“Não é governar para o povo; agora é governar com o povo mobilizado”, destaca líder do MST e participante da greve de fome
![](https://enconasa.asabrasil.org.br/wp-content/uploads/2025/02/Jaime_ato_dia15.jpeg)
O dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina, Jaime Amorim, e mais seis ativistas encerraram há quatro dias a greve de fome atendendo ao chamado de suas organizações que avaliaram que o ato extremo de luta alcançou vários ganhos e que a resistência política vai continuar de outras formas, inclusive fortalecida pelo simbolismo da greve de fome.
Como resultado desse processo, Jaime destaca que a classe trabalhadora deu um salto de qualidade na política e que isso é resultado não apenas da greve de fome, mas de um conjunto de fatores como as marchas que foram feitas nos estados, a Caravana Semiárido Contra a Fome, a Marcha Nacional Lula Livre, o ato do dia 15 de registro da candidatura de Lula, os jejuns que começaram a ser feitos nos estados e as mobilizações de solidariedade.
Já de volta a sua casa, no município de Caruaru, no agreste de Pernambuco, Jaime concedeu uma entrevista por telefone à assessoria de comunicação da ASA na qual fez um balanço da greve de fome e falou sobre as próximas etapas da luta e da resistência política. Ele mantém cuidados com a saúde, pois ainda está debilitado e com a imunidade baixa. Foram 26 dias sem se alimentar. Para Jaime, a primeira semana foi um dos momentos mais difíceis, pois o corpo estava se adaptando a não receber comida. Mas ele e os demais superaram bem essa fase, pois tinham se preparado para um longo processo. Após o encerramento da greve, Jaime e os demais grevistas (Zonália Santos, Rafaela Alves, Frei Sérgio Görgen, Gegê Gonzaga, Vilmar Pacífico e Leonardo Soares) receberam orientações de uma nutricionista e de um psicólogo para retomar a rotina sem riscos.
Para Jaime, o sentimento pós-greve de fome é de dever cumprido e de compromisso com a continuidade da luta a partir do processo eleitoral e do processo organizativo da Frente Brasil Popular e do Congresso do Povo, que será realizado em março do ano que vem. Confira a entrevista:
ASACom – Em que medida a greve de fome conseguiu pressionar o Poder Judiciário que é responsável por zelar pela Constituição?
Jaime Amorim – A República trabalha com o equilíbrio, é uma questão fundamental, fundante da República, o equilíbrio entre os três poderes (Executivo Legislativo e Judiciário). Mas, um pouco antes do golpe contra Dilma, isso se inverte. O Poder Judiciário assume uma supremacia em relação aos outros poderes em função de que a conspiração que foi feita de fora para dentro já foi preparando o Judiciário para assumir o comando desse processo político. Como também foi em outros países. Agora tá sendo na Nicarágua, por exemplo. O que nós chamamos da politização do Poder Judiciário. Então o Judiciário foi aos poucos, como tarefa política do golpe, tomando posições não técnicas e não jurídicas, mas todas as posições que vêm sendo tomadas são embasadas na política. É a política que determina as posições do Poder Judiciário. Então as medidas de investigar Lula era política, a de processar era política e a medida de condenar e depois prender também foi uma decisão política a serviço dos interesses de quem patrocinou e de quem fez o golpe. Da mesma forma que a gente disse que houve uma politização do Judiciário também a política foi judicializada. Nada se resolve sem que seja determinado pelo Poder Judiciário. Para tudo, então, a ideia é que o único que pode reverter essa situação não é nem o Legislativo nem o Executivo. Infelizmente, hoje, cabe ao Poder Judiciário tomar as decisões em relação a qualquer medida tanto de garantir a legibilidade quanto manter a inelegibilidade de Lula e de outros políticos na mesma esfera.
ASACom – Quais foram as principais conquistas da greve de fome?
