“A postura nordestina foi altamente qualificada e na contramão da onda fascista que assola o Brasil”
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No dia 28 de outubro, o povo vai decidir que futuro deseja para o país. Os presidenciáveis que vão disputar o segundo turno têm projetos completamente opostos e o clima é bastante preocupante diante de um cenário cada vez mais violento. A morte do professor de capoeira e compositor baiano, o Mestre Moa do Katendê, após uma discussão política é o símbolo do sentimento de ódio que tomou conta do país.
Por outro lado, a renovação na Câmara e no Senado, evidencia um recado da população brasileira que foi traída nos últimos anos com cortes sociais e trabalhistas. Para analisar esse cenário e os desdobramentos para a classe trabalhadora, a Assessoria de Comunicação da ASA (ASACom) conversou com Roberto Malvezzi, o Gogó. Ele atua nas equipes da CPT e do CPP do São Francisco e é membro da equipe de Assessoria da REPAM (Rede Eclesial Pan Amazônica).
Gogó também analisa o papel do Nordeste nesta eleição, que levou a disputa presidencial para o segundo turno. “Enquanto praticamente o resto do país sonha com regimes autoritários, com a volta de militares, com o autoritarismo nas escolas, com agressões nas ruas, inclusive chegando a assassinatos, o Nordeste se pauta pela civilidade, pela democracia”. Ele também destaca que o segundo turno não está definido e que há um campo aberto para eleger para o Brasil um projeto civilizado. Confira a entrevista:
O povo queria mudança
Ficou claro que o povo queria mudança e essa mudança atinge também o legislativo, em todas as dimensões. Seja no Senado, em nível federal, inclusive no nível estadual teve muita mudança. E isso, evidentemente, é o resultado do desgaste que a classe política teve nos últimos anos. Eu atribuo grande parte dessa renovação, ao próprio golpe de Estado de 2016, quando o voto popular foi traído e, na pressão ao voto popular, muitos deputados e senadores, governadores e partidos inteiros, como o próprio PSDB, foram dissolvidos nesta eleição pelo voto popular. O PT também perdeu, mas não na mesma proporção que os outros. Continua sendo o maior partido na Câmara, já elegeu três governadores no primeiro turno e mesmo com Lula preso, conseguiu colocar seu candidato no segundo turno. Então o recado das urnas foi, sobretudo, para aquele pessoal que promoveu o golpe no Brasil. Mas, isso não significa que essa renovação da Câmara, do Senado, seja melhor do que o anterior. Você teve uma eleição de muita gente ligada à ideia do militarismo, da Bancada da Bala, da Bancada da Bíblia, e da Bancada do Boi. E também uma fragmentação e pulverização dos partidos. Então você tem hoje em dia mais força nas bancadas do que nos próprios partidos. Então vai ter um quadro renovado em termos de nome, mas não significa um renovado em termos de qualidade.
Pautas populistas x promessas infundadas
Há uma tendência de um congresso muito populista no sentido de ver certas coisas que a população quer ouvir porque tem necessidade. Questão da segurança pública, do emprego, da moralidade, da família. Mas há muita hipocrisia em tudo isso. São pessoas que se agarram a certas necessidades populares, prometem coisas infundadas, inclusive, coisas sem muita medida, muita consequência. Também estou falando aqui no campo fundamental da economia, da ecologia, da preservação dos nossos rios, da convivência com o Semiárido, desses temas vulgares que estão na mídia e muita gente sabendo o que o povo quer ouvir, fala. E fala de uma forma inconsequente. Então eu acho que tem muito populismo aí. Eu acho que a ficha da população só vai cair aos poucos, quando isso começar a andar e a realidade de fato se mostrar.
O Nordeste se pauta pela civilidade, na contramão do fascismo
Eu acho que a força do Nordeste neste momento não foi apenas quantitativa, a ponto de provocar um segundo turno. É uma força qualitativa. Enquanto praticamente o resto do país sonha com regimes autoritários, com a volta de militares, com o autoritarismo nas escolas, com agressões nas ruas, inclusive chegando a assassinatos, como aconteceu com aquele mestre de capoeira aqui na Bahia, o Nordeste se pauta pela civilidade, pela democracia, pelo investimento nas escolas, por investimento em saúde, por respeito ao 13º salário, por respeito ao salário mínimo. Então, na verdade, a postura nordestina foi altamente qualificada e na contramão da onda fascista que assola o Brasil. Então espero que o Nordeste, no segundo turno, cumpra isso ainda mais. Com mais gente, com o pessoal indo votar, a abstenção foi muito grande. No segundo turno, a eleição vai ser mais simples, vai ser só um número para apertar. E espero também que a resistência nordestina sirva de espelho para o resto do povo brasileiro. Todas essas agressões ao Nordeste, ao povo nordestino, o tiro saiu pela culatra.
