“Todo golpe começa no campo”

Diz agricultora durante a III Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária
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Luiza Cavalcante é agricultora. Há cerca de 10 anos, ela vive no Assentamento Chico Mendes I, no município de Tracunhaém, Zona da Mata de Pernambuco. A localidade é fruto de muita luta e resistência das famílias que, antes sitiantes, enfrentaram o assédio de latifundiários, produtores de cana-de-açúcar e da polícia. A história de Luiza é parecida com a de milhares de “Marias” e “Josés” que travam lutas diárias pelo acesso a um pedaço de terra para viver e plantar.

A distribuição de terras no Brasil ainda é muito desigual. Segundo dados do Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a distribuição de terra no Brasil é a mesma de 20 anos atrás. Enquanto as fazendas com mais de mil hectares ficam com 43% da área total destinadas à agropecuária, as propriedades com até dez hectares ocupam apenas 2,7% dessas terras. Informações do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) afirmam que o Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo.

 

Luiza Cavalcante destaca as violências que as camponesas sofrem no cotidiano | Foto: Elka Macedo

Além da má distribuição de terra, segundo a agricultora, outras negações são feitas atualmente. Hoje, fruto da conjuntura politica e econômica do país, Luiza salienta que há um golpe em vista, que atinge primeiro as zonas rurais. “Todo golpe começa no campo. Os camponeses são os primeiros a serem violentados porque se o campo não planta, a cidade não janta. A maioria da população é alimentada pela agricultura familiar camponesa. Aí, eles enfraquecem o campo para atingir a cidade, por isso é importante juntar campo e cidade”, ressalta Luiza.

Já para a agricultora assentada do município de São Lourenço da Mata, Dona Gercina, 61 anos, conhecida como Neném, o acesso a terra ainda é um grande desafio para as populações do campo. “A grande violência é ver muita terra nas mãos de poucos, e pouca terra nas mãos de muitos. A terra é um bem comum e nós não somos invasores. Estamos acessando um direito que é nosso”, afirmou.

As afirmações das agricultoras foram feitas durante a roda de diálogo “Violência no campo: um olhar feminista” que aconteceu durante a III Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária, realizada pela UFRPE com apoio de movimentos sociais, de 18 a 20 deste mês, no campus da universidade em Recife. O evento teve o objetivo de refletir sobre as violências e lutas de movimentos pelo acesso a direitos, em especial o direito a terra por meio da reforma agrária, como salienta a professora da UFRPE e membro do Núcleo de Agricultura e Campesinato (NAC), Gilvania Oliveira.

“O objetivo da Jornada é promover o debate trazendo os movimentos para serem protagonistas dessa história e desconstruir o preconceito que a mídia faz e que a cidade faz separando campo e cidade quando afirmam que a cidade é mais importante que o campo. A gente tenta trazer um pouco os elementos que trazem frutos muito interessantes para os estudantes e os aproximam mais da realidade camponesa”, destaca Gilvania.

A violência e negação de direitos no campo, principalmente entre as mulheres, foi pauta do evento que abordou ainda como o não acesso a direitos básicos sustentam a ideia de que o campo é um lugar de poucas oportunidades. Para Luiza, “na luta pela terra, a gente entra em pé de igualdade para enfrentar o capanga. Para cuidar da terra, a gente não pode mais se curvar ao papel da mulher submissa. E quando se trata de mulheres negras é pior ainda. Nós somos mulheres, sobretudo de direitos, porque os deveres já estão dados. A gente quer vivenciar nossos direitos. Nenhum direito a menos para nenhum de nós; nenhum passo atrás para nenhum de nós.”

 

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