Chuva: fé e esperança do povo do Semiárido
“Meu divino São José, aqui estou em vossos pés; Nos dê chuva com abundância, meu Jesus de Nazaré”. As súplicas do bendito de São José cantadas por milhares de devotos/as em todo o Semiárido, é tradição na região, e todos os anos enchem o coração dos sertanejos e das sertanejas de esperança. Segundo a crença, quando chove no dia 19 de março (dia de São José) é certa a colheita do milho e do feijão. Cientificamente, diz-se que a data é marcada por uma proximidade da passagem de um fenômeno climático chamado equinócio, que acontece quando o sol incide com maior intensidade sobre as regiões próximas à linha do equador e faz com que haja a precipitação.
“Se chover no dia de São José o inverno é bom, a gente já tem essa experiência, se o tempo tá seco e tá ruim a gente diz: vamos esperar o dia de São José pode ser que chova”, explica a agricultora, Maria Vieira, 66 anos, que vive na comunidade Vila Nova no Crato-CE. Sobre a crença a agricultora e devota de São José, Eliene Ferreira que mora na comunidade de Bom Jardim, município de Poço Redondo-SE, acrescenta: “No dia de São José meu pai planta nem que seja dez covas de milho. Mas, ele planta no dia de São José, mesmo sem chuva, porque segundo ele é pra ter milho assado na fogueira”, destaca Maria lembrando que ao plantar a semente do milho no dia 19 de março, é certa a colheita para consumo na fogueira de São João (24 de junho).
![](https://enconasa.asabrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/03/21_03_novena-Neto_Santos.jpg)
Neste ano, no dia do “santo da chuva” choveu em apenas alguns municípios do semiárido mineiro, cearense, paraibano, piauiense e baiano, mas a fé em dias melhores é tão grande quanto a resiliência das famílias agricultoras. E é esta crença que a pesquisadora Simone Lopes, salienta em seu artigo (O “roubo” da imagem de São José: Ritual para chover em Lagoa da Areia dos Marianos). “A tradição acaba sendo uma persistência no imaginário, no cotidiano e na memória camponesa. O fato de valorizarem e reproduzirem seus costumes demonstra como é sua ligação com o tempo, no caso, as estações, onde dependem da natureza e da crença para o sucesso, garantindo tanto o costume, quanto a comida durante todo o ano”.
Profetas da chuva
A religiosidade e a observação da natureza são características marcantes do povo do Semiárido. A fé no santo, a fé na chuva e no bom inverno prenunciam um ano de mais fartura no campo e na mesa, diferente dos últimos cinco anos de estiagem, segundo os chamados “profetas da chuva”. A previsão de cerca de 10 profetas da chuva do Piauí é de um período chuvoso melhor do que o de 2016. A afirmação foi registrada no Encontro dos Profetas da Chuva do Estado que aconteceu em janeiro deste ano.
Segundo o profeta Raimundo Zaca, “aqui a gente sabe da chuva pela observação da natureza, a gente vem acertando muita coisa porque a gente presta atenção na natureza. Do ano passado pra cá o inverno vinha mais pro lado do norte por causa do João-de-barro, porque ele fez a casa com a boca virada pro sul, e esse ano ele só reformou a casa, ai os invernos deve vir de novo mais pro lado do norte”, exemplifica o agricultor que reside na comunidade de São Braz, municipío de Pedro II no Piauí.
“Na previsão que deu, deu inverno até junho e na primeira semana de abril porque a lua foi guardada por cinco dias, foi a lua mais guardada que teve foi essa lua nova que deu agora, e se Deus quiser vai dar certo. Essa previsão é pro nordeste, mas tem umas regiões que dá melhor e tem umas que dá mais pouca. Quando o inverno está devagar pra chover, aquele lugar que tá seco e não tem quase nada verde ele não chama as chuvas. A chuva fica difícil, ela vai mais para aquela região que está chovendo todo dia. Aqui na minha região tá chovendo bem e por isso, vai ser mais fácil chamar mais chuva”, afirma Seu Raimundo.
Se depender das previsões dos profetas da chuva e das orações, a invernada vai ser boa. Na comunidade de Luciene, a promessa está feita: “Quando tiver tudo verdinho a gente vai rezar o terço de São José no meio da mata para agradecer. A mudança de tempo a gente sabe que está fazendo as chuvas não vir, esse desmatamento… mas, a gente tem fé que vai melhorar”, diz esperançosa, a agricultora.
Armazenar para conviver
Com muita ou pouca chuva, as famílias agricultoras do Semiárido sabem o quanto é importante estocar água e sementes para os períodos cíclicos de seca. É nesse período que se estende entre janeiro e abril que comumente cai a água que vai saciar a sede das pessoas e garantir a criação e produção vegetal. A satisfação de ter onde armazenar a água que vai ser utilizada, ao longo do ano, alegra Dona Maria Vieira:
“Eu tenho uma cisterna da pequena e uma calçadão. Aí a pequena encheu, mas a outra ainda não. Esse ano tá sem defeito, todo dia tem chuva aqui! já tem feijão verde, já tá chegando milho, jerimum e melancia. Nós tivemos três anos de seca, plantando e perdendo, mas este ano está melhor”, diz contente.