Pressão popular é uma das estratégias da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida

Manter a vigilância nos projetos de lei que ameaçam direitos conquistados é o principal desafio da Campanha nos próximos anos
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A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida é uma das iniciativas populares mais concretas hoje no País de enfrentamento ao agronegócio. Formada por um conjunto de movimentos sociais, ONGs, sindicatos, redes, universidades e instituições de pesquisa, a Campanha completou quatro anos nesta terça-feira (7/4). Alguns objetivos lançados em 2011, entre eles, o banimento dos agrotóxicos que já estão proibidos em outros países e o fim da isenção dos impostos para os agrotóxicos, continuam sendo bem desafiantes, principalmente pelo cenário político e econômico atual do País, mas que alguns avanços podem ser identificados e comemorados.

“Uma questão extremamente louvável dessa campanha é que ela se chama Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Então essa palavra permanente é importante porque é uma campanha que veio pra ficar e ela tem conseguido em vários pontos do país mobilizar muita gente e agregar muito porque tem seguido numa vigilância sobre essa situação absurda de sermos o País que mais consome agrotóxico no mundo”, avalia Carlos Eduardo de Sousa Leite (Caê), da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Ao colocar o tema dos agrotóxicos em evidência, a Campanha expõe as contradições do modelo dominante de produção agrícola do País, que tem como base a produção em larga escala, as monoculturas, a utilização massiva de venenos nas lavouras, além de uma forte degradação ambiental e exclusão social. Ou seja, não dá para discutir agrotóxico sem debater o agronegócio e suas diversas facetas. Um alimenta o outro.

“O modelo do agrotóxico tá ligado também ao modelo dos transgênicos, então uma coisa dialoga com a outra porque a partir do momento que você desenvolve uma planta geneticamente modificada é exatamente para ela receber mais agrotóxico e morrer. E essa campanha tem conseguido fazer esse diálogo. Um diálogo onde ela coloca as questões que estão no contexto dessa problemática que é o avanço do agronegócio no Brasil”, destaca Caê.

Já Pedro Albuquerque, do Comitê da Campanha no Recife, em Pernambuco, e mestrando em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), destaca que a Campanha também conseguiu tornar o agrotóxico um tema mais frequente em diversos espaços da sociedade. Ele atribui essa conquista ao esforço coletivo de várias entidades que compõem a Campanha.

“Ela conta com a participação do MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra], de organizações de estudantes, militantes de partidos políticos. Então ela conseguiu congregar muitos atores principalmente que lutam pela questão da terra e a reforma agrária e têm conseguido alguns avanços na batalha das ideias, apesar de na correlação de forças em nível de Congresso a gente teve um retrocesso importante e dos ataques que a gente continua sofrendo”, destacou.

Ação das mulheres do MST na sede da Futuragene, que impediram a votação no dia 5 de março | Foto: Site do MST

Atualmente tramitam no Congresso inúmeros projetos e iniciativas que colocam em risco a vida das comunidades tradicionais e pequenos agricultores. “Infelizmente estamos num momento muito menos de promover políticas públicas afirmativas e mais de resistir a ofensiva que tem hoje o Brasil da direita e das grandes corporações pra que não haja um retrocesso nessas conquistas. E uma das estratégias da Campanha é monitorar essas propostas e fazer pressão popular para que elas não sejam aprovadas”, avalia Caê.

Entre as propostas em curso no Congresso está a aprovação da liberação comercial do eucalipto transgênico, que entrará em pauta novamente nesta quinta-feira (9). Na última reunião, que ocorreu no dia 05 de março, a pauta foi adiada graças a uma mobilização das mulheres camponesas. Outras iniciativas são o Projeto de Lei (PL) para a retirada da rotulagem dos produtos transgênicos, a PEC 215 da demarcação indígena e o PL 7735/2014 da Biodiversidade.

A aprovação desses projetos é de interesse dos parlamentares da bancada ruralista, a maioria deles grandes proprietários de terra e também donos de meios de comunicação. Atualmente essa bancada é composta por 273 parlamentares, sendo 16 senadores e 257 deputados. Na ficha desses parlamentares é evidente a ligação com grandes empresas multinacionais do agronegócio, além de crimes ambientais e contra as populações tradicionais.

O site República dos Ruralistas  dispõe de informações concretas sobre financiamento de campanha, patrimônio fundiário e financeiro, além de ocorrências judiciais da bancada ruralista. A ministra da Agricultura e Pecuária e ícone do agronegócio, Kátia Abreu, por exemplo, recebeu na campanha de 2014, quando era candidata à reeleição ao Senado, o montante de R$ 3.328.908,96, oriundos de empresas do ramo de alimentos, pecuária, mineradoras e construtoras, além de doação de fazendeiros ligados a soja e ao algodão. 

