As sementes da paixão
Bancos comunitários de sementes guardam patrimônio genético de regiões do Semiárido
Já que a colega Cláudia Parente fala aí ao lado de ecologia e tecnologia, vou pedir licença aos leitores para fugir um pouco dos nossos assuntos, sempre tão urbanos. Em 2014, andava pelo sertão do Rio Grande do Norte, quando me deparei com Francisco Benedito de Paula, que me mostrou uma garrafa cheia de sementes de milho, envoltas em defensivos agrícolas cor de rosa. “O grão é bonito, mas não nasceu”, depôs, referindo-se às sementes padronizadas, distribuídas pelo governo estadual para todas as regiões daquele Estado. O mesmo discurso ouviria, depois, no interior da Paraíba, onde uma lavradora, Maria do Carmo da Silva, me informou que seu neto fora intoxicado pela sementes oficiais. Para evitar problemas como os de Maria e de Francisco, agricultores criaram bancos de sementes crioulas, como são chamadas aquelas cultivadas pelos índios desde os tempos pré coloniais e que chegaram aos dias atuais pela agricultura tradicional. Nesta, os produtores conservam as sementes, selecionam, melhoram e as trocam entre si. São também conhecidas como sementes da paixão (PB), da fartura (PI), da resistência (AL), da liberdade (SE). Em Pernambuco, são chamadas de crioulas mesmo.
A importância das crioulas
Para o homem da cidade, parece discussão sem importância. Mas não para o do campo. Eles cultivam, e criam bancos comunitários de sementes. Só na Paraíba, os bancos somam mais de 220. Assim, garantem o patrimônio genético da região.
A extinção
Em Pernambuco, acaba de ser criado mais um banco comunitário de sementes crioulas. Foi em Garanhuns. “Elas são típicas do Agreste, e sofrem risco de extinção”, alerta Pedro Balensifer, do Intituto Agronômico de Pernambuco (Ipa).
Os “guardiões”
É assim que são conhecidos os agricultores que conservam essas sementes, por várias gerações. No Agreste Meridional há quatro bancos comunitários atuando. “Deverão ser 15 em 2016, com a ajuda da Caritas Regional Nordeste 2”, diz.
Só no Agreste Meridional, Pedro já …
… computou sementes tradicionais de 25 variedades de feijão e 19 de fava. Ainda estuda as de milho. “Já observamos seis, inclusive uma para pipoca”, diz.
As feiras de variedades nativas
Ao contrário de sementes industrializadas, que praticamente só germinam bem na primeira geração, as crioulas não têm esse problema, e podem ser guardadas para a próxima safra, revelam os lavradores que as cultivam.
A liberdade
E é por esse motivo, que muitos agricultores dizem que as tradicionais são as sementes da “liberdade”. Pedro ratifica: “as híbridas (industrializadas) têm superprodução no primeiro lote. Mas a partir do segundo, a produtividade vai caindo. E em muitos casos, nem brotam mais”.
A organização
Além de bancos comunitários, agricultores costumam fazer feiras, onde realizam trocas de sementes crioulas. Muitas são variedades locais que se adaptam bem ao semiárido. Elas dispensam custos adicionais, como adubação e agrotóxicos, impraticáveis para o pequeno produtor.