Mulheres de Jitaí escrevem uma nova história com coragem e fé
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Grupo Mulheres de Fé começou depois do seminário sobre identidade que integrou toda a comunidade de Jitaí | Foto: Arquivo MOC |
“Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem mexer com Jitaí, vai mexer com formigueiro”, é com essa firme e animada cantoria que as mulheres do grupo de produção Mulheres de Fé, da comunidade de Jitaí no município de Retirolândia, se reúnem todas as tardes para produzir seus lindos arranjos e peças de artesanato. Mas a história delas nem sempre foi de atitude e segurança para garantir o espaço na vida e no formigueiro.
Negras e descendentes de quilombolas, com muita coragem e fé elas estão escrevendo um novo capítulo da história da comunidade e de suas vidas. A convivência com o preconceito e a discriminação social e racial por muito tempo foi fator de tristeza, medo e vergonha. Hoje a cor da pele e a condição social são motivos de orgulho e alegria e estão estampadas no sorriso brilhante de cada uma delas.
Toinza dos Santos Bispo conta que a comunidade sempre foi muito esquecida e discriminada tanto por pessoas do próprio município, como de comunidades vizinhas. “A gente sempre foi muito esquecido. Nada chegava aqui, até hoje ainda é pouca coisa que chega. Quando a gente entrava numa loja para comprar alguma coisa as pessoas viravam as costas e faziam comentários maldosos, diziam logo, lá vem as “negas’’ do Jitaí. A gente ficava com vergonha e abaixava a cabeça. Nossa autoestima era lá embaixo”, diz.
O sentimento de inferioridade que tanto machucou essas mulheres foi também o responsável pela inquietação e vontade de mudança. O primeiro passo foi realização de um seminário sobre identidade negra, que envolveu a comunidade e trouxe muitas reflexões e novas ideias. Com o apoio do Movimento de Organização Comunitária (MOC), a comunidade discutiu questões sobre raça, história e organização social. “Houve um seminário chamado Raízes do Jitaí, que podemos ouvir depoimentos de pessoas mais velhas da comunidade, revivemos a nossa história e dos nossos antepassados. Esse foi o primeiro passo que animou a gente”, explica Valdinélia da Silva moradora da comunidade e integrante do grupo Mulheres de Fé.
Tardes Produtivas – Antes de se organizarem em grupo, assistir televisão e novelas era a principal atividade que ocupava as tardes das mulheres. Elisandra Mota conta um pouco como era a sua rotina e das suas colegas. “A gente não fazia nada de tarde. Só sabia dormir e assistir televisão. Eu mesma sabia tudo da novela e assistia todos os filmes que passavam”, diz.
O Grupo Mulheres de Fé começou depois do seminário sobre identidade que integrou toda a comunidade de Jitaí. Hoje, fazem parte do grupo 14 mulheres que produzem artesanatos diversos com EVA (um tipo de espuma), frutos da caatinga e biscuit. As primeiras produções das mulheres foram arranjos rústicos com sementes, folhas e materiais naturais. Elas estão aprendendo diversas técnicas de artesanato através de intercâmbios que participam em outros municípios e com outros grupos. “A gente agora sai, conhece outros trabalhos, troca muitas experiências e aprende muito com outras pessoas de outros lugares”, afirma Toinza.
Além da participação de intercâmbios, o Grupo Mulheres de Fé tem garantido presença em diversos eventos do município de Retirolândia. As mulheres participaram da I Feira Agroecológia e foi uma alegria só, como relata Elisandra: “Foi maravilhoso ver o nosso talento reconhecido, as pessoas elogiando, achando os artesanatos bonitos”.
Assim como os muitos elogios recebidos através da dedicação e capricho na produção das peças artesanais, as mulheres do grupo estão gerando renda através da comercialização. Por enquanto, o lucro conquistado é dedicado aos investimentos na compra de materiais para produzir e também na poupança de cada uma delas, que pensam em juntar recursos para a construção da sede própria. O grupo funciona no espaço da associação comunitária e o sonho delas é conquistar em breve um espaço próprio.
O desejo de conquista está presente desde os detalhes no artesanato como no olhar de cada uma das mulheres. Vergonha não existe mais na comunidade de Jitaí. Elisandra, que antes queria ser morena clara, hoje se declara negra e com muito orgulho: “Antes a gente abaixava a cabeça, tinha vergonha. Hoje conhecemos sobre nossos direitos e tenho orgulho de ser negra e do Jitaí”. Valdinélia também reforça a fala da companheira: “Agora se eu chegar em uma loja e falarem lá vem esse povo do Jitaí, vou dizer: Sim, sou do Jitaí e com muito orgulho. Hoje me sinto forte e segura.”
Tristeza e autoestima baixa agora passam bem longe dos/as moradores/as da comunidade. As pessoas estão cada vez mais participativas e desinibidas. Se antes existia medo até de falar, hoje a comunicação não é mais um problema. A comunidade tem realizado diversas ações de resgate da cultura, do samba de roda, reisados e dança afro e está fortalecendo parcerias e recebendo muitas visitas. Os objetivos agora são o reconhecimento oficial como comunidade quilombola e melhorias sociais, como saúde e infraestrutura. Se depender das mulheres do grupo com certeza fé e coragem não vão faltar para irem em busca dos seus direitos.
A personalidade e a persistência embelezam os artesanatos e afirmam cada vez mais a identidade de cada uma delas “Sou negra, sou negra sim”, diz Toinza, consciência que é reforçada por Valdinélia: “O negro é maravilhoso, é bonito mesmo”.