Combinação entre formação, organização popular e acesso à políticas públicas impulsiona os agroecossistemas em regiões Semiáridas da América Latina
A combinação entre organização popular, acesso à formação em agroecologia e às políticas públicas de convivência com o Semiárido promoveu a virada de chave dos agroecossistemas das famílias de Ramon e Emília da província de Santa Fé, no Gran Chaco argentino, e Gonçalves do semiárido baiano. Ambas as regiões são consideradas semiáridas.
Esses elementos fortaleceram os seus agroecossistemas, fazendo com que Ramon e Emília se mantivessem com autonomia hídrica e alimentar em meio a maior seca que a sua comunidade enfrentou, ocorrida entre os anos de 2008 e 2009. Já a família Gonçalves, com apenas quatro anos de transição agroecológica, construiu nove subsistemas de criação animal e cultivo de verduras e legumes, além de unidades de beneficiamento de queijos e doces.
Os estudos de caso destas famílias, elaborados com base na metodologia Lume foram apresentados ontem, 16, no Seminário sobre a Sustentabilidade de Agroecossistemas em Territórios Semiáridos, realizado no âmbito do componente de formação do Projeto Daki Semiárido. O projeto tem como inspiração o processo de troca de conhecimentos e adaptação das experiências realizadas pelas próprias famílias. “O Daki não é uma ação de transferência de tecnologia, mas sim, de sistematização, adaptação e replicação”, destacou Antônio em sua fala inicial. O seminário, realizado online, contou com as presenças de representantes de organizações vindas do Semiárido brasileiro, Chaco argentino e do Corredor Seco de El Salvador.
O método e os resultados – Combinando o resultado de análises qualitativa e quantitativa, o método Lume mensura o impacto econômico dos agroecossistemas implementados pelas famílias agricultoras. Lume vem do termo iluminar e, neste caso, significa a razão de ser da metodologia: lançar luz sobre os aspectos metodológicos das experiências agroecológicas.
O casal Ramon e Emília vive com os filhos Cláudio, de 25 anos, e Regina, de 19 anos, na comunidade Estacion Toba, no território Cuã Bosca, município de Toba, na província de Santa Fé, no Chaco argentino. A área total da família é de 44 hectares, porém, o agroecossistema compreende quatro hectares deste total. O ano de referência para analisar o caso foi 2009, quando a família adquiriu a posse legal da terra.
Deste período até 2021, a família saiu de 0,54 para 0,80 na escala de autonomia. Segundo Lume, quanto mais próximo de 1,0, melhor é o resultado. O desempenho, ainda segundo o estudo, é fruto do avanço na produção do estoque vivo, composto dentre outras espécies por forragens, por exemplo, na diversidade de alimentos e no aumento do estoque de insumos para produção.
No mesmo período, a família saiu de 0,40 para 0,80 na escala de capacidade de resposta às alterações climáticas, que interferem no funcionamento do agroecossistema. O resultado é fruto da inclusão de novas espécies animais que contribuíram para o desenvolvimento do agroecossistema, o manejo e a construção de tanques para armazenamento da água.
Também chama atenção o avanço do protagonismo juvenil no agroecossistema, que saiu de 0,10 para 0,50 pontos, impulsionado pela inserção de Cláudio e Nádia em espaços de aprendizado, em cursos de técnicos e em grupos de jovens. O acesso a subsídios para emergência climática e para manejo e conservação e a linhas de crédito também foram importantes para incrementar a produção. A família de Ramon e Emília é parceira da Fundação para o Desenvolvimento em Justiça e Paz (Fundapaz), que junto com a Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC) e a Fundação Nacional para o Desenvolvimento (FUNDE) de El Salvador realização a gestão do projeto Daki.
De lá pra cá – Desembarcando no Brasil, mais precisamente na comunidade Serra da Boa Vista, no Distrito de Maçaroca, no município de Juazeiro, no Semiárido baiano, está o próximo estudo de caso da família de Valmíria e Edson, parceria do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa)
Apesar do agroecossistema ser novo, criado em 2016, os avanços foram significativos. No componente autonomia, a família alcançou o número 0,63, resultado alavancado por uma série de inovações tais como a construção de um Sistema Agroflorestal (SAF). No elemento integração social, dobraram o resultado de 0,35 para 0,70.
No protagonismo juvenil, vimos o resultado mais relevante 0,90, ou seja o mais próximo de 1,0. As inovações que contribuíram para estes últimos resultados foram a participação em oficinas e rodas de aprendizagem e a entrada dos filhos do casal Bento e Emily na Escola Família Agrícola de Sobradinho.
O Seminário seguiu ao longo da tarde do dia 17, trazendo outros oito estudos de caso, sendo quatro do Semiárido brasileiro, dois do chaco argentino e outros dois do Corredor Seco de El Salvador. Segundo a coordenadora do componente de Formação do Daki, Esther Martins, “este seminário encerra a primeira etapa dos estudos de caso a nível dos agroecossistemas no Daki. Com os estudos de caso, a gente pode entender o panorama desses três semiáridos dentro de atributos, de análises, de dados ”, explica.
O Daki é uma iniciativa em rede, impulsionada pela ASA e pela Plataforma Semiáridos, com foco na sistematização e replicação de experiências agrícolas resilientes às mudanças climáticas.