Bons sinais: enraizamento político da convivência com o Semiárido
A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) se mostrou uma grande força de transformação social no paradigma da convivência com o Semiárido. E ela tem que tomar consciência que precisa também se tornar numa força política. Isso deveria até ser uma coisa mais organizada. Porque não adianta, chega determinado momento que quem vai definir é a classe política. É claro que isso vai depender muito do governo federal. Os grandes programas que nós tínhamos, dependiam muito do governo federal e, em nível estadual, isso se fragiliza se o governo federal não apoia. E eu acho que isso é importante para o segundo turno, inclusive. E precisa colocar muito claro para o Semiárido brasileiro, se quisermos ter uma força política além dos deputados. Eu acho inclusive que precisa chegar à Câmara dos Vereadores, das prefeituras, essa nova visão do Semiárido brasileiro, enraizar politicamente a Convivência com o Semiárido. Parece que temos bons sinais e uma hora precisaria pensar sobre isso, inclusive para fazer isso de uma forma organizada nos processos eleitorais. Essa inserção política desde o nível mais municipal até o nível federal.
Projeto de civilidade x projeto autoritário
Um modelo é muito claro. Ele é apresentado pelo viés autoritário, de você militarizar o Brasil, de você trazer a violência como método de convivência em sociedade, pelas armas, pelas agressões, pelas ofensas, pelo fake news e que não tem nenhuma proposta consistente em nível econômico, em nível de agricultura, de ecologia, de meio ambiente. Pelo contrário fala em acabar com terras indígenas, com os territórios quilombolas, oferecer capim para o povo nordestino. Isso tudo é muito claro, muito evidente. Quem vota nesse projeto sabe muito bem em quem está votando. Que se esconde atrás de um falso moralismo, na defesa da família e da luta contra a homossexualidade, tudo isso uma coisa falsa. E você tem um outro projeto, que eu acho de civilidade, de manter os direitos dos trabalhadores, recuperar o investimento em saúde, recuperar o investimento em educação. Eu ajudei a fazer o programa de água dessa proposta e eu inclui toda convivência com o Semiárido, inclui a questão do Programa Um Milhão de Cisternas, o P1+2, a questão da Amazônia, de fortalecer a cadeia do açaí, do cupuaçu, dos óleos, das castanhas, o investimento em energia solar, a energia eólica descentralizada, aproveitar o potencial eólico do Nordeste. É absolutamente diferente e antagônico um projeto em relação ao outro. Por isso eu também faço parte desse grupo que pensa que neste momento não é uma questão de um partido ou outro. É um projeto de civilidade e um projeto de retrocessos. É uma coisa antagônica e inconciliável.
Vamos ter que manter a luta pela democracia e os direitos do povo brasileiro
Há uma incerteza no ar. Se você tiver o projeto civilizado, a expectativa é muito boa. Se você tiver o projeto do autoritarismo, nós não sabemos até onde esse autoritarismo irá. Já são autoritários fora do poder. O que vai ser se eles chegarem ao poder? O mercado fecha com quem satisfaz seus interesses. Se forem recorrer á violência contra o resto do povo para atender interesses do mercado, eles recorrem à violência. Então, quem tem que tomar cuidado com isso não são os ricos, evidentemente. Quem tem que tomar cuidado com isso é povo brasileiro, que precisa trabalhar, precisa ganhar um salário, precisa da saúde pública, educação pública, é sobre esses que vai recair o peso de em um regime autoritário, inclusive, sobre os movimentos sociais. Na época do regime militar, muita gente foi proibida de se reunir, muita gente foi proibida de falar, muita gente foi presa, muita gente foi torturada, e muita gente foi assassinada. E o clima é muito pesado e nós não sabemos até onde poderemos ir. Então de qualquer forma, nós vamos ter que manter o trabalho de base, vamos ter que manter a luta pela democracia, e vamos ter que manter a luta dos direitos do povo brasileiro. Mas vamos ver em que contexto político e de autoritarismo nós vamos tá mergulhado. Isso nós não sabemos. Isso nós não podemos prever, mas o cenário é muito ruim nesse sentido.
O segundo turno está aberto
Eu gostaria de dizer que o segundo turno está aberto. A eleição não está definida. E vai depender muito de como o povo defende seus interesses. Muita gente pode mudar de votos vendo as loucuras e as barbaridades que um candidato defende. Mas tem muita gente que não foi votar e tem muita abstenção e muita anulação de voto que chega quase 40%. Como a eleição agora é muito simples, é só ir lá e apertar dois números, não tem essa complexidade do primeiro turno, eu acho que tem todo um campo aberto para o movimento popular trabalhar e tentar reverter esse quadro, pra gente então eleger para o Brasil um projeto civilizado de convivência social.