Margarida Maria Alves, as mulheres enfrentam e superam desafios históricos, como o machismo, e hoje são reconhecidas por sua força. Com prêmios nacionais que celebram suas conquistas, a associação se destaca como exemplo de organização e transformação social no Semiárido.
Thaynara Policarpo
Comunidade Quilombola Serra da Guia
A Visita ao Quilombo Serra da Guia emocionou a caravana do EnconaASA, que realizou uma subida a um monte importante espiritualmente para o território e assistiu apresentações culturais. Além disto, os presentes puderam conhecer Dona Zefa da Guia, benzedeira reconhecida por muitos.
Na roda de conversa, a comunidade apresentou aspectos relacionados ao fortalecimento comunitário e à incidência política da comunidade, que acabou de reeleger o vereador Sandro, filho de Zefa da Guia, matriarca da comunidade.
No campo do fortalecimento comunitário, o quilombo falou sobre a associação e sua composição majoritária de mulheres. Atualmente eles enfrentam desafios com a chegada da empresa Casa dos Ventos que pretende instalar um parque de energia eólica ali.
Outro aspecto relevante apresentado foi a consciência da necessidade de renovação das lideranças, e o papel das/dos adolescentes nessa renovação.
Célio Meira
Xokó: memória, história e resgate cultural indígena
Mais conhecida como Aldeia Indígena Xokó, a comunidade Ilha de São Pedro, em Porto da Folha (SE), que é composta por 138 famílias indígenas, traz uma história de luta, resistência e defesa de seu território.
O grupo de participantes do X EnconASA pôde conhecer um pouco sobre o processo de resgate da identidade cultural do povo Xokó, através das falas do Cacique Lucimário Apolônio, mais conhecido como Cacique “Bá” e do Pajé Jair Xokó. Além deles, receberam a comitiva da ASA o agente de saúde Anísio Xokó e Egídio Neto, comunicador popular da asa pertencente a mesma etnia.
Na conversa, os indígenas rememoraram como reconquistaram seu território com o apoio do bispo Dom José Brandão de Castro, que interveio ao Governor de Sergipe pela assinatura do decreto que passou as terras nas mãos de posseiros à União, podendo assim serem usufruídas pelos Xokós.
Após anos de perseguição pelos fazendeiros da região e hoje tendo seus direitos de posse garantidos, a comunidade Ilha de São Pedro é exemplo de organização e defesa dos direitos indígenas.
Um ponto importante que fortalece a cultura dos povos Xokós, são vários profissionais que prestam serviços na comunidade serem do próprio povo. Através da luta dos indígenas, a comunidade hoje possui uma Escola indígena, uma unidade básica de saúde, um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), além de profissionais como médicos, enfermeiras, agente indígena de saúde e de saneamento, associação de jovens apicultores e associação de mulheres.
Hoje os Xokós ainda seguem lutando pelo resgate da sua língua materna, que lhes foi tirada pela catequização dos jesuítas.
Júlia Ribeiro
A Auto-organização da família Silva e suas estratégias de agroecologia
Crys Machado
Unidade de Produção Camponesa (UPC): mulheres, agroecologia e organização de base são ferramentas de resistência camponesa em Sergipe
Resistência e juventude foram as palavras que semearam ao longo do intercâmbio de experiências camponesas que aconteceu na Unidade de Produção Camponesa (UPC) do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) em Sergipe. Como programação do X EconASA, as agricultoras, agricultores e jovens tiveram a oportunidade de viajar até Canindé de São Francisco para conhecer um campo de produção coletiva de base comunitária que resiste e sobrevive em meio ao agronegócio sergipano.
A UPC é um espaço de conquista dos agricultores organizado no MPA Brasil, e é hoje uma referência na produção agroecológica, conservação das sementes crioulas, além de ser um espaço de formação sociopolítico camponês.
Olivia que veio lá do nortão de Minas Gerais recitou um poema durante a sua apresentação inicial, para falar um pouco do seu território e, ao longo do encontro, a jovem, se encantava com cada novo momento de partilha que acontecia durante o intercâmbio. Os participantes, assim como Olívia, tiveram a oportunidade de conhecer a área de roçado coletivo, a casa de sementes crioulas e as tecnologias sociais existentes no local. Participaram, ainda, de um momento de práticas agroecológicas aprendendo a fazer água de vidro e envelopamento de sementes.
O intercâmbio mostrou que a resistência das mulheres e dos pequenos agricultores e agricultoras é uma solução para o desenvolvimento das comunidades e de incentivo a agroecologia como alternativa para uma produção de alimentos saudáveis. Ao final da atividade, cada participante pôde contar um pouco da suas impressões e também ajudar a construir a memória coletiva da atividade que será apresentada ao longo das plenárias do X EconASA.