“A campanha [Permanente contra os Agrotóxicos] avalia o momento da representatividade no Legislativo muito complicado e também no Executivo, com Kátia Abreu sendo ministra da Agricultura. Foi uma bancada que cresceu bastante e eles [os parlamentares ruralistas]  hoje não representam os interesses da sociedade e sim das corporações e dos pequenos grupos capitalistas que financiaram e ajudaram essa bancada imensa a se eleger”, reforça Pedro Albuquerque.

Pulverização aérea de agrotóxicos

Outra bandeira da Campanha é o fim da pulverização aérea de agrotóxicos, que responde por 30% do uso de agrotóxicos no Brasil e representa o setor “mais moderno” do agronegócio. Essa é uma prática regulamentada pelo Ministério da Agricultura, Pesca e do Abastecimento, mas falta fiscalização.

Diversas entidades ligadas à pesquisa e à saúde como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) encabeçaram a luta pelo fim da pulverização área devido aos diversos  problemas já ocorridos no Brasil e que estão bem documentados em pesquisas como o Dossiê Abrasco: Um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde. A pulverização aérea é um método extremamente inseguro e danoso que contamina grandes extensões, impactando toda a biodiversidade do entorno, como os corpos de água, além de causar problemas de saúde nas pessoas.

Um caso emblemático ocorreu em maio de 2013, no município de Rio Verde (GO). O trabalho de pulverização de uma plantação de milho e soja alcançou a Escola Rural de São José do Pontal atingindo 45 crianças e dois professores. Eles apresentaram graves sintomas de intoxicação. As cenas chocantes são mostradas no documentário “O veneno está na mesa 2”, do cineasta Silvio Tendler, e é um dos produtos da  Campanha.

No Ceará, região marcada por grandes conflitos envolvendo o uso de agrotóxicos nos perímetros irrigados da Chapada do Apodi e em outros territórios do estado – existe um projeto de lei proposto pelo deputado estadual, Renato Roseno (Psol-CE), que  trata da proibição da pulverização de agrotóxico via aérea.

De acordo com Alessandro Nunes, assessor técnico da Cáritas Brasileira Regional Ceará, o projeto de lei reforça a luta e o trabalho de várias entidades que compõem o Fórum Cearense pela Vida no Semiárido.

“Esse é um projeto muito importante porque o território não tem cerca. O vento leva o agrotóxico para qualquer lado. Os aviões passam em cima das comunidades, das casas, ela envenena as pessoas de forma direta, seus quintais e suas plantações. Os corpos de água superficiais ficam contaminados. Tem risco para os animais e para as pessoas”, descreve Alessandro. Para reforçar a proposta, a Cáritas Ceará lançou uma petição online com o objetivo de pressionar os parlamentares pela aprovação da lei. Para assinar a petição clique aqui
 
Fortalecimento da agroecologia

O fortalecimento da agroecologia como modelo que promove à saúde e gera vida tem sido uma das grandes conquistas da Campanha nesses últimos quatro anos. Mesmo com todos os desafios, houve avanços importantes e medidas concretas a exemplo do crescimento de feiras agroecológicas, que são também espaços de diálogo entre o campo e a cidade e de divulgação da agricultura familiar como produtora de alimentos saudáveis para a população. No Brasil existem atualmente 1.331 feiras agroecológicas em 624 municípios, de acordo com um levantamento feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

No âmbito das políticas públicas, um avanço é o Programa Nacional de Redução de Uso de Agrotóxicos (Pronara), que prevê medidas emergenciais de restrições e legislativas para frear o uso de agrotóxicos no Brasil. A elaboração da proposta envolveu representante da sociedade civil e do governo e é resultado do acúmulo de vários anos sobre o tema oriundos de relatórios e propostas de diversas conferências como a de Segurança Alimentar e Nutricional, da Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário; da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), da própria Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, entre outros.

O programa ainda não foi lançado oficialmente. Ele já passou pelo mérito da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e precisa ainda ser aprovado pelos ministérios. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em parceria com outras entidades produziu uma cartilha informativa com o objetivo de dar visibilidade ao Programa e cobrar sua efetiva criação pelo governo.

Câe também alerta para a necessidade de aproveitar os diversos momentos de diálogo entre sociedade civil e governo que estão agendados este ano, a exemplo das conferências de segurança alimentar, para pautar a efetivação do programa.

“Essa é uma medida [o Pronara] bem concreta que é uma pressão que a Campanha, a ANA e várias organizações têm feito pra começar a inverter o processo no sentido de reduzir o uso e agrotóxicos, dar chances pra que surja um apoio mais efetivo da resolução do problema que é a efetivação de uma política pública de promoção da agroecologia e da produção orgânica. A única forma da gente sair desse problema é mexendo no sistema de produção, um sistema agroecológico, mas harmônico com a natureza, mais apropriado para cada bioma, para o semiárido, para a mata atlântica, para o cerrado”, conclui. 

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