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Oficinas de rádio em escolas rurais marcam semana pela democratização da comunicação no Semiárido
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Num contexto em que a liberdade de expressão está sendo cerceada, em que há decisões judiciais e medidas administrativas contra manifestações artísticas, e repressão contra protestos; possibilitar que às populações que só acessam, em sua maioria, os conteúdos construídos pela mídia hegemônica produzam seu conteúdo e visibilizem suas lutas, é um movimento que por si só contribui com o processo de democratização da comunicação. E é a partir da democratização dos meios e construção de conteúdos que respeitem a diversidade dos povos, suas culturas, crenças e valores que é possível transformar a sociedade.

No Semiárido brasileiro a comunicação popular tem sido um dos pilares da democratização, seja por meio da visibilidade de experiências de base comunitária, seja pelas formações e uso de instrumentos de comunicação em favor do fortalecimento das bases. É o caso das oficinas populares de rádio feita em escolas rurais de comunidades do Semiárido.

A ação da Articulação Semiárido (ASA) por meio do Programa Cisterna nas Escolas permite que os/as jovens mapeiam espaços de cultura e lazer da comunidade, além de refletirem sobre a renda e fontes de água do local. Assim, eles e elas percebem o quanto o lugar onde moram é próspero, diferente do que a grande mídia retrata sobre a realidade rural do Semiárido. A crítica ajuda-os a pensar um conteúdo diferenciado e que reflete o que vivenciam em seu cotidiano. Outro diferencial é que as crianças protagonizam todo o processo de produção e edição, e ao final o resultado é veiculado para a escola e comunidade.

A educanda Ana Cristina Santos, da comunidade Monte Coelhos em Sergipe, explicita o que achou da atividade. “A oficina foi uma experiência fantástica onde descobrimos o mundo da rádio, foi muito legal. A primeira coisa que gostei foi ter ficado pertinho da mídia, ter voltado ao tempo e saber o motivo da passagem de Lampião [na minha comunidade]! Foi muito divertido queria que tivessem mais tempo na oficina, e também achei muito legal ter a experiência de editar o meu próprio programa, e foi um ótimo trabalho em equipe. Pena que acabou! Mas isso não é um ponto final, vamos trabalhar em equipe novamente para inicializarmos a nossa rádio coelhense!”, planeja.

Já Luís Paulo Melo de Souza, que participou da oficina em Pernambuco, afirma que “foi uma experiência muito boa. Eu nunca tinha passado por um momento como esse. Eu espero com essa oficina seguir em frente, talvez conseguir algo [de comunicação] pro futuro da nossa comunidade”. “É uma experiência pra gente repassar pros outros”, completou a educanda Gabriele Lima de Souza, também de Pernambuco.

Nas oficinas, os/as jovens aprendem o passo a passo do processo de produção em rádio, inclusive a edição de áudio | Foto: Cesar Santos

Na última semana, a atividade aconteceu na comunidade de Monte Coelhos, município de Tobias Barreto em Sergipe (17 a 19) e na comunidade do Jacaré, na cidade de Ouricuri, no Araripe pernambucano (18 a 20). No evento que tem duração de três dias, estudantes de 11 a 15 anos aprendem técnicas de rádio e percebem o quanto esta ferramenta pode contribuir para visibilizar as riquezas de sua comunidade ao denunciar o que ainda é desafio para os moradores, bem como fazer um diálogo coletivo sobre formas e condições de narrativas radiofônicas nas comunidades.

Estas últimas oficinas aconteceram no período em que o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) promoveu a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que este ano aconteceu entre os dias 15 e 21 deste mês. Para fortalecer o debate sobre o acesso aos meios de comunicação pela população, foram realizados debates com os/as estudantes e a comunidade a partir da exibição do vídeo-documentário ConViver. A produção da obra é da ASA e traça por meio de depoimentos de agricultoras e agricultores, as conquistas e desafios da convivência com o Semiárido.

O resultado das exibições rendeu além da identificação da comunidade com o conteúdo da película uma reflexão sobre a convivência com o Semiárido e os desafios frente à crise política, econômica e social, pela qual o país passa. Maria Vital, moradora da comunidade de Monte Coelhos se emocionou ao lembrar as dificuldades que o povo enfrentava quando não tinha acesso a políticas públicas e criticou a morosidade das ações do governo para a agricultura familiar, principalmente na distribuição de sementes.

Além disso, o assessor técnico do Programa Cisternas nas Escolas, César Santos, fez algumas provocações acerca da ocupação dos meios de comunicação no país. “Como é que a gente faz pra quebrar essa concentração da comunicação em um pequeno grupo de empresários, enquanto nós povo que deveríamos fazer comunicação não consegue? Como é que a gente faz pra trilhar este caminho?”. No debate, as pessoas lembraram que a mídia não retrata a realidade do povo do nordeste como ela é.

Sobre o documentário, o jovem Vinicius de Jesus, 15 anos, disse que para ele foi importante o vídeo trazer este recorte da juventude que ainda migra para as cidades e outras regiões do país. “O vídeo é muito bom porque mostra nossa realidade, que muitos jovens estão saindo pra fora sem saber que tem muita oportunidade em nossa região”, afirmou. 

 

Oficinas de rádio – As oficinas de rádio são parte das ações do Programa Cisternas nas Escolas da ASA. Até o momento, aconteceram cinco das nove oficinas previstas, respectivamente no município de Tamboril (CE), São Lourenço do Piauí (PI), Estrela de Alagoas (AL), Tobias Barreto (SE) e Ouricuri (PE). As próximas quatro acontecerão de novembro deste ano a janeiro de 2018, nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia.

Em Minas, o evento acontece de 07 a 09 de novembro na comunidade quilombola de Araruba, município de São João da Ponte. De 28 a 30 de novembro é a vez da comunidade Canoa de Dentro, município de Pedra Lavrada na Paraíba acolher a atividade. Já entre os dias 27 e 29 de novembro, a ação acontece no município de Marcelino Vieira, no Rio Grande do Norte.

 

ConViver – O vídeo-documentário ConViver foi gravado em municípios do Semiárido dos estados de Pernambuco, Ceará, Piauí e Bahia e traça por meio dos depoimentos uma linha do tempo em que mostra como a região saiu da condição de extrema pobreza por meio da conquista de políticas públicas.

O documentário está disponível na internet e já está sendo utilizado em diversos eventos e formações. Maria Ana, agricultora do Assentamento 10 de Abril no Crato-CE, foi uma das pessoas retratadas no vídeo, e ao assistir, ela destacou qual foi o principal intuito de seu depoimento. “Minha fala foi para os jovens, pra que eles vejam que não precisa sair pra nenhum canto, que na terra da gente tem tudo sem precisar sair pra outro lugar sem trabalhar pra ninguém e ser sujeito a ninguém”, ratificou dona Ana.

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