Cuidar e guardar água, alimentos e sementes preserva territórios e fortalece a identidade dos povos do Semiárido
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Agrobiodiversidade foi um dos temas tratados no Encontro de Agricultoras Experimentadoras | Foto: Verônica Pragana |
Os povos do Semiárido sempre possuíram dinâmicas próprias de uso e ocupação de seus territórios tradicionais, modos de cultivo e de cuidado com a terra, água, fauna e flora. Esse modo de vida se contrapõe frontalmente ao modelo de desenvolvimento capitalista que hoje predomina no campo provocando desequilíbrios nos sistemas tradicionais de uso e ocupação dos territórios podendo gerar uma forte perda da agrobiodiversidade, incluindo aí perdas de espécies animais, vegetais, sistemas de cultivo, aspectos sociais, culturais e antropológicos desses povos e comunidades.
Mesmo considerando que o modelo do agronegócio é hegemônico e predominante no mundo rural brasileiro, atualmente, os agricultores e agricultoras do Semiárido protagonizam uma importante mudança de paradigma de produção. A agroecologia vem se firmando como forma de produzir alimentos e de se relacionar com os bens naturais e as pessoas nesses espaços. Agricultores e agricultoras reassumem seus tradicionais papéis de guardiões e guardiãs da agrobiodiversidade.
Nessa parte do mapa do Brasil é intensa a troca de saberes advindos das práticas cotidianas de cuidar dos quintais, roçados, matas e criações. São muitas e diversas as experiências desenvolvidas por esses homens e mulheres que nesse território de resistência afirmam uma identidade comum e um projeto coletivo de convivência com o Semiárido que se concretiza em processos locais e comunitários de experimentação agroecológica possibilitados, principalmente, por guardiões e guardiãs da agrobiodiversidade.
Conceição Mesquita, cearense, do município de Trairi, comunidade de Urubu, é agricultora e uma dessas guardiãs da agrobiodiversidade, ela fala com orgulho daquilo que brota no chão de seu quintal e das sementes que preserva: “Quem vem de longe já enxerga a diversidade do meu quintal, aqui tem de tudo: cebolinha, coentro, noni, maxixe, milho, feijão, abacaxi, limão, acerola, ata. É importante, além de plantar e colher, guardar a semente para não depender de ninguém quando quiser plantar de novo”, afirma.
Também para dona Irene de Moraes, do assentamento Chico do Góis, de Apodi, Rio Grande do Norte, é importante preservar “tudo que voa, tudo que ordenha, tudo que é verde, tudo que é vida”. Dona Irene cria galinhas e caprinos, faz plantio de hortas sem a utilização de agrotóxicos e reforça a importância de guardar sementes vegetais e animais. “Tudo que plantei no meu quintal vem de sementes que eu tinha guardado ou que outras pessoas compartilharam comigo: os vizinhos ou agricultores nos cursos e intercâmbios. Hoje também tenho sementes e mudas para dividir”.
“A principal estratégia do Semiárido é estocar água, alimentos e sementes. Para nós os guardiões e guardiãs da agrobiodiversidade, protegem nosso território, cultura, fauna, flora, além de proteger o meio ambiente. Esses agricultores e agricultoras guardam sementes, animais e vegetais importantes pra caatinga e para alimentação das pessoas, além de fortalecer nossa identidade”, afirma Cristina Nascimento, integrante da coordenação executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), pelo estado do Ceará.
“Preço dos alimentos – da crise à estabilidade”
O dia 16 de outubro é, mundialmente, lembrado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como o Dia Mundial da Alimentação. Em 2014 o tema é “Preço dos alimentos – da crise à estabilidade”. O alto custo financeiro dos alimentos e suas variações podem representar uma séria ameaça para a segurança alimentar e nutricional, em especial das populações mais pobres. Em 2014, o Brasil saiu do mapa da fome das Nações Unidas. Segundo os dados analisados, entre 2002 e 2013, caiu em 82% a população de brasileiros em situação de subalimentação.
As guardiãs e guardiões da agrobiodiversidade também ajudam a preservar e disseminar o modo de produção agroecológico. “A agroecologia se contrapõe a uma agricultura que usa agrotóxicos, que se baseia na exploração do trabalho e no latifúndio. A agroecologia se constrói a partir dos conhecimentos tradicionais sobre o modo de cultivo e a agrobiodiversidade de agricultores e agricultoras”, afirma Alexandre Pires, coordenador do Centro Sabiá.