Caio Barbosa
Vaqueiros e guardiões do solo: a inovação na Fazenda Baixinha
“Eu quero encher a barriga, usando a cabeça, sem cansar os braços”, foi a frase dita por José Eduardo, responsável por uma série de inovações desenvolvidas na Fazenda Baixinha, localizada em Poço Redondo – SE.
Através de um intercâmbio diversificado, com técnicos/as e agricultores/as de diversas regiões do semiárido brasileiro, se deu uma rica troca de experiências, desafios e ideias durante o X EnconASA. O grupo visitou a propriedade de José Eduardo, importante figura na atuação em defesa da sustentabilidade e do equilíbrio entre inovação e saberes tradicionais. A família produz ovinos Santa Inês em 29 hectares, por onde são distribuídas diversas tecnologias de Convivência com o Semiárido, como por exemplo a cisterna calçadão e o Sistema Agroflorestal.
Em suas falas, Eduardo destaca com entusiasmo o apoio e auxílio da sua família em todos os processos vivenciados, ressaltando a importância dos familiares permitirem que os jovens tenham autonomia para protagonizar inovações extraordinárias nas suas localidades. Sem dúvidas, a cooperação e união são pilares importantíssimos para um futuro digno, sustentável e justo.
Brice Reis
Comunidade Quilombola Serra Das Viúvas: organização e identidade
A Associação das Mulheres Artesãs e Quilombolas do Quilombo da Serra das Viúvas (AMAQUI), composta por 45 mulheres, receberam a comitiva do X Enconasa, em Água Branca (AL) para contar e celebrar histórias de resistência e cultura viva da comunidade.
Entre suas conquistas, elas destacam que já conquistaram cisternas em todas as residências, garantindo segurança hídrica para os 230 moradores e a produção de artesanato, cultivo de ervas medicinais e a tradicional casa de farinha.
Elas também se orgulham da bela Capela de Santa Cecília, que fortalece a fé e união da comunidade e dos seus jovens que perpetuam a herança quilombola.
Fabiano da Silva Rodrigues
Seu Dedé e sua família transformaram suas vidas a partir da barragem subterrânea
Seu Dedé se orgulha de receber visitas do mundo inteiro em sua propriedade para conhecer suas experimentações com as tecnologias sociais. Na manhã de hoje, 19, recebeu a comitiva do Enconasa com a felicidade de quem mudou de vida e se sente mais feliz hoje.
O foco dos participantes da caravana foi as barragens subterrâneas na propriedade. A tecnologia permite captar água da chuva no subsolo.
Seu Dedé conta que estava em uma situação muito delicada, sem condições de comprar mantimentos. Depois da construção da barragem, em 2008, nunca mais faltou comida para sua família. Seus três filhos, que haviam mudado para São Paulo, voltaram e hoje são seus vizinhos. Ele ainda se orgulha de não precisar mais do bolsa família.
Ramón Bonilla, visitante de El Salvador, saiu com o compromisso de levar este modelo para seu país. “Hoje nasce uma nova esperança para cada territorio. Temos que assumir o compromisso de replicar esse modelo em nossos territorios”, compartilhou com os colegas, compartilhou”.
Lívia Alcântara
Assentamento Lameirão: do carvão à diversidade agroecológica
Giovanna Revoredo
As sementes da resistência: espiritualidade e cultura do povo indígena Jeripankó
A Aldeia Jeripankó, localizada no Alto Sertão de Alagoas, no município de Pariconha, reuniu, na Escola Estadual Indígena José Carapina, jovens, agricultores e participantes do X EnconASA para um momento de troca de saberes e boas vivências
A demarcação do território Jeripankó foi um tema central da conversa. Para os indígenas o território é essencial para garantir a perpetuação da cultura. A preservação do croá, planta nativa usada no ritual religioso do Praiá, também foi destacada, pois corre risco de extinção. O encontro abordou ainda o desafio de envolver a juventude nas atividades culturais e comunitárias. A aldeia possui um banco de sementes, apoiado por entidades, para preservar as culturas locais e combater a perda da biodiversidade. O artesanato, atividade feminina importante, representa a força das mulheres.
Durante o encontro, tivemos a honra de contar com a presença de Cicinho, professor historiador e líder da comunidade Jeripankó, que compartilhou conosco valiosos conhecimentos sobre a história e a luta do seu povo. Também participaram Cícero, a artesã Cleide, o pajé Elias, além de professores e moradores da comunidade.
