Memória para a resistência: Fórum Cearense discute os olhares que contam a história do Semiárido
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Diversos olhares se lançam sobre o Semiárido. Mas a construção de um único olhar forjado no passado tem consequências no presente. A história de um território tão pulsante e múltiplo foi contada sem os relatos de seu próprio povo, forjada pela ganância política que sustentou uma memória de local infértil, impiedoso, impossível de oferecer dignidade a quem ali vivesse.
O ano de 2015 traz a marca histórica e um símbolo dessa memória tornada oficial sobre o Semiárido: as letras do O Quinze, de Rachel de Queiroz. O olhar da escritora mostra o seu lugar de fala, que parte da gente mais abastada, da casa grande, e também compõe uma lógica literária sobre o sertão anteriormente adotada e seguida por tantos outros, que tem impacto direto na construção da memória desse lugar e da autoestima de quem o habita. Hoje, século XXI, vivemos a construção de uma nova história para o Semiárido através da convivência. Da defesa da vida, dos direitos humanos, da preservação do bioma e da valorização da identidade cultural e do trabalho com a produção. O foco do debate na terceira reunião ampliada do Fórum Cearense pela Vida no Semiárido (FCVSA) deste ano gira em torno de tudo isso. O tema: “O Quinze cem anos depois. Um novo olhar para o Semiárido na perspectiva da Convivência”.
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Reunidos nesta quinta-feira (12/11) no Sertão Central, em Quixadá, exaltamos a memória dos povos do Semiárido e de quem vive e viveu em defesa da convivência. Como Danylo Almeida, secretário de juventude do Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Quixeramobim, que se preparava para participar deste encontro, o qual ajudou a organizar, mas o vento lhe soprou a vida na estrada na noite desta quarta-feira. “Lembremos de Danylo e de todas e todos aqueles que lutaram por um novo semiárido”, diz Odaléa Severo, do Instituto Antônio Conselheiro. Danylo construiu sua história nessa luta e será sempre referência para a juventude do Sertão Central na defesa da Semiárido da convivência.
Dos povos do território, os quilombolas do Sítio Veiga comandaram a mística encenando o retrato do sertão dos retirantes e confrontando essa realidade com a denúncia no canto que diz: o problema do Nordeste não é a seca, meu irmão. O problema do Nordeste é a cerca do patrão. Ana Eugênia, quilombola, demarca a luta dos povos tradicionais no novembro da consciência negra provocando todas e todos que lutam pelo Semiárido da vida para que essa defesa venha também com a defesa do povo quilombola, do povo indígena, do povo que ensinou a conviver.
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Olhamos para a memória do nosso chão pela linha do tempo, coordenada por Andréa Sousa, do Esplar, com períodos de estiagem que a história registrou e com a nossa própria memória sobre os anos recentes de períodos secos prolongados como o que vivemos agora. Na mesa de diálogos tivemos vários olhares para compreender a construção da imagem do Semiárido. A jornalista Maristela Crispim, editora do caderno Regional do Diário do Nordeste, fala do período a frente do caderno especial de Gestão Ambiental e da preocupação de falar do território buscando o olhar de quem vive, se distanciando da visão estereotipada sobre o sertão e as sertanejas e sertanejos recorrente nos grandes veículos de comunicação, em especial os de fora do Nordeste. Em 2011, o caderno escreveu uma reportagem especial “Retrato Sertanejo”, falando da esperança (água), convivência (terra) e identidade (cultura). Premiados pela Embrapa, puderam levar um Semiárido diferente além das nossas fronteiras, para aqueles que ainda enxergam o sertão marcado pelo sofrimento e pela precariedade.
Altemar Muniz, professor e coordenador do mestrado acadêmico de História da FECLESC/UECE em Quixadá, incita todos a pensarem sobre as histórias de vida que se perdem pelas memórias não registradas e não visibilizadas. “Qual a nossa responsabilidade? Qual a nossa culpa nossas histórias não serem referência para as novas gerações?”, provoca. “A gente reproduz (as memórias que não são nossas). Estamos aqui falando do Quinze e qual a crítica que fazemos a ele? (…) Quem sabe das pessoas que deram a sua vida pela terra?”. A memória ainda é dos opressores e nós precisamos disputá-las. Dá a ideia de que façamos uma pressão junto às secretarias de educação dos municípios e Estados da região Semiárida para que o boletim Candeeiro, um dos meios de comunicação popular utilizados nas ações da Articulação Semiárido Brasileiro, seja material de discussão na rede de ensino público. Nesse gancho o agricultor Ednaldo pede para que a ASA puxe processos de debate político sobre a educação contextualizada. “A nossa educação nunca contou a nossa história”.
Pelo olhar das mulheres que vivem no Semiárido, falou Eliane Lobo. Agricultura da comunidade São João dos Carneiros, que pela luta do povo por aquela terra, rebatizou o lugar de São João da Conquista ao virar assentamento. Eliane defende a cultura sertaneja. “A mídia não quer tocar a música do Bosco”. O Bosco é agricultor e constrói o Fórum. Ele faz canção para dialogar com o pai sobre a defesa da convivência. Através dela convence sobre o fim da queimada, sobre a estocagem da água e outras pautas tantas mais. Paulo Costa, profeta da chuva, conta que a preocupação que o motivou a organizar o encontro dos profetas foi a preocupação em conservar o costume do povo. “Eu sei o que é seca, eu sofri com a seca”. É por isso que fala da chuva. Cristina Nascimento, coordenadora da ASA no Ceará, fala do olhar da Articulação. “Precisamos fazer valer o nosso olhar para o nosso lugar”.
É no Semiárido que a vida pulsa. É no Semiárido que o povo resiste!
Nesta sexta-feira (13/11) o Encontro prossegue com o lançamento do Movimento Ceará Agroecológico (que o FCVSA integra), outras mobilizações e rodada de informes.