Plenárias autogestionadas marcam manhã do primeiro dia do EnconASA
O debate sobre o Semiárido aconteceu sob a ótica das mulheres, pessoas idosas, juventudes, LGBTQIAP+ e da comunicação
Co-lab: Lívia Alcântara, Alana Soares, Gleiceane Nogueira, Sarah Gonçalves, Júlia Ribeiro e Kleber Nunes.
Em cortejo, com bandeiras e palavras de ordem, como “Sem feminismo não há convivência com o Semiárido!”, cerca de 100 mulheres ocuparam o sítio histórico de Piranhas (AL), onde acontece o X EnconASA, Encontro Nacional da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
O evento é o momento mais pujante da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e reúne, de hoje até sexta-feira, 22, mais de 700 participantes de todos os estados do Semiárido brasileiro (NE e Minas Gerais). Além das mulheres, pessoas idosas, jovens, LGBTQIAP+ e comunicadores populares também realizaram plenárias para debater o futuro do Semiárido com justiça socioambiental.
Confira a cobertura das plenárias.
Igualdade de gênero e justiça socioambiental: 25 anos de luta das mulheres do Semiárido
Organizada pelo Grupo de Trabalho (GT) de Mulheres da ASA, a plenária celebrou os 25 anos da articulação e as transformações na vida das mulheres ao longo deste tempo.
“A ASA mudou a vida das mulheres em todos os sentidos. Nós estamos aqui nesta plenária discutindo os nossos projetos futuros, mas também celebrando a nossa autonomia. Hoje nós sabemos quais são os nossos direitos e sabemos onde buscá-los, lutamos por nós e pelas outras companheiras”, afirmou Joeliza Aparecido de Brito, do Centro de Agricultura Alternativo (CAA).
A plenária também celebrou os dez anos da Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico, iniciativa da Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste. Ainda no sentido de garantia dos direitos das mulheres, Glória Araújo, parte da coordenação executiva da ASA Brasil e representante do GT de Mulheres, anunciou a inserção de cirandas nas atividades da ASA. As cirandas são espaços de cuidado das crianças e visam garantir a participação de qualidade das mulheres na construção das políticas públicas para o Semiárido.
O encontro foi também momento de denúncia dos empreendimentos de energia eólica que estão chegando nos territórios e provocando o aumento da violência, a sobrecarga de trabalho para elas, a devastação da Caatinga, dentre outros impactos negativos. Neste contexto, as mulheres do Semiárido têm tido um papel importante de defesa dos territórios agroecológicos expresso, por exemplo, na organização anual da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que acontece no Polo da Borborema (PB).
“A nossa resistência é a luta contra os grandes empreendimentos que estão retirando tudo que construímos nesses 25 anos de ASA, não ao modelo de energia que chega!”, bradou Maria do Céu, agricultora de Solânea (PB).
A plenária também contou com a participação de oito mulheres de outras duas zonas semiáridas da América Latina, o Grande Chaco Americano e o Corredor Seco Centroamericano. Nora Morales, integrante da Red de Mujeres del Trifinio e promotora territorial da ONU Mulheres, veio de El Salvador e se orgulha de estarem em processos de organização e defesa de direitos similares ao das companheiras brasileiras
“No nosso país aprendemos uma coisa que não existia, porque sempre arrastamos um patriarcado, que nos afeta há anos. Mas ao conhecer nossos direitos e vendo além do que temos, transmitimos às mulheres que não tenham medo. Começamos a tirar todas as vendas e gritamos basta!”, declarou orgulhosa.
Guardiões e guardiãs dos saberes: por um futuro que respeite nossas raízes
Cerca de 25 pessoas participaram da plenária autogestionada de pessoas idosas, que buscou refletir sobre a mudança em curso na pirâmide etária do Brasil, que vem envelhecendo. De acordo com o Censo do IBGE (2022), a proporção de idosos (60 anos ou mais) na população brasileira quase duplicou de 2000 a 2023, subindo de 8,7% para 15,6%. A projeção é que em 2070, cerca de 37,8% dos habitantes do país serão idosos.
Embora a própria ASA esteja fundada na valorização dos saberes ancestrais dos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores do Semiárido, Maurício Lins Aroucha, integrante da Agendha, organização que mobilizou a plenária, acredita este horizonte de envelhecimento da população requer ainda espaço de reflexão.
“Cada vez mais, inclusive por causa das mídias sociais, as pessoas não querem conversar com a gente, então a gente tem que conversar entre nós e tentar incidir para que o restante possa entender essa importância. As coisas que estão no “quengo” da gente, na cabeça da gente, não podem ser comidas pelos microrganismos quando a gente for para cova rasa, a gente tem muito conhecimento, muita tradição a compartilhar”, comentou.