A visita a aldeia Jeripankó foi uma imersão profunda na cultura e nos desafios enfrentados pelos povos indígenas do sertão nordestino. O encontro reforçou a importância de continuar a luta pela demarcação de terras, pela preservação da cultura local, e pelo fortalecimento das práticas agrícolas e comunitárias que garantem a sobrevivência e o bem-estar das famílias da aldeia.
Tarsila Guimarães
Terra e vida são renovadas com a agrofloresta de Cícero e Aline
Cícero Florentino e Aline abriram as portas de sua casa na comunidade de Jacaré, município de Igaci (AL), para 40 pessoas, dentre elas agricultores e agricultoras, técnicos e técnicas agrícolas e representantes de organizações da sociedade civil. O objetivo foi partilhar a transformação vivida através do Sistema Agroflorestal e da agroecologia.
Maltratada por anos a fio sob a monocultura de fumo, com queimadas e agrotóxicos, a terra da família Florentino parecia fadada a improdutividade.
“Não importava o tanto de adubo que a gente usasse, o fumo não desenvolvia. Era a terra que já estava doente”, lembra Cícero Florentino.
Em 2007 o patriarca Florentino Henrique se encantou com a cisterna calçadão e o desenvolvimento de experiências agroecológicas na associação comunitária e decidiu apostar na policultura.
Com assistência da Associação de Agrocultores Alternativos (AAGRA), o que era solo inóspito tornou-se uma agrofloresta de referência. Intensa, diversa, colorida e magnética. Agora planta-se e colhe-se frutas, legumes, verduras e hortaliças, que alimentam a família e são fontes de renda. Também há criação de galinhas, abelhas e caprinos em um sistema que se encaminha para a autossuficiência, sem necessidade de comprar adubo ou alimento para os animais.
“A agrofloresta mudou nossas vidas e vai mudar o mundo. Observamos que com ela, o clima ameniza, a diversidade aumenta e até mesmo a água da chuva infiltra o solo com mais facilidade. A agrofloresta não produz só alimento, como também água”, declara o agricultor.
Alana Soares
Vera Lúcia, preservando o passado, plantando o futuro
Uma caravana de 30 participantes do X EnconASA visitou a experiência agroecológica de Vera Lúcia Felix. Ali, o encontro foi conduzido pela partilha de saberes e de sementes crioulas. Debaixo da jabuticabeira, a guardiã de sementes contou ao grupo como foi construída a sua relação com a sementes crioulas e com o território a partir de uma base agroecológica.
Além de participar do processo de construção da ASA, Vera Lúcia compartilhou uma trajetória em prol da educação popular e das mulheres do seu território”. Ao caminhar por seu quintal, ela mostrou uma diversidade de culturas que são usadas para a subsistência da família. Além dos alimentos, o cultivo de flores é uma grande paixão de Vera, que também também se dedica a venda de mudas.
Após a caminhada, uma mesa farta com diversos produtos produzidos de forma coletiva pela mulheres do território foi oferecida aos participantes.
Vera pontuou que apesar de todas as conquistas, o último ano foi muito desafiador para o seu território devido a contaminação de agrotóxicos utilizados por vizinhos. Diante das ofensivas, ela tem se fortalecido na resistência coletiva para agir de forma jurídica e impedir as ações de degradação do território.
Sarah Gonçalves
Maria Francisca: guardiã de sementes e saberes ancestrais
Dona Maria Francisca, agricultora experimentadora e coordenadora de um banco comunitário de sementes crioulas recebeu a caravana de participantes do X EnconASA na comunidade de Poço Doce, em Piranhas (AL).
Com muita atenção, enquanto respondia à todas perguntas, dona Francisca falava de seu cuidado com a terra, as sementes e a integração entre as pessoas, os animais e a natureza. Ela destaca a importância da mobilização feita pelas organizações sociais que compõem a ASA, e como esses processos fortalecem as famílias agricultoras para que permaneçam em seus territórios e perpetuem os saberes agroecológicos.
Em roda de conversa, ao final da visita, as pessoas puderam compartilhar suas impressões e sentimentos. Álvaro Penza e Silvia Rueda, ambos argentinos que vivem em região semelhante ao semiárido brasileiro, falaram sobre a luta da família de Dona Francisca, sobre as tecnologias sociais e possibilidades de convivência com o Semiárido e que voltarão para seu país com muito mais esperança de que é possível construir um semiárido vivo.
Alisson Chaves
Grupo de Teatro Raízes Nordestinas
Rosanny Barreto