Educadoras e educadores rurais engajados na valorização de aprendizados contextualizados
Educação pela Convivência com o Semiárido estimula o conhecimento de educandas e educandos rurais sobre sua história e seu entorno. Recentes intercâmbios entre docentes da região fortaleceram as trocas de experiências por metodologias e ações que estimulam o pertencimento ao mundo rural através da escola do campo.
Troca de saberes na escola Vereador Eloi Barbosa, durante o intercâmbio que junto educadores dos estados de Sergipe e Alagoas
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“As ações pela educação contextualizada na formação dos professores do Semiárido rural contribuem para a construção de uma nova visão sobre a região. Esta visão de convivência com o Semiárido valoriza as potencialidades, ao contrário do paradigma de combate a seca, que só valoriza as carências. Os professores passam a valorizar o mundo rural, enfatizando os aspectos positivos da identidade e da cultura sertaneja. As disciplinas passam a ser contextualizadas. A educação contextualizada prepara crianças, adolescentes e jovens para permanecerem no campo, pois são educados a buscar oportunidades socioeconômicas no meio rural.”
A síntese feita por Valéria Landim, da Ong pernambucana Chapada, sobre a importância de se pautar debates e ações pela educação contextualizada na formação dos professores do Semiárido rural deixa claro o papel libertador e estratégico de uma educação que valoriza a identidade rural para a continuidade e o fortalecimento do campo. Mais do que isso: “as práticas de educação contextualizada contribuem com a elaboração e a execução de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural sustentável na medida em que os professores passam a trabalhar com toda a comunidade escolar essa visão de foco nas potencialidades deixa claro o papel que o estado precisa desempenhar no desenvolvimento da zona rural no sentido de que haja políticas voltadas para a segurança alimentar, para o desenvolvimento dos cultivos, dos estoques de água, para tudo o que é necessário ao Semiárido.”
O Chapada atuou como organizador de um dos intercâmbios entre educadores e educadoras de escolas do campo promovidos no Semiárido brasileiro pelo Cisternas nas Escolas com apoio da organização alemã Kindermissionswerk. Esse, na cidade de Araripina, em Pernambuco. De um modo geral, os intercâmbios contribuíram numa reflexão sobre a conjuntura atual da escolas e do ensino no campo e também como fortalecer as práticas docentes. Trouxeram como resultados e contribuições da chegada da cisterna e do fortalecimento desse debate da educação contextualizada uma maior consciência sobre as questões ambientais, a mudança na gestão da merenda e a fortaleza das aulas práticas com o aumento do tamanho, da diversidade e dos significados da horta escolar.
Para as educadoras Ivone e Luzia, de Minas Gerais, a consolidação de um calendário letivo cumprido foi uma das grandes contribuições. Luzia, que é coordenadora das escolas do campo do município de Caraí, lembra que na comunidade de Corujas, na Escola Municipal Arão Reis, somente no início de 2019, mais de cinco dias letivos poderiam ter sido perdidos pela falta de água se não fosse a cisterna escolar inaugurada. “A cisterna tem ajudado e muito na alimentação, na limpeza da escola e até pessoas da comunidade, do entorno.”
Santana Fernandes ressalta tanto os benefícios mais primordiais da chegada da água quanto o que isso gerou no currículo escolar.
Santana Fernandes também lembra da conquista prioritária de acesso à água com a chegada da cisterna na escola. Professora na Comunidade Lagoa do Mato, zona rural do município de Luís Gomes, no Semiárido potiguar, ela participou do intercâmbio que foi realizado em Mossoró, em junho deste ano. Para ela, com a chegada da água através da cisterna, a qualidade da merenda do aluno melhorou. “Havia dias que os alunos voltavam para casa por que não tinha água e não tinha merenda. Com a água, já facilita na questão da alimentação. Acerola, o cheiro verde, o tomate, o mamão que ajuda nas saladas que a gente, tudo a gente colhe lá [na escola] graças a essa cisterna.” E ressalta a chegada da água no currículo escolar: “há uma diferença quando você só fala e quando você fala e faz. A gente trabalhava as necessidades da planta e o aluno entendia em partes, mas quando ele foi lá plantar e fazer o acompanhamento, cuidar dessa planta, ele teve um aprendizado de mais qualidade, mais adequado.”
Em sintonia com esses aprendizados e propostas de fortalecimento político do Semiárido rural, Rafael Neves, que é coordenador do Programa Cisternas nas Escolas, ação da ASA que promove e incentiva a educação contextualizada durante a chegada da cisterna no ambiente escolar, provoca que “se a gente acredita num modelo de desenvolvimento onde a agricultora e o agricultor familiar, o campesinato brasileiro, são protagonistas e peças fundamentais nesses modelos, responsáveis por alimentar o nosso povo, a gente precisa que essa concepção também esteja dentro da escola. Historicamente a escola na verdade não reconheceu os saberes desses agricultores e dessas agricultoras.”
Rafael enfatiza que trabalhar o Cisternas nas Escolas para potencializar o intercâmbio de professores “é para que esses professores levem os conhecimentos dos agricultores para dentro da escola, para as aulas, para a forma de dar aula. Por exemplo, muitas professoras estão em uma comunidade em que ali tem um agricultor experimentador que participa de eventos nacionais e internacionais, apresenta ali a experiência dele, e na escola da comunidade dele, na escola do filho dele estudou essa experiência não é reconhecida, essa experiência não é vivida. Então a ideia é ter os professores como aliados desse modelo de desenvolvimento.”
Para Juliano Vilas Boas, do Centro de Agroecologia do Semiárido, o CASA, em Guanabi, na Bahia, que atuou como monitor pedagógico do Cisternas nas Escolas e participou do evento realizado naquele estado, essa ação, ainda, precisa reconhecer a mudança de imagem sobre a região semiárida que foi construída pelas organizações da sociedade civil nas últimas duas décadas. “Se a gente pudesse pensar o campo, pensar esse chão que pisa como esse espaço social, de significado, já não mais um semiárido de lugar de chão seco, de chão rachado, de gado morto, mas um lugar onde vivem pessoas, onde existe cultura e onde essa cultura precisa passar pelo debate da educação, construindo uma educação do campo onde educadoras e educadores, como toda a comunidade escolar, pudesse se reconhecer nesse espaço, no campo, no Semiárido, como um lugar de produção de significados.”
Ana Célia Silva Menezes, que é doutora em Educação, professora da Universidade Federal da Paraíba, a UFPB, e formadora na Rede de Educadores e Educadoras do Semiárido Brasileiro, a RESAB, em artigo recente para o Brasil de Fato sobre a educação contextualizada, destaca a importância do projeto político da ASA de incidência sobre a imagem da região como um lugar de vida e de esperança, “semeando” um outro projeto de Semiárido, inclusive pela educação. “É o compromisso com a transformação das relações sociais desiguais, o reconhecimento e valorização dos povos do semiárido e a afirmação das potencialidades e possibilidades dessa região que caracterizam o que aqui denominamos de Educação Contextualizada no Semiárido Brasileiro: semente de resistência, utopia e revolução”, destaca a professora.