Jaime Amorim – Claro que nós trabalhamos com o objetivo da liberdade de Lula e quem tem a garantia disso é o Poder Judiciário e nós colocamos durante o processo as ADCs [Ações Declaratórias de Constitucionalidade] como questões básicas. Agora nós aproveitamos a greve de fome, os 26 dias, para fazer um diálogo com a sociedade principalmente o que nós chamamos de consequências do golpe para a sociedade, especificamente a questão a fome, do desemprego e da violência. Então viemos todos os dias debatendo e discutindo temas que demonstravam a necessidade imediata da derrota do golpe, de superar esse momento histórico pra gente recuperar aquilo que estamos perdendo e construir o país novamente. Então quando se decidiu encerrar o processo, se decidiu na ideia de que nós tivemos ganhos importantes para a sociedade, principalmente em relação ao Poder Judiciário. Apesar de não termos atingindo o objetivo principal pela liberdade de Lula e a sua legibilidade, nunca na história, como diz o próprio Lula, se conseguiu abrir tantas portas dentro do STF [Supremo Tribunal Federal] e do Poder Judiciário: da gente conversar diretamente com as duas ministras, com mais cinco ministros. Enfim, fizemos todo um debate ali, uma devassa do Poder Judiciário que está sendo escancarado. Então nós entendemos que isso somado aos outros elementos, tipo o registro da candidatura de Lula, o fato de que todas as pesquisas apontam que Lula vai ganhar as eleições no primeiro turno, a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU de exigir que o governo brasileiro e os poderes brasileiros garantam o direito de Lula de ser candidato, de participar do processo eleitoral – tudo isso fez com que a gente olhasse pra frente e entendesse que a sociedade efetivamente dá um salto de qualidade no processo organizativo, no processo de entender quais são os poderes. Quem é que tá determinado hoje, no país, e ter claras as mudanças que têm que ser feitas. E, somado a isso, os compromissos que foram assumidos nesse processo com o governo do Lula que é, ao ser eleito, imediatamente convocar o referendo para revogar todas as medidas feitas pelo governo Temer durante esse período do golpe e ao mesmo tempo propor as reformas necessárias que são aquelas cinco reformas que a gente tem colocado permanentemente: a reforma do sistema politico brasileiro, a reforma do sistema de comunicação, que é determinante pra romper com o monopólio da comunicação, a reforma tributária, a reforma do poder judiciário e como questão básica fazer a reforma agrária e fazer a reforma urbana para garantir que todas as pessoas tenham, no mínimo, o direito a casa pra morar.
ASACom – No ato de encerramento da greve você disse que o fim da greve de fome não representa o final da jornada, ao contrário, é uma nova etapa que começa. O que significa essa nova etapa?
Jaime Amorim – Eu tenho trabalhado etapas táticas e etapas estratégicas. Agora, como tática, é garantir as eleições, se jogar nas ruas, fazer a campanha de Lula. O Nordeste é determinante nessa campanha porque o Nordeste tem que fazer a diferença, tem que somar mais votos. Eu cito sempre o estado de Pernambuco que agora Lula tá com 71%, mas não é o suficiente. Tem que fazer mais para garantir a eleição do primeiro turno e fazer uma compensação com alguns estados em que Lula tem menos votos por diversas questões, por serem estados que têm uma outra visão política, enfim, principalmente Espírito Santo, Santa Catarina, Goiás. Então fazer com o que Nordeste possa compensar o processo de voto. Segundo, que a eleição não é a derrota do golpe, ela é a primeira fase da derrota do golpe porque o golpe vai permanecer porque ele tá entranhado no sistema politico e jurídico brasileiro, então nós vamos ter que ir para as ruas fazer com que Lula eleito ele faça aliança com o povo na rua. É o que temos chamado: não é governar para o povo; agora é governar com o povo mobilizado, exigindo, tensionando, e forçando o processo tanto das reformas quanto das mudanças que vêm pela frente. E a outra coisa é o processo da organização do povo. E a organização do povo passa agora pela realização dos congressos municipais do povo, depois o Congresso Estadual e depois lá em março o Congresso do Povo Brasileiro onde vamos determinar a construção do projeto nacional. Não é um programa de governo, mas um projeto de Nação que a gente quer. Então são os passos que vamos construindo no processo de resistência