Reforma Agrária no ar: ocupar, resistir, irradiar!
Apesar de ser um direito previsto na Constituição Federal, o funcionamento das rádios comunitárias sofre criminalização | Foto: Josy Magalhães |
Comunicação comunitária, alternativa e, sobretudo, popular. É assim que podemos caracterizar diversas iniciativas de comunicação no Semiárido Brasileiro, que se multiplicam como estratégia política para transformação social e organização dos povos e comunidades. Através de instrumentos populares e comunitários de comunicação, homens e mulheres fortalecem a convivência com o Semiárido e disputam, nos territórios, a garantia de irradiar direitos.
“Nas áreas rurais, as rádios têm um papel que vai além de ser um veículo que leva informação, mas é também um espaço de mobilização de pessoas e de apropriação de direitos. Essas rádios são espaços onde as pessoas da comunidade se encontram, onde são pautadas as necessidades do coletivo, são marcadas as reuniões e é onde chegam as informações referentes às políticas públicas”, destaca Fernanda Cruz, coordenadora de Comunicação da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
O reconhecimento das rádios nas comunidades também está presente na Constituição Federal. Há 27 anos, o artigo 221 prevê a promoção de produções radiofônicas regionais e independentes. No entanto, os processos para regularização das rádios comunitárias ainda geram polêmicas e reinvindicações. A pauta inclui burocracia, falta de transparência nos critérios de concessão e truculência dos órgãos fiscalizadores com as rádios comunitárias.
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Fachada da Rádio Amanhecer FM | Foto: Arquivo do Boletim O Candeeiro |
Em Sergipe, o comunicador Bruno Balbino, da rádio comunitária Amanhecer FM, conta que a emissora nasceu com a proposta de trabalhar a cidadania e mobilização social: “A rádio veicula programas voltados para população do campo como o Riquezas da Caatinga, da ASA e o Prosa Rural da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], além de programas ligados ao Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e ao MST [Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra], isso nos ajuda a cumprir nossa missão como emissora comunitária”, diz Bruno. A Amanhecer FM tem seu alcance limitado a, no máximo, 1 km a partir de sua antena transmissora. Mesmo com o pouco alcance, ela consegue proporcionar o acesso à informação de várias pequenas comunidades que ficam em seu entorno, além de ser um canal de divulgação de ideias, manifestações culturais, tradições e do modo de vida das pessoas.
Para Nayara Gomes, coordenadora do programa de comunicação do Movimento de Organização Comunitária (MOC), é inegável a importância e o poder de transformação e mobilização que as rádios comunitárias possuem. “Desenvolvemos experiências em comunidades rurais distantes das zonas urbanas, em que não chegavam nenhum processo de comunicação, que não dialogavam com a realidade das próprias pessoas e que hoje veem sua realidade se transformando com a chegada da rádio. Vemos um grupo de jovens comunicadores invadirem esses espaços, no sentido de pautar a sua realidade, de produzir conhecimento a partir da sua realidade e transformação, através da comunicação, o seu território”, afirma Nayara.
Pra acabar com o poder dos coronéis do Sertão temos que democratizar a comunicação!
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O Intervozes faz parte do movimento que defende a Campanha de Lei de Mídia Democrática. |
Uma das referências na luta pela garantia do direito humano à comunicação é o Intervozes, coletivo Brasil de comunicação social. De acordo com Raquel Dantas, comunicadora popular da ASA e integrante do Intervozes no Ceará, “no Semiárido, o contexto de luta pelo direito à comunicação também encontra espaço, necessidade de existência. Apontemos algumas razões mais diretas: a antiga figura dos coronéis, algo tão marcante na história nordestina, não deixou de existir. Apenas atualizou as suas formas de domínio sobre a população. Hoje o coronel sabe que precisa ser dono ou ter influência direta ou indireta sobre um veículo de comunicação porque o seu poder político se alimenta na opinião pública, e se mantém ao pautar a sociedade de acordo com o que convém que ela saiba”, afirma Raquel. (leia a entrevista completa da comunicadora aqui)
A esse fenômeno citado por Raquel, damos o nome de coronelismo eletrônico. No Semiárido, diversos políticos se encaixam nesse papel: Tasso Jereissati, dono da Rede Jangadeiro, com retransmissoras de TV e rádio em todo o Ceará; José Agripino, no Rio Grande do Norte, com a Rede Tropical de TV e rádio; a família ACM, na Bahia, com o herdeiro agora prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto, dono da Rede Bahia de Televisão, entre outros.
Com o intuito de mudar esse cenário, diversas organizações da sociedade civil, congregadas no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) formularam desde a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em 2009, a Lei da Mídia Democrática, um Projeto de Iniciativa Popular que apresenta um novo marco regulatório para os serviços de radiodifusão. O esforço, agora, está centrado na coleta de assinaturas e na disseminação do debate em torno do Projeto.
Também a ASA, na carta de seu último Encontro Nacional de Comunicação, em Gravatá (Setembro, 2014), ressaltou a importância de seu comprometimento na luta pela democratização da comunicação e a necessidade do fortalecimento das experiências de comunicação popular e comunitária protagonizadas pelos povos do Semiárido.