Agricultora de Minas Gerais fala do impacto do uso de agrotóxicos em plantios de eucalipto
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Agricultora diz que conscientização é o caminho para enfrentar o avanço do agronegócio na região | Foto: Beto Oliveira/Asacom |
O assentamento Nossa Senhora das Oliveiras, situado em Riacho dos Machados, no Norte de Minas, é referência no trabalho de agroecologia. A constituição do assentamento, em 1996, já nasceu com a proposta de trabalhar a agricultura em harmonia com a natureza e sem uso de agrotóxicos. Atualmente, 110 famílias vivem no assentamento.
As principais práticas desenvolvidas pelas famílias são: conservação das nascentes, conservação do solo, sistema de consórcio de plantas, extrativismo e processamento de produtos tirados do cerrado e da caatinga que são comercializados na cooperativa e em feiras livres. A história completa do assentamento você pode conferir aqui
Apesar de não usar veneno, a comunidade está “encurralada” pelas grandes monoculturas do eucalipto que utilizam grande quantidade de agrotóxicos. As consequências são muitas, entre elas, a poluição das águas. Essa realidade deve agravar ainda mais com a aprovação do plantio comercial do eucalipto transgênico. A liberação foi votada na última quinta-feira (9/4) na Coordenação-Geral da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A variedade transgênica da planta vai consumir mais água que a variedade normal (cerca de 3 vezes mais), além de causar impacto na produção de mel e contaminação genética.
Em entrevista a Assessoria de Comunicação da ASA (Asacom), a agricultora e uma das lideranças do assentamento Elizângela Ribeiro Aquino, conhecida como Lô, fala sobre o impacto da monocultura do eucalipto na região, do uso de agrotóxicos e de como as famílias vêm conseguindo resistir a ofensiva do agronegócio na região.
ASACom – O uso intensivo de agrotóxico na região impactou ou ainda impacta no assentamento ou na região?
Lô – O assentamento nasceu com a proposta agroecológica, então, aqui, não usamos nenhum tipo de agrotóxico. O único impacto que tivemos aqui na região foi a questão do eucalipto e eles têm um combate muito forte com as formigas. E essa questão do uso de agrotóxicos no eucalipto tem impactado aqui a região de Riacho dos Machados.
ASACom – Desde quando que essa situação com o plantio intensivo de eucalipto tem impactado o território de vocês?
Lô – Desde 1980 que a região já é afetada pelo uso dos agrotóxicos pelo eucalipto. São muitos hectares, tanto o assentamento como as outras comunidades tradicionais de Riachos dos Machados estão sendo encurraladas pelo eucalipto.
ASACom – O uso intensivo de agrotóxicos nessa área do eucalipto impacta diretamente de que forma no assentamento?
Lô – Impacta por conta da água. A gente tinha muitas nascentes e rios que passavam nessa área que tá o plantio de eucalipto e eles estão contaminados pelos venenos, mas também foi impactada de uma forma que nem água tem mais, ainda mais aqui na região, não existe. A única parte mais conservada aqui é o assentamento, tanto que já ocorrem várias invasões de pragas no município de Riachos, nessa região nossa aqui. A gente teve uma clareza muito grande da importância do controle da biodiversidade do Cerrado porque teve uma época que teve muita lagarta, muita mesmo. Então todas as lavouras do município foram devoradas pelas pragas e aqui no assentamento a gente teve lucro porque ela ataca a roça quando não acha as plantas nativas pra comer, porque a opção dela é mesmo pelo nativo. Como a gente tem um sistema agroflorestal, de curva de nível, de proteção do Cerrado, quando a lagarta chega na lavoura, porque ela tem período de começar e período de terminar, ela já tava na época de acabar [seu ciclo de alimentação ali]. Com essa preservação, a gente conseguiu fazer com que a lagarta não destruísse a plantação.
Asacom – Como vocês têm resistido no assentamento a essa investida do agronegócio?
Lô – Aqui no assentamento a gente tem uma organização, uma associação. E aqui na associação a gente tem uma organização que um ajuda o outro, às vezes, uns com mais consciência. A gente também debate muito nas reuniões mensais, coloca a preocupação do aumento dos agrotóxicos, do que isso pode causar na vida e a gente faz o monitoramento mesmo. Se um souber que o outro tá com uma bomba [de aplicação do veneno] fala para a associação. Porque a gente usa muito os remédios naturais, com a citronela e outras plantas orgânicas pra tentar fazer o controle das pragas na horta e até nas lavouras. Então quando a gente chega que alguém vê alguém com a bomba, vai procurar a associação pra saber quem tá usando a praga natural ou quem tá usando agrotóxico. Até esse controle tem o dialogo aqui no assentamento.
ASACom – Então, a organização é um elemento importante de resistência?
Lô –A gente tem conseguido avançar bastante na história da conscientização. A gente tem na comunidade, no município, pessoas que têm consciência de que aquilo faz mal, de não agredir a natureza, conseguem avançar bem na discussão e proteger o meio ambiente de uma forma geral.
Asacom – Como despertaram para a importância de trabalhar a produção de forma agroecológica?
Lô – A gente geralmente já fazia isso, desde que era pequeno. Mas essa vontade mesmo, a presença de uma forma mais geral de trabalhar com agroecologia, veio a partir do nascimento do Assentamento. Desde 1996 o assentamento nasce com essa proposta agroecológica e aí sim abrange e a gente faz esse processo.
Asacom- Outras comunidades estão encurralados pelo agronegócio no país. O que você acha que é necessário que se faça pra se enfrentar isso com mais força?
Lô – Uma coisa que eu acho importante é a questão da conscientização dos agricultores e agricultoras, dos povos e comunidades tradicionais. Que tenham essa consciência da importância do cerrado, da caatinga, dos outros biomas e da autonomia do agricultor e da agricultora. A gente se torna refém do agronegócio. E de uma forma geral, quando as pessoas têm consciência disso se busca a autonomia, se busca conscientizar outras famílias e comunidades. O primeiro passo em si é a conscientização.