Plenária das pessoas idosas no X EnconASA, 2024. Giovanna Revoredo/ASA.Plenária das pessoas idosas no X EnconASA, 2024. Brice Reis/ASA.Plenária das pessoas idosas no X EnconASA, 2024. João Noya/ASA.Plenária das pessoas idosas no X EnconASA, 2024. Giovanna Revoredo/ASA.
Juventude latino-americana em defesa dos semiáridos do planeta
Cerca de 40 jovens agricultores e agricultoras da Argentina, do Brasil e de El Salvador se reuniram para pensar estratégias para fortalecer uma rede em defesa dos Semiáridos do planeta. Apesar de terem crescido com mais acesso à água se comparado aos seus pais e avós, partilham dos mesmos desafios impostos pela emergência climática e pelos grandes projetos predatórios que avançam sobre os seus territórios.
A plenária das juventudes coroa a articulação entre estes jovens que vem se fortalecendo nos últimos anos por meio de intercâmbios de conhecimentos, apoiados pela ASA, Plataforma Semiáridos América Latina e outras redes. As e os jovens presentes reafirmaram a Carta das Juventudes do Semiárido Latino-Americano, redigida no Intercâmbio de Saberes dos Semiáridos da América Latina, em 2023. Assinado por mais de 40 organizações, o documento defende desenvolvimento e agricultura sustentáveis, além de uma economia resiliente ao clima, agroecologia e a convivência com os semiáridos e biomas.
Outros pontos pujantes da discussão foram: sucessão rural, inclusão socioprodutiva e acesso a políticas públicas.
Para Guilherme Delmondes, de Ouricuri (PE), “a permanência [do jovem no campo] está ligada à geração de renda e os jovens anseiam por tecnologias adaptadas para trabalhar de forma favorável, como sistemas de reúso [de águas] e roçadeiras elétricas”, defendeu.
Plenária da juventude no X EnconASA, 2024. João Noya/ASA.Plenária da juventude no X EnconASA, 2024. Brice Reis/ASA.Plenária da juventude no X EnconASA, 2024. Brice Reis/ASA.Plenária da juventude no X EnconASA, 2024. Brice Reis/ASA.
Sem comunicação popular, não há democracia
“Em tempos onde a comunicação vem sendo pensada por uma perspectiva individualista, onde cada pessoa tem um aparelho e produz conteúdo, a comunicação em rede da ASA traz uma perspectiva coletiva, tecida por muitas vozes e ecoando a voz daqueles que são excluídos. A nossa comunicação é construída a partir da perspectiva de anúncio, onde falamos sobre a potência da agroecologia, da educação do campo, da luta anti racista, da luta das mulheres e da luta LGBTQIAP+”.
Com essa reflexão, Luna Layse Almeida, da Bahia, abriu a plenária sublinhando a importância da defesa da democratização da comunicação.
Durante a plenária, as e os comunicadores presentes reafirmaram a importância da ASA desenvolver sua comunicação como uma estratégia política. Fernanda Cruz, coordenadora de comunicação da ASA Nacional, resgatou o histórico da rede, ao longo dos últimos 25 anos, em prol da construção de um modelo de comunicação popular que hoje é referência e conseguiu romper com o estereótipo do Semiárido pobre e seco.
Durante o encontro, as e os presentes discutiram também estratégias para fortalecer a rede de comunicadores e comunicadoras populares do Semiárido, a partir da valorização destes atores e da promoção de atividades de formação.
Plenária de comunicação no X EnconASA, 2024. Giovanna Revoredo/ASA.
LGBTQIA+: por mais visibilidade e participação.
“Aos 20 anos da ASA conquistamos nossa bandeira, aos 25 estamos fazendo nossa primeira plenária”, comentou Daniela Bento durante o encontro que reuniu cerca de 20 LGBTQIA+ e simpatizantes da causa.
A plenária contou com a participação de Linda Brasil, a deputada estadual de Sergipe mais votada, com votos nos 75 municípios do estado. Linda é mulher trans e contou sobre sua trajetória. Filha de uma família de agricultores, ela nunca se encaixou nos padrões de gênero, passou pela prostituição e fez faculdade aos 40 anos.
Os presentes também leram o manifesto, no qual afirmam que “Convivência com o Semiárido é, também, respeitar a diversidade afetiva, sexual e de gênero”. Daniela Bento explica que não se sentem incomodados dentro da ASA, mas que precisavam se fazer mais visíveis. Como desafios, elencam a necessidade de garantir representações LGBTQIAP+ para momentos como o EnconASA e além de assegurar a estas populações participação nas políticas públicas executadas pela rede. Para muitos agricultores e agricultoras, o auto reconhecimento ainda é um tabu.
Plenária LGBTQIA+ no X EnconASA, 2024. Brice Reis, ASA.Plenária LGBTQIA+ no X EnconASA, 2024. Cedida pela equipe da deputada Linda Brasil.
Acompanhe aqui a cobertura completa do X EnconASA, que vai até sexta-feira, dia 22 de novembro.